segunda-feira, 11 de novembro de 2024

isa bel

Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)


Quando, um dia a conheci, senti de imediato que era daquelas pessoas capazes desse feito único de pousar o olhar nas estrelas. Penso que seria para as adivinhar. Porque soletrava o nome de cada uma, como se lhe fossem pertença do coração.
Perguntavam-lhe muitas vezes, porque perdia tempo a namorar com os sonhos. Respondia, com os olhos carregados de distâncias, que o tempo… Bem, o tempo serve para guardar vidas irrepetíveis. Por isso se perdia, assim, nele.
Vi-a, muitas vezes, presa nos timbres das sombras onde se permitia descansar das fadigas do espírito. Sabia que, por dentro, murmurava para si própria uma canção de embalar, cujas palavras só o silêncio tinha permissão para entender: “Os pássaros… é tão profundo o som naquele trinar a engrandecer o Ser de ser completo e inteiro!” E a tranquilidade era-lhe apenas isso, aquela música infinita num cair de tarde a aconchegar o horizonte. E um raio de sol que não lhe escondia o sussurro de um outono já a prometer-lhe a alma. O céu inteiro a olhá-la, oferecia-lhe esse instante com cheiro a lilases!
- Ainda sou livre de acreditar que a vida só vale a pena quando os sentidos saboreiam todos os detalhes de um único momento. – Declamava, baixinho, como se brincasse com as letras de um poema.
Sabia de cor todos os segredos da terra. Os muros e as cores, as árvores e os cheiros, a transparência da chuva e a exatidão dos insetos, a solidão das nuvens…
- Com eles, visto as roupas das minhas memórias no espaço exato de um momento. – Ouvia-a, certa vez, murmurar.
Desenhavam-se-lhe no rosto as palavras dos outros como uma brasa que queima por dentro. Às vezes mel. Às vezes fel. Se o mundo nos dói, não quer dizer que destrói… E seguia em frente. O mar dos braços num abraço a si mesma. É que Isa Bel tinha esse dom: a brisa do seu ser aquietava-se-lhe no calor de um simples toque, mesmo que ainda por inventar. Depois, livre, partia num baloiço à procura de todos os céus possíveis…
Diz que descobriu a esperança no dia em que levantou os olhos para sentir melhor o cheiro do vento. O instante em que ficou a saber que dentro dela, todas as almas podiam ser infinitas.
Por isso, foi ao senti-la silenciosa na lonjura daquela janela, que lhe perguntei:
- Então, qual o medo de sonhar quando se carrega, assim, a fé no olhar?...
Não me respondeu. Lentamente, limpou o canto das lágrimas.
Creio que todos os gestos guardam os segredos de uma vida.

Paula Freire


Paula Freire
- Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021, “Cultura Sem Fronteiras” (coletânea de literatura e artes) e “Nunca é Tarde” (poesia), e da obra solidária “Anima Verbi” (coletânea de prosa e poesia) editada pela Comendadoria Templária D. João IV de Vila Viçosa, em 2023. Prefaciadora dos romances “Amor Pecador”, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021), “As Lágrimas da Poesia”, de Tchiza (Katongonoxi HQ, Angola, 2023), “Amar Perdidamente”, de Mary Foles (Punto Rojo Libros, 2023) e das obras poéticas “Pedaços de Mim”, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021) e “Grito de Mulher”, de Maria Fernanda Moreira (Editora Imagem e Publicações, 2023). .Autora do livro de poesia Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."- Bragança e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza.

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