Eu não queria ir na procissão vestido de Menino Jesus… eu não queria mãe e as lágrimas eram tantas. A cabeleira era da imagem da Senhora das dores. A cruz foi o pai que a fez, ao serão, do arame que atava as relhas que se vendiam no nosso Soto. O menino Jesus da nossa Igreja emprestou-me por um dia a bola que representava o mundo e que me pesava tanto, como um dia me havia de pesar a própria vida.
E ali estava eu, por um dia, carregando uma cruz que não era minha… e trazendo nas mãos o mundo que eu não conhecia para além dos horizontes da Senhora da Serra.
- Meu rei, estás tão bonito! Meu menino Jesus!
Dizia a Tia Sara enquanto limpava uma lágrima com a ponta do avental… como quem espera um milagre para a solidão da sua longa vida de criada da casa.
- Eu não quero ser o Menino Jesus!
Ainda tentei uma fuga para a nossa horto… mas o chamamento do divino era mais forte e a mãe atenta não deixou que o Menino Jesus mais bonito da aldeia não fosse na procissão com o seu ar sofrido… percorrendo o longo caminho do Calvário que já então se adivinhava.
Olha mãe… mal tu sabias que a cruz seria tão pesada e que tantas vezes havia de cair nesta breve caminhada para o monte da crucificação… mal tu sabias mãe que me esperavam tantas partidas e breves chegadas… tanto luto… e uma longa quaresma para o teu Menino Jesus que envelhece.
Mas não fiques triste mãe… se a cruz me foi tão pesada… o mundo, na plenitude da vida, foi tão bonito e valeu a pena nem que só seja pela dádiva das tuas netas… das tuas bisnetas e da macieira da nossa horta que todos ao anos nos dá as maçãs mais doces, as mesmas que tu comias ao entardecer.
…desculpa mãe… estava a brincar… eu já quero ir na procissão!
Fernando Calado
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