A realidade rural na Somália, em França, na Argentina… não será muito diferente de Portugal. Quem tem terra, a chamada terra de onde de lá nunca se saiu ou de quem diz «vou passar férias à terra», conhece bem esta existência. Concretizando, a terra de que aqui falo é «Trás-os-Montes», descrita eximiamente por Tiago Patrício.
A Gradiva tem agora nas livrarias o seu primeiro romance, distinguido com o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa Luís 2011.
Numa aldeia de Trás-os-Montes vivem quatro crianças – Teodoro, Raquel, Edgar e Óscar. A aldeia tem a forma de uma cruz, tem duas igrejas, dois cemitérios, duas estações de comboio e um comboio a vapor. Depois há o campo, as hortas, os lameiros e os palheiros onde o gado passa a noite.
As crianças vão à escola e depois têm o resto do tempo livre, excepto algumas tarefas a cumprir. Depois da lida, seja na mercearia, na quinta ou em casa, ficam na rua até anoitecer e serem chamados para jantar. Enquanto isso, com tanto tempo por sua conta, aventuram-se nas coisas dos adultos. Experimentam fumar, roubam revistas pornográficas que vão lendo às escondidas junto ao riacho, conduzem carros, ateiam incêndios e até simulam um funeral.
Nesta realidade, é fácil arranjar caçadeiras. Matam-se pássaros e outros animais. As crianças aqui são cruéis, com os animais e com elas próprias. Mas é assim que são educadas e é assim que crescem.
Neste enredo de Tiago Patrício, também há espaço para enamoramentos, avós muito velhinhas, mães e pais que emigraram para parte incerta, e gente bruta que não sabe ser de outra forma. Pessoas que não conhecem o gesto de um afecto, talvez porque nunca o tenham recebido. Pessoas que trabalham a terra de sol a sol e que à noite resguardam-se junto à lareira enquanto desmancham camisolas velhas para aproveitar a lã para fazer novas. Os miúdos, no exterior, a brincar nos lameiros, inventam expedições, enquanto brincam com côdeas de pão na mão e apanham fruta das figueiras.
À noite, as mulheres ficam em casa. Os homens vão para o café. Ali, naquela aldeia, o tempo, quem o dita, é o Sol, e as colheitas, e a passagem do comboio e o sino da igreja. É o quotidiano de uma pequena aldeia de Trás-os-Montes que cabe num pequeno romance. Pequeno mas notável na sua forma descritiva, sucinta e incrivelmente fidedigna do que continua a ser o Portugal rural.
Sandra Gonçalves in DD
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