Antes de falarmos de Francisca Henriques e sua filha Ana Pimentel, como prometemos no texto anterior, voltemos a Vinhais, à onda de prisões ali efetuadas na sequência da “visitação” do inquisidor Jerónimo de Sousa, em 1582. Entre os prisioneiros contou-se o casal constituído por Pedro Manuel, mercador, e Beatriz Nunes. De seguida foi presa Catarina Nunes, irmã de Beatriz, ambas filhas de Francisco Rodrigues e Violante Nunes. Catarina era casada com Manuel Pimentel, e estes foram os pais das citadas Francisca Henriques, Josefa Pimentel, Maria Nunes e outros irmãos de que não falamos. De referir que a profissão de Francisco Rodrigues era a de ourives da prata, profissão que seguiram muitos dos seus descendentes, nomeadamente o filho, António Nunes. Francisca Henriques foi casada com Álvaro Vaz de Castro, castelhano, natural da vila de Nos, termo de Zamora, mercador, o qual era já falecido por 1646.
O casal viveu em Bragança e Ana Pimentel é a única filha do casal de que temos notícia. Ao início da década de 1660, quando a cidade de Bragança conheceu nova onda de prisões do santo ofício, Ana Pimentel andava nos 30 anos e estava casada com Manuel Mendes Henriques, mercador. Possivelmente receando ser preso, Manuel Mendes havia-se internado por Castela e em Bragança ficou a mulher e o filho, Álvaro Vaz Castro, de 17 anos, ourives da prata. E também um sobrinho e uma sobrinha, que ficaram a seu cargo.
Em 7 de Janeiro de 1661, quando os brigantinos promoveram o abaixo-assinado de que falamos em texto anterior, dizendo que tinham culpas referentes ao santo ofício que desejavam confessar e pediam para ser ouvidos em Bragança, Ana Pimentel foi um dos signatários. Por isso, chegado a Bragança o inquisidor Manuel Pimentel de Sousa, acompanhado do escrivão Pedro Saraiva de Vasconcelos, ela foi recebida em audiência, no dia 31.3.1661, autuando-se as suas declarações que começaram deste modo: - Disse que haverá 16 anos, em Bragança, em casa de seus pais, Álvaro Vaz, mercador e Francisca Henriques, naturais e moradores em Bragança, agora defuntos; e estando só com a sua mãe, então já viúva, disse a mesma sua mãe a ela confitente se queria salvar sua alma, cresse na lei de Moisés, que era só a boa (…) e outrossim, depois que faleceu a dita sua mãe, fez pela alma da mesma o jejum judaico que lhe havia encomendado (…) fazendo tudo em observância da lei de Moisés; e a crença lhe durou até haverá 4 meses em que, alumiada pelo Espírito Santo, resolveu apresentar-se e o fez por petição…
Aparentemente, tudo ficou resolvido e Ana ficou em Bragança tocando a vida para a frente, ela o filho, Álvaro Vaz Castro, de 18 anos, ourives da prata, já que o marido terá falecido pouco depois Porém, ao início de Junho de 1670, Ana Pimentel recebeu ordem para se apresentar no tribunal de Coimbra, sendo reconciliada em auto particular, no dia 1 de Julho seguinte. Vejam como ela descreveu mais tarde a cerimónia: - Em uma das casas da dita inquisição onde foi posta ela declarante de joelhos, um dos inquisidores lhe lançou água benta com um hissope sobre a cabeça e ela declarante, segundo sua lembrança, lhe parece que tomou o juramento dos santos Evangelhos (…) e a mandaram para a sua terra. De novo em Bragança, assistiu ao casamento do filho, com Josefa Pimentel, neta de outra Josefa, tia materna de Ana, de quem já se falou. Filho e nora ficaram morando com ela. Na casa em frente, do outro lado da rua, morava o padre José Fernandes de Meireles que sentia ser seu dever espiar os vizinhos.
Em 8.2.1686, apresentou-se em casa do comissário da inquisição Martim Carneiro de Morais, abade de Gondezende, a denunciar, nos seguintes termos: - Disse que uns seus vizinhos de fronte, que é Ana Pimentel e sua filha (sic), mulher de Álvaro Vaz, prateiro, nos sábados iam de manhã para a vila, para casa de seus parentes; que 4 ou 5 sábados fez reparo nisso, haverá mais de um ano, por irem naquele dia sempre, sem trabalharem neles; e que ele testemunha tanto fez reparo nisso que o disse algumas vezes a suas irmãs; em cada sábado que iam para a vila e que iam estas e a mulher de Alexandre Pimentel e algumas vezes a de Alexandre da Costa, cujos nomes são sabe e que estão lá até à noite e nos outros dias as não via ir. Claro que o comissário mandou a denúncia para a inquisição, a qual foi registada no caderno 8º do promotor, a fl. 97. Aliás, esta era já a segunda denúncia.
É que, um outro comissário do santo ofício, Belchior de Sá Cabral, de Alfândega da Fé, enviado a Bragança a fazer um sumário de averiguações, registara, em 14.6.1683, uma denúncia do tecedor João Gomes dizendo: - Sabe que Ana Pimentel e a sua nora, Josefa Pimentel, que mora com ela em sua casa, todos os sábados se compõem e andam em visitas. Não trabalhar ao sábado e andar composta e em visitas aos parentes indiciava que Ana continuava na prática da lei mosaica. A prova não seria conclusiva e os inquisidores eram pacientes, aguardando melhor prova. Repare-se, contudo, no paradoxo: enquanto o padre José Fernandes Meireles servia o santo ofício espiando os comportamentos da vizinha, Ana Pimentel, depois de ser presa, apresentá-lo-ia como testemunha primeira de defesa, em prova de seu bom comportamento cristão! Entretanto a vida em casa de Ana continuava animada, com o filho singrando na carreira profissional, alcançando o grau de mestre ourives. E um dos que ele acolheu em casa como aprendiz de ourives foi Ambrósio de Saldanha Sória, natural de Chacim, que depois se foi para Castela, fixando morada em Ciudad Real.
A família também crescia, com o nascimento de 3 netos, filhos de Álvaro Vaz e Josefa Pimentel: Francisca Xaviela, Luísa Maria e Feliciano Albuquerque. Ao findar da década de 1680, em circunstâncias que não pudemos apurar, terá falecido Álvaro Vaz e a vida complicou-se para as duas mulheres que rumaram a Lisboa onde tinham parentes, nomeadamente alguns irmãos de Josefa, os quais as ajudariam e, inclusivamente, haveria já contratos concertados para casar os netos. Aliás, é a própria Ana Pimentel que nos informa, confessando para os inquisidores, em 10 de Setembro de 1696: - Viveu em Bragança e há 3 anos que veio para Lisboa acompanhar uma neta sua que veio para se casar; e daqui passou à vila de Aldeia Galega aonde atualmente assistia quando foi presa; e ali vendia tabaco por ordem de Alexandre Pimentel, contratador do estanco.
No próximo texto falaremos da prisão de Ana Pimentel.
Sem comentários:
Enviar um comentário