O alerta foi deixado por Orlando Rodrigues, presidente do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), na sexta-feira, durante a visita da eurodeputada Isabel Carvalhais àquela instituição de ensino superior.
Em causa está o facto de o produto desenvolvido no IPB (dictis) que trata este fungo não poder ser comercializado devido à atual regulamentação nacional e europeia. Para já, está sob uma licença provisória, de cinco anos, que termina em 2025.
“Este tratamento para o cancro do castanheiro é um produto biológico, completamente isento de impactos ambientais. No entanto, não existe, ao nível europeu, uma regulamentação que permita a homologação deste tipo de produtos, que são tratados como pesticidas, químicos. Mas trata-se de um produto biológico, natural, de eficácia enorme na cura da doença. Acresce que a cura é permanente, não como um produto químico que carece de aplicações anuais”, explicou Orlando Rodrigues.
“Ao nível europeu não temos regulamentação para este tipo de soluções, daí que estejamos com uma autorização experimental, que já tivemos por cinco anos e foi renovada até 2025”, frisou.
O mesmo responsável espera que a licença “se possa renovar, tendo em conta o impacto e a eficácia que este produto tem”. “Ninguém desperdiçará uma solução destas quando ela não tem consequências ambientais e tem uma eficácia absoluta. Tentámos alertar a deputada para, ao nível europeu, se encontrar uma solução para estes produtos biológicos, curativos das doenças que nos surgem sem impactos ambientais.
Alertei também para o problema de que, no âmbito do PDR (Programa de Desenvolvimento Rural, de fundos comunitários), a solução encontrada para este produto estar muito atrasada e com dificuldades de execução exatamente porque ficou presa em burocracias de contratação pública e não tem sido possível fazer chegar o produto aos produtores de castanhas, que continuam a ter de ser eles a pagar o custo integral de produção e aplicação, quando poderíamos recorrer aos instrumentos que temos e não se tem conseguido por embaraços burocráticos”, sublinhou ainda Orlando Rodrigues.
Da parte da eurodeputada fica a consciência da importância da resolução deste problema mas Isabel Carvalhais não acredita que essa surja a breve prazo.
“O que antecipo é que esta necessidade de, por um lado, cumprirmos com o que são os objetivos da estratégia da biodiversidade, do prado ao prato, obriga a que haja um acelerar do reconhecimento e do facilitar de alternativas sustentáveis no tratamento de muitas doenças fitossanitárias. Julgo que essa aceleração vai acontecer do ponto de vista político, no futuro, porque não conseguimos responder à equação de uma disponibilidade alimentar que não comprometa a segurança alimentar dos europeus e, ao mesmo tempo, não prejudique a sustentabilidade ambiental e, pelo contrário, nos ajude a reduzir a perda de biodiversidade.
As vias políticas que permitam uma implementação mais rápida das alternativas têm de ser encontradas. É uma das discussões do momento no Parlamento Europeu”, frisou.
“São discussões muito difíceis, pois há princípios de segurança de que não podemos abdicar, mas a exigência do discurso político não nos pode fazer retirar desse mesmo discurso.
A minha expectativa é que haja uma evolução muito rápida no que diz respeito ao mercado dos biopesticidas, até como forma que conseguimos garantir uma das metas principais que é a redução do uso de pesticidas”, disse.
Contudo, dificilmente a solução chegará antes das próximas eleições europeias.
“É complicado fazer essa previsão. São processos que levam muito tempo e não dependem apenas de ciclos ou vontades políticas. Têm de estar relacionados com o mundo científico.
A nossa função é, havendo esse momento, não o perdermos”, garantiu.
Também a Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional, Isabel Ferreira, que acompanhou a visita, garantiu que o Governo tem estado a acompanhar o problema.
“O Governo foi um parceiro neste processo. Encontrou aqui a solução possível perante a regulamentação não só nacional mas europeia. Encontrou o enquadramento no âmbito da sua experimentação. Neste momento, este produto pode ser experimentado por todos os agricultores que o necessitem, tendo alocado uma linha específica do PDR com financiamento também para esta experimentação (três milhões de euros).
Depois, há todo um enquadramento europeu em termos de legislação que tem de ser seguido e que temos todos de encontrar um caminho.
Temos como pano de fundo no próximo quadro comunitário todas as questões ligadas a uma Europa mais verde. Todos os investimentos têm de ter este compromisso da descarbonização, da economia circular, da biodiversidade, da eficiência energética, e isso vai introduzir em todo o país dinâmicas cada vez mais sustentáveis.
Este pano de fundo da sustentabilidade ambiental não deve atuar como obstáculo ao desenvolvimento económico da atividade. É o contrário”, disse.
No entanto, alertou que “o que o quadro legal configura é que, durante este período [cinco anos da licença provisória], os promotores do projeto têm de certificar o produto”.
Um dos problemas, segundo explicou Orlando Rodrigues, passa pelo pouco interesse da indústia dos pesticidas neste produto, uma vez que “como cura a doença, depois de aplicado, não necessita de voltar a ser aplicado”, o que retira interesse comercial.
“Sem estes produtos, poderíamos já não ter castanheiros”
Esta doença afeta entre 10 a 12 por cento dos castanheiros da região, segundo adiantou ao Mensageiro Eugénia Gouveia, a investigadora que liderou a equipa que desenvolveu este produto, lançado em 2015, de uma área que chega aos 70 mil hectares só no distrito de Bragança.
“Há soutos com 30%, outros completamente afetados. Está praticamente presente em todo o lado. É transmitido pelo material do corte e a não proteção dos cortes nas árvores”, explicou.
Por isso, considera “fundamental ter muito cuidado com os cortes”, pois “todos os cuidados são poucos”.
“A enxertia é um período crítico. O agricultor deve verificar se a semente está isenta da doença. Mas um dos problemas é que não se consegue comprar material para enxertar. Faltam técnicas para garantir a sanidade desse material”, sublinhou.
Por outro lado, “não se conhecem plantas resistentes ao cancro”. “O castanheiro americano é mais sensível. Era uma árvore maior que o europeu” e desapareceu.
“Foi o desenvolvimento da hipovirulência poderíamos já não ter castanheiros neste momento”, garantiu Eugénia Gouveia.
Entre 2015 e 2021 já foram tratados pelo menos 59452 castanheiros infetados, de um total de 2082 produtores que utilizaram o produto em 4028 parcelas.
O ano de 2021 foi aquele em que mais se atacou a doença, com 10513 árvores tratadas.
Atualmente, os produtores podem solicitar (e pagar) o produto aos serviços do IPB, que é disponibilizado mediante a assinatura de um protocolo em que se comprometem a seguir algumas exigências, como indicar o número de árvores tratadas, a sua localização, as parcelas e comunicar os resultados do tratamento.
Doença chegou à Europa em 1938 e a Portugal em 1989
O cancro do castanheiro é provocado por um fungo que compromete o transporte de seiva pela árvore, que acaba por secar.
Chegou aos EUA, proveniente da Ásia, no início do século XX, e à Europa em 1938, a Itália.
“Em 1989 chegou a Portugal, a Carrazedo de Montenegro, Vinhais e Bragança. Não foram logo eliminadas e nos anos a seguir teve expansão fulminante”, contou a investigadora.
“Garantidamente tem a ver com alterações ecológicas, que permite que estas plantas que estão em stress sejam mais afetadas. Também não houve intervenção musculada para evitar a expansão da doença”, frisou.
Uma das formas de prevenir a tão rápida expansão é “podando os castanheiro no verão”, o que “tira os tecidos a mais e a cicatrização é mais rápida”.
“Mas mesmo nessa altura é proteger todos os cortes, na hora. O álcool gel é bom no processo para desinfetar o material de corte. O cancro entra sempre por uma ferida”, explicou.
2015 102 207 6644
2016 170 306 5825
2017 342 822 10081
2018 293 465 9503
2019 363 709 8199
2020 328 574 8687
2021 484 945 10513
Total 2082 4028 59452
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