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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Dormir em mosteiros : Balsamão

Haverá cinco umbigos do mundo. Um deles é o Monte Morais. O convento de Balsamão, dos Padres Marianos da Imaculada Conceição, está diante dele, ao colo. Uma divina enfermeira, protetora de noivos, será a culpada.

Cortemos, então, a respiração, subindo à esplanada e ao miradouro: a Serra de Bornes em redor, os olivais de Chacim ao fundo, as termas da Abilheira em baixo. Se for ao final da tarde, podemos ter a sorte de contemplar um pôr do sol glorioso, de vermelhos e laranjas intensos.


Há alternativas, claro: no miradouro da água, o assombro é pelo menos igual ao anterior. E nos claustros apetece ficar apenas a olhar as árvores de fruto ou a cisterna apaziguadora dos sentidos.


O lugar, perto de Macedo de Cavaleiros, é assim há muito. No seu diário, o principal inspirador do convento, o padre polaco Casimiro Wyszynski (1700-1755) descrevia: «Temos aqui, cercados pelos rios, campos, pomares, vinhedos, prados, oliveiras e frutas de várias espécies. E nesse monte há florestas, árvores, belos carvalhos.»


Não faltam mesmo referências bíblicas evocadas pelo fundador e pelos seus continuadores. No Salmo 124, rezado por vezes pelos padres marianos que aqui habitam, lê-se: «Como Jerusalém rodeada de montanhas,/ assim o Senhor protege o seu povo/ agora e para sempre.»


Só podemos ter sentimentos de proteção e serenidade quando estamos em Balsamão. O sítio deve o seu nome a uma lenda: durante a ocupação do território pelos muçulmanos, as noivas eram forçadas a passar a noite de núpcias com o emir. Um dia, os cristãos locais revoltaram-se, raptaram uma noiva e deram combate às tropas do emir. A causa estava quase perdida, quando uma misteriosa senhora apareceu a sarar os cristãos feridos, depondo-lhes um pouco de bálsamo. Recobradas as forças, foi morto o emir e postas em fuga as suas tropas. O povo cristão viu na dama a Virgem Maria e, ganha a batalha, passou a festejar-se Nossa Senhora de Bálsamo na Mão, invocada como protetora do lar, padroeira de noivos e divina enfermeira.


O episódio deixou marcas no território: Alfândega passou a chamar-se Alfândega da Fé, a vila de Castro passou a ser Castro Vencente (hoje Vicente) e, por causa da eventual chacina, a aldeia vizinha ficou Chacim. No início do século XVII já ali havia uma confraria que tomava conta do santuário entretanto criado.

A 6 de setembro de 1754, frei Casimiro chega a Balsamão com um companheiro, frei João de Deus. Mas já ali vivia um grupo de eremitas, que recebem os dois frades de braços abertos, dispondo-se a integrar a ordem dos padres marianos. No curto ano em que ali vive, frei Casimiro torna-se mestre espiritual da comunidade. Quando morre, o povo já o designava como "santo polaco", pela preocupação que manifestava de que os seus confrades exercitassem a caridade para com os mais necessitados. O quarto de frei Casimiro é hoje uma memória recuperada, como um pequeno santuário: o catre onde morreu, o baú que lhe serviu de mala de viagem desde a Polónia, poucos objetos pessoais, alguns ex-votos...

Em 1834, com a expulsão das ordens religiosas, o convento entra em ruína sendo de novo readquirido pela ordem em 1954. A igreja do santuário, colada ao convento, é mantida e protegida pela população e pela paróquia local.


A arquitetura exterior do convento é algo incaracterística mas, na sua sobriedade, não agride. O mesmo se passa com a igreja do santuário, colada ao convento, datada do século XVIII e recuperada em 2010, onde se pode apreciar um teto afrescado e um interessante retábulo setecentista da Divina Providência (apenas destoa o quadro contemporâneo com a legenda «Jesus confio em vós»).

Já na pequena capela do convento, algum ecletismo que se traduz num somatório de formas não obsta a que, também aqui, se possa repousar o olhar: através da grande janela vertical por trás do altar, pode ter-se uma fantástica vista sobre o vale, apenas interrompida pelo sacrário.


Um local invejado

A pequena comunidade de três padres e um frade que aqui subsiste marca o seu ritmo pelo toque do sino, que convoca para rezar, três vezes ao dia: a oração da manhã, ou laudes, e eucaristia às 7h; a do meio-dia; e a oração de vésperas, às 19h. Na missa da manhã a que assistimos, celebrada na igreja do santuário, lê-se um excerto do livro bíblico do Êxodo: o povo de Israel, numa vida de emigrante, começa a sofrer mais do que pensava, depois de conquistada a liberdade; Deus compadece-se do seu sofrimento. O padre Basileu Pires, que preside, comenta que «Deus não quer que vivamos na tristeza, na amargura ou na opressão».


A estátua do fundador dos Padres Marianos, o polaco Estanislau Papczynski (1631-1701), à entrada do santuário, recorda a mesma mensagem: ladeado por dois pobres de rosto feliz, ela pretende dizer que o evangelho deve ser anunciado aos pobres - e que estes, quando o acolhem, descobrem uma nova alegria.


O santuário compõe-se de oito pequenas capelas dispostas na parte final da subida para o convento. Já frei Casimiro também se referiu a ele, quando escrevia que a ele «de todas as partes acorre o povo». E acrescentava: «Esse lugar é adornado de preciosas capelinhas e por um Calvário da Paixão do Senhor, com belas e artísticas figuras esculpidas pela arte de escultores. Diversos religiosos nos invejam este lugar, ao passo que outros nos felicitam porque de forma admirável Deus o preservou para nós.»

As capelas, de inspiração tardo-barroca dos séculos XVIII e XIX, celebram a agonia e a flagelação de Jesus, a sua coroação com espinhos, a subida ao calvário, a queda, o despojamento das vestes, a sua morte. A última é uma Pietá, Maria com o filho nos braços. Mas a mais famosa é a capela que representa Jesus a subir com a cruz às costas: pejada de cajados, ali colocados como ex-votos em agradecimento por curas milagrosas, é conhecida como a Capela do Senhor dos Cajados.


É fácil descobrir um lugar assim? Escrevia frei Casimiro no seu diário: «É preciso procurá-lo no mapa no lugar onde se encontra a inscrição “Trás-os-Montes”, onde se encontram montanhas. Eis que entre essas montanhas encontra-se um monte especial, que é cercado por dois rios e separado dos demais montes. As montanhas o envolvem. (...) Esse lugar é tão maravilhoso que não tenho visto um mais belo em Portugal.»

No já citado Salmo 124, um poema que fala da confiança dos justos em Deus, reza-se: «Os que confiam no Senhor são como o monte Sião,/ que não vacila e permanece para sempre. / Senhor, sê bom para os que são bons/ e para os homens de coração reto.»


Em grego, dizer beleza e bondade é sinónimo. Em Balsamão, é fácil pensar apenas na beleza que pode salvar o mundo.


O espaço

Situado no cimo de uma colina, o convento de Balsamão é um convite a olhar o horizonte, rodeado que está de outros montes e de arvoredo. No sopé, há uma série de oito capelas com passos da Via Sacra e, circundando o pequeno convento, um jardim.


Na igreja, recentemente renovada, podemos apreciar talha dourada barroca, uma escultura da Imaculada Conceição (padroeira da congregação dos Padres Marianos da que aqui habitam), o triplico escultórico de S. Joaquim, Sant’Ana e a Imaculada, as pinturas do teto, onde predominam os motivos relacionados com a figura da Virgem Maria. É um dos melhores conjuntos artísticos do concelho de Macedo de Cavaleiros e da diocese de Bragança-Miranda, considera António Rodrigues Mourinho.


O espaço do convento é marcado pelos dois claustros - o da cisterna, que servia para recolher as águas da chuva, e o claustro novo, de dois pisos, onde domina um pequeno pomar de laranjeiras, tangerineiras e pereiras. À volta deste claustro, situam-se os quartos da comunidade e da hospedaria - chamada Casa de Retiro e Repouso.

Os 37 quartos têm aquecimento e casa de banho e, na zona de hospedaria, há ainda sala de estar e televisão, além de um pequeno bar. No refeitório, os hóspedes têm à sua disposição licor de cato, de cereja e outros sabores (amora, uva, ameia, romã, ananás, figo...), dependendo da época do ano. Tal como algumas compotas, são produzidos no convento e, quem não resistir, pode comprar e levar para casa.


Como chegar

O caminho mais fácil é tomar como referência a A4, do Porto para Macedo de Cavaleiros. Aqui, apanha-se a N216, na direção de Chacim. Ao atravessar a povoação, há indicação para o santuário e convento de Balsamão, que fica a 4 km.


O que fazer

No Convento, além de usufruir dos claustros e de poder participar nas orações diárias da comunidade, o hóspede pode também visitar o pequeno museu, que reúne 15 telas do século XVIII, ex-votos e algumas esculturas. Passear à volta do convento é obrigatório. A colina de Balsamão está rodeada de outros montes, um pouco mais altos e, mais longe, pela Serra de Bornes. O convento constitui-se por isso como um miradouro natural e o horizonte aparece diante de nós como um apelo irresistível à contemplação e à descoberta.


Uma das possibilidades é sugerida pelo último número da revista Itinerante: saindo do convento junto ao depósito de água desce-se ao rio Azibo (podendo ver as ruínas escondidas de um antigo castro) e chega-se ao Poço dos Paus, descrito pela revista como mais um "espaço muito agradável de sombra, água e vegetação": é aqui que a ribeira de Chacim se encontra com o rio Azibo. Vai-se depois em direção às antigas termas (ou banhos) da Abelheira, localizadas perto do convento e também propriedade dos Padres Marianos. Pela sua água sulfúrea, as termas estão indicadas para reumatismo, nevralgias e dermatoses.


Daqui pode subir-se à aldeia do Lombo e, depois, voltar a descer ao Azibo, após o que se atravessa a ponte românica da Paradinha, regressando ao convento junto das capelas. Este percurso implica pelo menos três horas, tem um grau de dificuldade 7 em 10 e é aconselhável o uso de botas, mas a paisagem é fascinante. No convento estão disponíveis exemplares da revista, com o percurso mais detalhado.

A dois quilómetros de Macedo de Cavaleiros, a albufeira que dá nome à Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo oferece mais um cenário deslumbrante, incluindo nas praias fluviais de Fraga da Pegada e Ribeira.


António Marujo
In Público (Fugas)

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