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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

... quase poema... ou do milagre económico

Por: Fernando Calado
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Hoje a vizinha do sétimo andar acordou mal disposta. Dormiu pouco. O robe cinzento mais acinzentava a vida… Que puta de vida! Repetia a vizinha enquanto esquentava o chá das ervas de mezinha que trouxe da aldeia… recomendadas pela tia… senhora de virtude e zeladora do altar de São Bernardino…
Na verdade eu nunca tive nenhuma vizinha que morasse no sétimo andar… eu moro numa pequena casa, entre serras e vales… atrás dos montes. Mas persegue-me sempre esta imagem da vizinha do sétimo andar. É uma mulher excessivamente magra que desistiu da vida… Cabelo curto… cinzento. As mãos tremem na avidez do cigarro. Tem um sobretudo que agasalhou muitos Invernos e bate com os dedos na mesa enquanto toma o descafeinado por causa dos nervos. Ainda pensou em casar. Desistiu, depois de encontrar, várias vezes, o lado esquerdo da cama demasiadamente vazio depois de dois, ou três relacionamentos sem futuro! 
Trabalhou quarenta anos numa secretaria do Estado. Aturou a lascividade do Sr. Almeida, Chefe de Sessão, que tinha uma peruca… um fato que cheirava a naftalina e era membro do Apostolado das Dez Virgens… e tinha uma unha grande!
Agora está aposentada… sonhou ter uma velhice tranquila… viajar… ir ao cinema… comprar livros… umas roupinhas… quem sabe reconstruir a casita na aldeia e ter uma horta… ir de novo lavar ao ribeiro… plantar uma cerejeira…
Mas não… roubaram-lhe a reforma… e não dorme… as noites são longas… toma comprimidos e as facturas da água, da electricidade e do empréstimo da casa acumulam-se sobre a mesa na maior confusão… que puta de vida!
Dantes ainda saía à noite… ia a um Bar beber um copo… conversar com as amigas. Agora fica em casa… sozinha… rói as unhas… e conta os cêntimos numa rotina de desconsolo… e desabafa amargurada, rezando uma infinidade de palavrões bem transmontanos… finalmente, olhando não se sabe para onde termina o seu esconjuro com um magoado e magnífico: 
- Cabrões!
O País está muito melhor… as pessoas ainda não! Diz um pândego no telejornal!
A vizinha não aguenta… desliga a televisão e enrosca-se no cobertor para não gastar luz e não se aborrecer mais!
- Vão para o c.....!
Nascem carvalhos verdejantes… na penumbra da sala… f…-se… e a vizinha ficou em estado de graça… mas muito triste!


Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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