sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Tratamento da diabetes: O que podemos aprender com os morcegos-da-fruta?

 Uma recente investigação da Universidade da Califórnia, em San Francisco, explica-nos como o estudo dos hábitos alimentares dos morcegos-da-fruta pode abrir portas a novos desenvolvimentos no tratamento da diabetes.

SHUTTERSTOCK / GRIFFIN GILLESPIE - O morcego-da-fruta jamaicano
alimenta-se sobretudo de frutos.

É sabido que, nos humanos, uma dieta muito rica em açúcares pode ter consequências nefastas para a saúde. A diabetes – que ocorre quando o organismo não consegue produzir ou utilizar correctamente a insulina, a hormona responsável pela regulação dos níveis de glicose no sangue – é uma delas.

Segundo estatísticas recentes da Federação Internacional de Diabetes, em 2021 esta doença foi responsável por mais de 6,7 milhões de mortes. A mesma instituição assinala também que um em cada 10 adultos do planeta sofre desta condição e prevê que a diabetes afecte quase 800 milhões de pessoas até 2045. 

Porém, nem todos os animais, quando seguem uma dieta "açucarada", enfrentam os mesmos problemas dos humanos. É o caso de uma das espécies sobre a qual um recente estudo da Universidade da California, em San Francisco, se debruçou.

SHUTTERSTOCK / DANIEL BECKEMEIER - A insulina mantém o controlo no sangue do açúcar ingerido através dos alimentos. Quando esta hormona natural deixa de ser produzida pelo pâncreas, a pessoa com diabetes pode receber uma versão artificial como tratamento.

Segundo Nadav Ahituv, o líder da equipa responsável por esta investigação e director do Instituto para a Genética Humana desta universidade americana, "na diabetes, o organismo humano não consegue produzir ou detectar insulina, levando a problemas no controlo do açúcar no sangue, mas os morcegos-da-fruta possuem um sistema genético infalível no controlo do mesmo. Gostaríamos de aprender com ele, para desenvolver melhores terapias para as pessoas".

Neste estudo, foram comparadas, a nível celular, amostras provenientes de duas espécies com hábitos alimentares distintos – nomeadamente o frugívoro Artibeus jamaicensis, ou morcego-da-fruta-da-Jamaica, e o insectívoro Eptesicus fuscus, o morcego-castanho-grande. Com que objectivo? O de identificar diferenças relativas a componentes celulares e de expressão genética (que genes estão a ser expressos e em que quantidades) e consequentes consequências no metabolismo dos açúcares. Em que o metabolismo destes animais difere do nosso e como conseguem os primeiros evitar os efeitos mais nefastos da sua dieta extremamente rica em açúcares eram outras duas questões que a equipa de Ahituv queria ver respondidas.

Ao contrário de estudos anteriores, que apenas tratavam de observar a expressão de um gene ou conjunto de genes, este foi mais abrangente e sistemático, ao mapear que tipo de células se encontrava em cada tecido e que genes estavam a ser expressos. A investigação focou-se particularmente nas células renais e pancreáticas, peças fulcrais no metabolismo dos açúcares.

OS RESULTADOS 

Enquanto as células do morcego-castanho-grande expressaram mais genes conotados com o processamento de proteínas, as células do morcego-da-fruta expressaram uma série de genes não só conotados com o processamento de açúcares como, curiosamente, também uma série de genes conotados, em humanos, com a diabetes melitus. Entre estes, genes que diminuem a reabsorção de água a nível renal, mas também genes responsáveis pela regulação rápida de níveis sanguíneos de açúcares (inclusive mais célere do que os presentes na espécie insectívora). De particular interesse, conta-se a expressão de genes que protegem contra a destruição de tecidos pela diabetes e genes que codificam hiperinsulinismo.

Alegadamente, a capacidade destes animais de resistirem à diabetes dever-se-á não a uma característica ou características únicas do seu organismo, mas sim a um processo evolutivo que selecionou contrapartidas fortes para as consequências desta dieta.

Estes resultados têm implicações relevantes para o tratamento da diabetes em humanos e abrem a porta ao desenvolvimento de novas terapias genéticas focadas nos genes equivalentes na nossa espécie, que poderão um dia fazer parte de uma solução no combate à síndrome metabólica e à própria diabetes.

António Matos

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