(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Regressando a uma das particularidades que transformam esta região num tal de território único: os Pauliteiros. “Dize que”… Pelo menos a partir do longínquo século XIII, os tais «dançadores da dança dos paus», ou, mais recentemente, «bailadores», como bem fui advertido, passaram a integrar, oficialmente, as manifestações religiosas, especialmente as «procissões do Corpo de Deus», ou aquelas que festejavam o «santo da terra». Isto porque a Igreja, bem ao jeito de «se não consegues vencer o inimigo, junta-te a ele», ao não ter tido a capacidade para eliminar as celebrações de carácter profano, tal como também acontecia com os «mascarados», optou por integrá-las nas suas celebrações.
Assim sendo, passaram a ser vulgares as referências à presença de «mascarados», «tamborileiros», «gaiteiros» e «dançadores», nas manifestações de carácter religioso. No entanto, particularmente no que respeitava aos «mascarados», isso terá dado azo a excessos, nomeadamente a ajustes de contas em plena procissão! “De bêz’im quandu’e”, lá aparecia um devoto que não terminava a procissão… O que acabaria por redundar na proibição de «mascarados», quer por instruções eclesiásticas, quer por decretos régios. Prosseguiria, no entanto, a presença dos elementos musicais, assim o justificam, entre outra documentação, alguns «livros de contas» de confrarias ou irmandades. Embora fossem surgindo Pastorais dos Bispos a tentar limitar os excessos, particularmente os cometidos no interior dos espaços sagrados.
É delicioso examinar a imensa documentação eclesiástica. Somos aí confrontados com realidades bastante distintas daquelas que conhecemos na actualidade. De repente, recordo-me da alusão que é feita aos abusos que eram cometidos dentro de igrejas ou de sacristias, onde se comia e festejava, noite dentro! Ou onde se dormia, «tudo ao monte e fé em Deus»… E outras coisas ainda mais mundanas… Mais tarde, alegando que os tocadores e dançadores distraíam os fiéis, foi mesmo proibida a sua presença em manifestações religiosas. Coisas do «arco da velha»…
A chegada de novos ventos, traria o regresso dos «Pauliteiros» às celebrações religiosas, voltando a misturar-se o profano com o sagrado. Assim como os «Caretos», especialmente nas festividades associadas ao Santo Estêvão, passariam a voltar a ter papel determinante. E muito haveria para dizer sobre as «Festas dos Rapazes», mas ficará para a altura própria. Como o haveria em relação a um incontável número de tradições populares que a chegada da «velha senhora» acabaria por castrar, algumas «matando» de irreversível forma, outras tendo tornado moribundas. O fenómeno da emigração também contribuiria, definitivamente, para esse abandono de milenares tradições, enraizadas na memória popular. Felizmente, resta a documentação para as relembrar. E, felizmente ainda, nas décadas mais recentes vem-se assistindo ao resgatar de muitas delas.
Entretanto, a propósito desta junção entre festas pagãs e festas religiosas, subitamente me lembrei de outro aspecto. Que também incluía a presença de «mascarados», «tocadores» e «dançadores»: as antigas procissões a locais de culto pagão.
A nossa história colectiva é fabulosa! Por isso há sempre mais uma «carta na manga»… E não se esgotam, acreditem! Mas também não gosto que os textos fiquem muito longos… Como tal, já cá virei trazendo, para os interessados, outros temas, começando pelas antigas procissões… e as capelas no alto dos montes. E outras “cousas, pur’i”…
Uma nota final: antecipadamente, tenho consciência de que me arriscarei a comentários do género «nunca me lembro de ter ouvido falar nisso», «você não sabe o que diz», «faz uma grande confusão» e outras agradabilíssimas saudações do género… Coincidentemente, sempre provindos de pessoas cujos nomes nunca vi referenciados em bibliografia alguma. Não serão esses comentários, escritos em tom sobranceiro, impeditivos para continuar a partilhar com os meus conterrâneos, com todo o prazer, e em modo carolice, o pouco que sei, sabendo que nada sei. Tenho feito questão de interagir com todos os comentários que são deixados, com alguns dos quais tenho aprendido imenso. Todavia, não voltarei a fazê-lo com aqueles provindos da «sabetudologia wikipédica»… Pelo menos até ver os seus autores mencionados em qualquer bibliografia, que até poderá ser de «banda desenhada»... E que me desculpem, por esta nota final, as muitas pessoas com as quais, como dito, tenho aprendido imenso. Nomeadamente sobre boa educação e bons princípios… A minha eterna gratidão a elas!
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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