sábado, 22 de novembro de 2025

Bragança, 1º de Dezembro. “Quando os Estudantes Tomavam Conta da Tradição”


 Em Bragança, o frio de dezembro chegava sempre com um presságio diferente. Não era só o início do último mês do ano, era o renascer de uma tradição estudantil que atravessava gerações, unia amigos e cursos e transformava a cidade numa pequena festa de irreverência, memória e identidade académica.

Bragança, Coimbra em miniatura como escreveu Santa Rita Xisto.

O 1º de Dezembro, feriado nacional pela Restauração da Independência, tinha em Bragança um significado profundo. Era nessa data que os estudantes das escolas da cidade, com destaque para o Liceu Nacional de Bragança, saíam às ruas para celebrar a sua própria independência, a de serem jovens, criativos e herdeiros de um ritual que misturava música, teatro, crítica social, comes e bebes e… alguma irreverência.

Tudo começava na véspera, com o silêncio da noite incomodado pelas serenatas. Grupos de estudantes, alguns trajados a rigor, com capas negras e guitarras, percorriam as ruas empedradas da cidade, cantando ao luar. Era um momento de pausa, de beleza e de respeito pelas raízes académicas portuguesas. Mas que ninguém se enganasse, a noite ainda ia ser longa... e que o digam as nossas colegas que habitavam nos colégios femininos da nossa cidade.

Seguia-se o teatro, por norma um espetáculo satírico ou histórico, muitas vezes escrito e encenado pelos próprios alunos, onde se gozava tudo e todos, professores, políticos locais, situações caricatas da vida escolar. Era uma libertação saudável, uma forma de crítica social embebida em humor e cumplicidade. Quem assistia, ria. Quem era gozado, aprendia a rir de si próprio. Estava tudo certo.

No dia seguinte, era a vez da latada, cortejo, onde os caloiros guiados, provocados e protegidos pelos seus padrinhos e madrinhas, desfilavam pela cidade em carros decorados com temas absurdos, piadas visuais e gritos de praxe. A cidade observava, participava, divertia-se. Afinal, em Bragança, o povo e os estudantes ainda se misturavam. Ainda havia rua.

E claro, havia a lenda viva do “roubo da galinha”. Um costume picaresco e cada vez mais simbólico, em que os estudantes tentavam "roubar" (ou representar o roubo) de algumas galinhas, de um quintal qualquer. Era um gesto que remontava à ruralidade envolvente, um eco de tempos em que a comida era escassa e a brincadeira e a alegria valia mais que o ouro.

Não era vandalismo. Era tradição. E como toda tradição, adaptava-se. Muitos desses "roubos" acabavam por ser combinados com os vizinhos, numa espécie de jogo teatral entre a cidade e os seus estudantes. Uma dança de respeito, memória e imaginação.

O que tornava o 1º de Dezembro em Bragança especial não era apenas o que se fazia, mas como se fazia. Com paixão, com identidade, com a certeza de que a escola não era apenas exames e notas. Era também comunidade. Era história viva. Vandalismo era prática desconhecida e a própria palavra talvez ainda nem fizesse parte dos dicionários.

Guitarras a tocar ao frio e gargalhadas a encantar os que tocavam e os que ouviam. Bragança era palco de uma das mais autênticas celebrações do espírito estudantil português.

A partilha do tintol, a altas horas e na Praça da Sé, dos grupos que ali acorriam depois da meia-noite tinha um simbolismo que nos irmanava.

Os estudantes desistiram. Mas hoje ainda há quem tente manter essa memória com um jantar de amigos e que é isso mesmo, um jantar de velhos amigos onde se recordam tempos idos, situações… risos, sorrisos, lugares, alegrias e tristezas. Bebem-se uns copos e recordam-se cantigas e canções! Claro que agora a conversa quase sempre "foge" para os medicamentos que cada um toma, quase como que numa competição. És um amador... a minha cápsula tem mais 60 miligramas que a tua. Estás bem novo. Antes, as competições eram outras mas tão legítimas como as de agora.

Para a minha malta digo em jeito de despedida, por hoje, até dia 30 deste mês, numa aldeia aqui bem perto.

Obs* Já estou a fazer dieta…

HM

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