Haverá cinco umbigos do mundo. Um deles é o Monte Morais. O convento de Balsamão, dos Padres Marianos da Imaculada Conceição, está diante dele, ao colo. Uma divina enfermeira, protetora de noivos, será a culpada.
Cortemos, então, a respiração, subindo à esplanada e ao miradouro: a Serra de Bornes em redor, os olivais de Chacim ao fundo, as termas da Abilheira em baixo. Se for ao final da tarde, podemos ter a sorte de contemplar um pôr do sol glorioso, de vermelhos e laranjas intensos.
Há alternativas, claro: no miradouro da água, o assombro é pelo menos igual ao anterior. E nos claustros apetece ficar apenas a olhar as árvores de fruto ou a cisterna apaziguadora dos sentidos.
O lugar, perto de Macedo de Cavaleiros, é assim há muito. No seu diário, o principal inspirador do convento, o padre polaco Casimiro Wyszynski (1700-1755) descrevia: «Temos aqui, cercados pelos rios, campos, pomares, vinhedos, prados, oliveiras e frutas de várias espécies. E nesse monte há florestas, árvores, belos carvalhos.»
Não faltam mesmo referências bíblicas evocadas pelo fundador e pelos seus continuadores. No Salmo 124, rezado por vezes pelos padres marianos que aqui habitam, lê-se: «Como Jerusalém rodeada de montanhas,/ assim o Senhor protege o seu povo/ agora e para sempre.»
Só podemos ter sentimentos de proteção e serenidade quando estamos em Balsamão. O sítio deve o seu nome a uma lenda: durante a ocupação do território pelos muçulmanos, as noivas eram forçadas a passar a noite de núpcias com o emir. Um dia, os cristãos locais revoltaram-se, raptaram uma noiva e deram combate às tropas do emir. A causa estava quase perdida, quando uma misteriosa senhora apareceu a sarar os cristãos feridos, depondo-lhes um pouco de bálsamo. Recobradas as forças, foi morto o emir e postas em fuga as suas tropas. O povo cristão viu na dama a Virgem Maria e, ganha a batalha, passou a festejar-se Nossa Senhora de Bálsamo na Mão, invocada como protetora do lar, padroeira de noivos e divina enfermeira.
O episódio deixou marcas no território: Alfândega passou a chamar-se Alfândega da Fé, a vila de Castro passou a ser Castro Vencente (hoje Vicente) e, por causa da eventual chacina, a aldeia vizinha ficou Chacim. No início do século XVII já ali havia uma confraria que tomava conta do santuário entretanto criado.
A 6 de setembro de 1754, frei Casimiro chega a Balsamão com um companheiro, frei João de Deus. Mas já ali vivia um grupo de eremitas, que recebem os dois frades de braços abertos, dispondo-se a integrar a ordem dos padres marianos. No curto ano em que ali vive, frei Casimiro torna-se mestre espiritual da comunidade. Quando morre, o povo já o designava como "santo polaco", pela preocupação que manifestava de que os seus confrades exercitassem a caridade para com os mais necessitados. O quarto de frei Casimiro é hoje uma memória recuperada, como um pequeno santuário: o catre onde morreu, o baú que lhe serviu de mala de viagem desde a Polónia, poucos objetos pessoais, alguns ex-votos...
Em 1834, com a expulsão das ordens religiosas, o convento entra em ruína sendo de novo readquirido pela ordem em 1954. A igreja do santuário, colada ao convento, é mantida e protegida pela população e pela paróquia local.
A arquitetura exterior do convento é algo incaracterística mas, na sua sobriedade, não agride. O mesmo se passa com a igreja do santuário, colada ao convento, datada do século XVIII e recuperada em 2010, onde se pode apreciar um teto afrescado e um interessante retábulo setecentista da Divina Providência (apenas destoa o quadro contemporâneo com a legenda «Jesus confio em vós»).
Já na pequena capela do convento, algum ecletismo que se traduz num somatório de formas não obsta a que, também aqui, se possa repousar o olhar: através da grande janela vertical por trás do altar, pode ter-se uma fantástica vista sobre o vale, apenas interrompida pelo sacrário.
Um local invejado
A pequena comunidade de três padres e um frade que aqui subsiste marca o seu ritmo pelo toque do sino, que convoca para rezar, três vezes ao dia: a oração da manhã, ou laudes, e eucaristia às 7h; a do meio-dia; e a oração de vésperas, às 19h. Na missa da manhã a que assistimos, celebrada na igreja do santuário, lê-se um excerto do livro bíblico do Êxodo: o povo de Israel, numa vida de emigrante, começa a sofrer mais do que pensava, depois de conquistada a liberdade; Deus compadece-se do seu sofrimento. O padre Basileu Pires, que preside, comenta que «Deus não quer que vivamos na tristeza, na amargura ou na opressão».
A estátua do fundador dos Padres Marianos, o polaco Estanislau Papczynski (1631-1701), à entrada do santuário, recorda a mesma mensagem: ladeado por dois pobres de rosto feliz, ela pretende dizer que o evangelho deve ser anunciado aos pobres - e que estes, quando o acolhem, descobrem uma nova alegria.
O santuário compõe-se de oito pequenas capelas dispostas na parte final da subida para o convento. Já frei Casimiro também se referiu a ele, quando escrevia que a ele «de todas as partes acorre o povo». E acrescentava: «Esse lugar é adornado de preciosas capelinhas e por um Calvário da Paixão do Senhor, com belas e artísticas figuras esculpidas pela arte de escultores. Diversos religiosos nos invejam este lugar, ao passo que outros nos felicitam porque de forma admirável Deus o preservou para nós.»
As capelas, de inspiração tardo-barroca dos séculos XVIII e XIX, celebram a agonia e a flagelação de Jesus, a sua coroação com espinhos, a subida ao calvário, a queda, o despojamento das vestes, a sua morte. A última é uma Pietá, Maria com o filho nos braços. Mas a mais famosa é a capela que representa Jesus a subir com a cruz às costas: pejada de cajados, ali colocados como ex-votos em agradecimento por curas milagrosas, é conhecida como a Capela do Senhor dos Cajados.
É fácil descobrir um lugar assim? Escrevia frei Casimiro no seu diário: «É preciso procurá-lo no mapa no lugar onde se encontra a inscrição “Trás-os-Montes”, onde se encontram montanhas. Eis que entre essas montanhas encontra-se um monte especial, que é cercado por dois rios e separado dos demais montes. As montanhas o envolvem. (...) Esse lugar é tão maravilhoso que não tenho visto um mais belo em Portugal.»
No já citado Salmo 124, um poema que fala da confiança dos justos em Deus, reza-se: «Os que confiam no Senhor são como o monte Sião,/ que não vacila e permanece para sempre. / Senhor, sê bom para os que são bons/ e para os homens de coração reto.»
Em grego, dizer beleza e bondade é sinónimo. Em Balsamão, é fácil pensar apenas na beleza que pode salvar o mundo.
O espaço
Situado no cimo de uma colina, o convento de Balsamão é um convite a olhar o horizonte, rodeado que está de outros montes e de arvoredo. No sopé, há uma série de oito capelas com passos da Via Sacra e, circundando o pequeno convento, um jardim.
Na igreja, recentemente renovada, podemos apreciar talha dourada barroca, uma escultura da Imaculada Conceição (padroeira da congregação dos Padres Marianos da que aqui habitam), o triplico escultórico de S. Joaquim, Sant’Ana e a Imaculada, as pinturas do teto, onde predominam os motivos relacionados com a figura da Virgem Maria. É um dos melhores conjuntos artísticos do concelho de Macedo de Cavaleiros e da diocese de Bragança-Miranda, considera António Rodrigues Mourinho.
O espaço do convento é marcado pelos dois claustros - o da cisterna, que servia para recolher as águas da chuva, e o claustro novo, de dois pisos, onde domina um pequeno pomar de laranjeiras, tangerineiras e pereiras. À volta deste claustro, situam-se os quartos da comunidade e da hospedaria - chamada Casa de Retiro e Repouso.
Os 37 quartos têm aquecimento e casa de banho e, na zona de hospedaria, há ainda sala de estar e televisão, além de um pequeno bar. No refeitório, os hóspedes têm à sua disposição licor de cato, de cereja e outros sabores (amora, uva, ameia, romã, ananás, figo...), dependendo da época do ano. Tal como algumas compotas, são produzidos no convento e, quem não resistir, pode comprar e levar para casa.
Como chegar
O caminho mais fácil é tomar como referência a A4, do Porto para Macedo de Cavaleiros. Aqui, apanha-se a N216, na direção de Chacim. Ao atravessar a povoação, há indicação para o santuário e convento de Balsamão, que fica a 4 km.
O que fazer
No Convento, além de usufruir dos claustros e de poder participar nas orações diárias da comunidade, o hóspede pode também visitar o pequeno museu, que reúne 15 telas do século XVIII, ex-votos e algumas esculturas. Passear à volta do convento é obrigatório. A colina de Balsamão está rodeada de outros montes, um pouco mais altos e, mais longe, pela Serra de Bornes. O convento constitui-se por isso como um miradouro natural e o horizonte aparece diante de nós como um apelo irresistível à contemplação e à descoberta.
Uma das possibilidades é sugerida pelo último número da revista Itinerante: saindo do convento junto ao depósito de água desce-se ao rio Azibo (podendo ver as ruínas escondidas de um antigo castro) e chega-se ao Poço dos Paus, descrito pela revista como mais um "espaço muito agradável de sombra, água e vegetação": é aqui que a ribeira de Chacim se encontra com o rio Azibo. Vai-se depois em direção às antigas termas (ou banhos) da Abelheira, localizadas perto do convento e também propriedade dos Padres Marianos. Pela sua água sulfúrea, as termas estão indicadas para reumatismo, nevralgias e dermatoses.
Daqui pode subir-se à aldeia do Lombo e, depois, voltar a descer ao Azibo, após o que se atravessa a ponte românica da Paradinha, regressando ao convento junto das capelas. Este percurso implica pelo menos três horas, tem um grau de dificuldade 7 em 10 e é aconselhável o uso de botas, mas a paisagem é fascinante. No convento estão disponíveis exemplares da revista, com o percurso mais detalhado.
A dois quilómetros de Macedo de Cavaleiros, a albufeira que dá nome à Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo oferece mais um cenário deslumbrante, incluindo nas praias fluviais de Fraga da Pegada e Ribeira.
António Marujo
In Público (Fugas)
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