(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Hoje a vizinha do sétimo andar acordou mal disposta. Dormiu pouco. O robe cinzento mais acinzentava a vida… Que puta de vida! Repetia a vizinha enquanto esquentava o chá das ervas de mezinha que trouxe da aldeia… recomendadas pela tia… senhora de virtude e zeladora do altar de São Bernardino…
Na verdade eu nunca tive nenhuma vizinha que morasse no sétimo andar… eu moro numa pequena casa, entre serras e vales… atrás dos montes. Mas persegue-me sempre esta imagem da vizinha do sétimo andar. É uma mulher excessivamente magra que desistiu da vida… Cabelo curto… cinzento. As mãos tremem na avidez do cigarro. Tem um sobretudo que agasalhou muitos Invernos e bate com os dedos na mesa enquanto toma o descafeinado por causa dos nervos. Ainda pensou em casar. Desistiu, depois de encontrar, várias vezes, o lado esquerdo da cama demasiadamente vazio depois de dois, ou três relacionamentos sem futuro!
Trabalhou quarenta anos numa secretaria do Estado. Aturou a lascividade do Sr. Almeida, Chefe de Sessão, que tinha uma peruca… um fato que cheirava a naftalina e era membro do Apostolado das Dez Virgens… e tinha uma unha grande!
Agora está aposentada… sonhou ter uma velhice tranquila… viajar… ir ao cinema… comprar livros… umas roupinhas… quem sabe reconstruir a casita na aldeia e ter uma horta… ir de novo lavar ao ribeiro… plantar uma cerejeira…
Mas não… roubaram-lhe a reforma… e não dorme… as noites são longas… toma comprimidos e as facturas da água, da electricidade e do empréstimo da casa acumulam-se sobre a mesa na maior confusão… que puta de vida!
Dantes ainda saía à noite… ia a um Bar beber um copo… conversar com as amigas. Agora fica em casa… sozinha… rói as unhas… e conta os cêntimos numa rotina de desconsolo… e desabafa amargurada, rezando uma infinidade de palavrões bem transmontanos… finalmente, olhando não se sabe para onde termina o seu esconjuro com um magoado e magnífico:
- Cabrões!
O País está muito melhor… as pessoas ainda não! Diz um pândego no telejornal!
A vizinha não aguenta… desliga a televisão e enrosca-se no cobertor para não gastar luz e não se aborrecer mais!
- Vão para o c.....!
Nascem carvalhos verdejantes… na penumbra da sala… f…-se… e a vizinha ficou em estado de graça… mas muito triste!
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
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