Era dia da consoada. A Antónia levantou-se cedo para ir à praça, comprar as couves tronchas, o polvo e mais algumas miudezas para a longa noite da ceia natalícia.
Quando regressou a casa, já os caixeiros da rua Direita e do Tombeirinho abriam as pesadas portas de madeira de castanho, pintadas de verde e cor de vinho, para oferecerem aos seus clientes as mercadorias do seu ramo de negócio.
Nas mercearias cheirava a bacalhau e a polvo de meia cura. Era Natal!
Sentia-se a falta da animação dos estudantes que já estavam de férias. As carvoeiras de Gimonde e da Aveleda percorriam as ruas da cidade com os burros carregados de carvão, urzes e carquejas. Ouviam-se os pregões. O dia estava frio e as carvoeiras haviam de fazer bom negócio. Na noite de Natal todas as famílias acendem muitas braseiras para amaciar a fria noite da consoada. As lavadeiras de Alfaião passavam com grandes sacos de roupa branca que lavavam no rio da aldeia e punham a corar ao sol mortiço de dezembro.
As ruas da cidade estavam na verdade muito movimentadas, com burros, carroças e pessoas que vinham aos Sotos fazer as últimas compras. Gente da aldeia, mulheres de lenço, envoltas em pesados xailes de lã, homens de capote, alguns de samarra, vendiam pelas ruas produtos da horta e da capoeira.
As tabernas deixavam no ar um fumo branco com cheiro a canela. As filhoses e rabanadas alouravam.
As mães entravam nos comércios de mercearias da praça da Sé e faziam embrulhos com as folhas mais coloridas do Primeiro de Janeiro. Meia dúzia de rebuçados de meio tostão, uns figos secos vindos de Moncorvo e umas meias de lã de ovelha faziam o presente divino que à meia-noite em ponto, um menino Jesus pobre, acabadinho de nascer, havia de deixar junto da lareira! E todo o céu envolto no frio bragançano se iluminava.
E as árvores sem folhas da Praça da Sé pareciam Cristos crucificados, dolorosamente, numa cidade antiquíssima, numa cidade de província, a nordeste.
In: O Milagre de Bragança
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