domingo, 5 de outubro de 2025

“BAI UM BILHÓ”?


 Aproxima-se, a passos largos, o tempo da castanha. O «pão da árvore», como designada era em tempos muito idos. Em consonância com a denominação que a sua árvore tomava, a «árvore do pão». Tal foi a sua importância na alimentação dos nossos antepassados que uma das primeiras designações que deram à batata, foi «castanha da terra». 

Quase todos, sem excepção, já deverão ter ido, ou ainda irão, à apanha da castanha. Trabalho duro, não pelo esforço físico em si, que andar a “barijar” oliveiras é mais desgastante, mas por ter de se andar “amarrado” (para os que, eventualmente, não estejam familiarizados com a expressão, a mesma é sinónimo de «agachado»). Ao final de um dia, “amarrado” ou curvado, os ossos queixam-se mais do que as mãos que vão sendo picadas, aqui e ali, pelos ouriços. 

Os vestígios físicos da castanha são de imemoriais tempos, embora só desde o século X, há mais de mil anos, a mesma comece a surgir na documentação escrita sob a forma «castanea», sendo mais vulgares, no entanto, as menções ao castanheiro, a partir da sua original forma «castiniarius», nas suas mais diversas formas sempre grafado com [i]. Daí, embora em Português a palavra correcta seja «castanheiro», desde catraio que me habituei a ouvir chamá-lo de «castinheiro», à semelhança do que acontece com o Galego «castiñeiro». Mais um «fóssil linguístico», à semelhança do «ervanço» que aqui trouxe recentemente. 

Por responsabilidade da milenar presença do castanheiro pela região bragançana, que algumas vezes também vem referido como castanheira, embora hoje tenham significados distintos, temos pelo distrito uma Castanheira no concelho de Bragança e outra no de Mogadouro, e um Vilarinho da Castanheira em Carrazeda. E à custa dos milenares soutos, também há um Soutelo em Mogadouro, um Soutelo da Gamoeda em Bragança e um Soutelo da Pena Mourisca em Macedo. Se me esqueci de algum, façam o favor de reclamar. 

Constando-se ainda que, por eventual responsabilidade de uma forma antiga «rebordã», a castanha produzida em castanheiros-bravos, aos quais se designavam por «rebordãos», temos a terra homónima, mais o diminutivo Rebordaínhos e o colectivo Rebordelo. Por curiosidade, as terras de castanheiros-bravos também eram designadas por castinçais, por terem as bravias árvores o nome de castinceiras. 

Aos soutos regressando, antes de comer os “bilhós”, necessário é munirmo-nos de luvas, roupa adequada, sacas, cestas ou baldes. Estes últimos aos quais ouvia chamar de “baldos” ou, respeitando a pronúncia, de “baldus”, que por cá não temos vogais átonas e ainda sofremos muitos efeitos das ancestrais línguas ásturo-leonesas. Por isso, em «Mirandés», balde, «baldo» se escreve. “Cousas”...

Por vezes, direito dava, logo no meio do souto, ao primeiro magusto, “magosto” lhe ouvia chamar. Mais uma reminiscência de antigos tempos, que em Galego «magosto» se chama, assim como em Mirandés, embora aqui haja a dupla versão. Para os mais curiosos, em Asturianu é «magüestu», havendo a particularidade de na região de Val de Xálima, uma zona no centro de Espanha, perto da fronteira com Portugal, onde se fala o peculiar «xalimego», uma mistura de Galego com Asturianu, também temos o «magostu». Como tal, “bib’ó magosto”!

Um evento, porque o magusto, afinal, se trata de um evento, que tem origens muito para lá da nossa compreensão. Palavra que origem tem em ancestrais manifestações pagãs, mas não vou massacrar ninguém com universos celtas e afins. A verdade, porém, é que o magusto é o «magnus ustus», ou seja, a grande fogueira onde se queima algo ou, em alternativa, o «magus ustus», o mago que queima. Tudo tem uma justificação. Até o facto de, depois do magusto nos arriscarmos a ficar “infurretados”. Ou a jogar “bilhós à rebulhana”. Quem nunca jogou, «rebulhana, subaldana, sobre quantos?»… 

Por vezes, havia algumas castanhas “folecras” ou, quando o calor havia apertado, algumas ficavam “abeladas”. Depois de concluída a apanha, seria tempo do “rebusco”. E haveria de chegar o conforto de ir “por uns guiços ó sequeiro” para assar as castanhas no conforto caseiro ou, em alternativa, cozê-las no pote. Por vezes, saíam “ingroladas”, sabendo bem de igual forma. Com um “cibinho” de jeropiga. 

Como já vai longo o testamento, palavra puxa palavra, já cá voltarei brevemente com mais umas histórias (e história) sobre a tão nossa castanha… Para os que interesse tiverem. “Bai um bilhó”?…

Rui Rendeiro Sousa

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