Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Amanhecia. A aldeia continuava silenciosamente estranha. A tia Jacinta embrulhou-se pesadamente no xaile de lã e arrastou os anos, com medo de morrer:
― Raios partam este bicho, que nos há de matar a todos!
Cuspiu para o chão e, vagarosamente, olhou na direção do céu, lá para os lados da Senhora da Serra, como quem pede perdão. As lágrimas caíam-lhe dos olhos cinzentos. Apertou mais o xaile e arrastou a vida para dentro de casa.
O tio Alfredo nem reparou na vizinha, no deslumbramento da sua cerejeira tão florida, e sozinho, sentado à porta da sua casa, ia cismando nas coisas da vida. Ficara viúvo. Filhos ausentes em Espanha e na Alemanha. Tinha a esperança de que regressassem para o seu funeral. Agora é melhor que não venham, que fiquem por lá. Se calhar, também já estão doentes. Levantou-se a custo, olhou dolorosamente para a cerejeira e, em tom profético, murmurou, quase resignado:
― Este ano já não como as cerejas!
Um carro passou na estrada, riscando o silêncio. O altifalante magoava:
― Fiquem em casa!… Fiquem em casa!
― Raios partam este bicho, que nos há de matar a todos!
Cuspiu para o chão e, vagarosamente, olhou na direção do céu, lá para os lados da Senhora da Serra, como quem pede perdão. As lágrimas caíam-lhe dos olhos cinzentos. Apertou mais o xaile e arrastou a vida para dentro de casa.
O tio Alfredo nem reparou na vizinha, no deslumbramento da sua cerejeira tão florida, e sozinho, sentado à porta da sua casa, ia cismando nas coisas da vida. Ficara viúvo. Filhos ausentes em Espanha e na Alemanha. Tinha a esperança de que regressassem para o seu funeral. Agora é melhor que não venham, que fiquem por lá. Se calhar, também já estão doentes. Levantou-se a custo, olhou dolorosamente para a cerejeira e, em tom profético, murmurou, quase resignado:
― Este ano já não como as cerejas!
Um carro passou na estrada, riscando o silêncio. O altifalante magoava:
― Fiquem em casa!… Fiquem em casa!
In: Quarenta noites
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
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