segunda-feira, 3 de julho de 2023

Deixem os grilos cantar

 Quão míngua anda a minha memória, quando já nem dos grilos que cantavam nos lameiros do Calaia, apenas se me lembra a cor.
De palhinha na mão e muito sorrateiro lá ia eu ouvindo o seu canto, para que  pudesse chegar o mais perto possível. Mais espertos e audazes que eu, eles davam pela minha presença e de repente se calavam e fugiam para dentro da toca, quase sempre por detrás  de uma arçanha. Mas eu muito persistente e sabendo da sua manha, lá descobria o seu esconderijo e com a a ajuda de uma palhinha, fazia com que eles saíssem depois de sentirem umas cócegas no rabo. Se tinham três hastes no rabo e eram encorpados com uma faixa amarela nas asas eram machos e os que melhor cantavam. As fêmeas eram mais pequenas, com apenas duas hastes e menos desprovidas do tom amarelo nas asas. Por vezes na dúvida segurava o grilo pelo dorso e soprava nas asas para ver se com o movimento do sopro as asas se abriam e libertavam aquele som tão peculiar...gri, gri. Muito inocente lá ia o coitado para dentro da gaiola que a minha mãe tinha comprado no comércio do Sacho, provida já com a respectiva folha de alface para que o meu amigo ao sol, com a gaiola pendurada na soleira da porta da casa dos meus pais, pudesse com o seu canto competir com o pintassilgo do Senhor António Cunha do outro lado da rua.
Outros tempos porque hoje em dia, penso eu, ninguém vai aos grilos, que ideia! Mas tenho a certeza que ainda existem pessoas que vão aos gambozinos, quando pacoviamente persistem em fazer do antigo lameiro do Calaia o lugar ideal para a celebração de um evento, cada vez mais sem sentido, fora do seu lugar natural. Se o regresso da feira das cantarinhas ao centro da cidade foi fruto de um problema de consciência de quem de direito ou não, por favor que tal persista mais uma vez para que a nossa cidade possa ficar ainda melhor e tornem as gentes mais felizes no próximo mês de agosto, como aconteceu em maio .
Deixem os grilos cantar no lameiro do Calaia para que as crianças saibam que existem, e para tal basta que deixem, sem precisarem de fazer nada, nem sequer de um orçamento rectificativo.

Eduardo Mesquita

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