Portugal tem hoje, em quilómetros, uma extensão de ferrovia idêntica ao que tinha em 1893
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Apanhamos o comboio desta reportagem ainda sem o peso na mochila do anúncio de Pedro Nuno Santos. O ministro das infraestruturas anunciou a 15 de julho o concurso para a compra de 117 automotoras elétricas, no valor de 819 milhões de euros. A reportagem "Próxima Estação - a viagem pela ferrovia nacional" foi desenvolvida, no terreno, entre os dias 15 e 24 de junho. O motivo que nos levou a pegar na mochila, no gravador, nos bilhetes, e percorrer várias linhas de comboio nacionais (Beira Alta, Beira Baixa, Leste, Alentejo, Sul, Algarve, Oeste) foi a fase de remodelação da ferrovia nacional em que Portugal está, ou parece estar, encarrilado, e ainda o facto de 2021 ser o ano europeu da ferrovia.
Portugal tem hoje, em quilómetros, uma extensão idêntica ao que tinha em 1893. Depois de termos suprimido cerca de 800 quilómetros de ferrovia, sucedem-se, agora, os anúncios de remodelações de linhas, compra de material circulante e as notícias, por um lado, alegram os ferroviários e os defensores desta forma de mobilidade, por outro geram desconfianças. A título de exemplo: Pedro Nuno Santos, ministro das infraestruturas anunciou a 15 de julho o concurso para a compra de 117 automotoras elétricas, no valor de 819 milhões de euros de investimento e que servirá para substituir algum material que tem mais de 70 anos. Contudo, já em 2009 se tinha anunciado a maior compra de sempre para a CP, que nunca aconteceu. E, em 2018, o mesmo ministro anunciava a compra de 22 automotoras aos suíços da Stadler, por 167,8 milhões de euros. Concurso impugnado por outra empresa concorrente e que faz com estas novas composições já não cheguem à tabela: 2023 era o previsto para a chegadas destas 12 automotoras híbridas (capazes de funcionar a diesel e a eletricidade) e 10 elétricas.
Além da renovação do material circulante, há a questão das linhas. Há décadas que Portugal não investia na construção de ferrovia para o serviço de passageiros. Muito pelo contrário, só na década de noventa, por exemplo, o país perdeu cerca de 800 quilómetros de ferrovia no governo de Cavaco Silva. E, depois, de 2009 a 2013, nos governos de José Sócrates e Passos Coelho, observa-se na base de dados Pordata que o país aniquilou mais 300 quilómetros de linhas de comboio.
Nesta reportagem da TSF, conversamos com o jovem peruano Joaquim, a bordo do regional da linha da Beira Baixa, que apanhamos na Guarda, com destino à Covilhã. Joaquim quer conhecer Portugal de comboio. Não lhe dizemos, mas sabemos que não é possível. Há três capitais de distrito, que há décadas que deixaram de ouvir apitar as locomotivas ou as automotoras: Viseu, que agora até é considerada a maior cidade da Europa sem ferrovia, tinha duas linhas: a do Dão (ou ramal de Viseu) encerrada em 1989 e a do Vouga fechada em janeiro de 1990.
A linha do Tua deixou de chegar à capital do Nordeste Transmontano, Bragança, em 1992. Mais tarde, em 2010, também em Trás-os-Montes, Vila Real fica a ver passar comboios e ao lado da ferrovia com o encerramento definitivo da linha do Corgo.
Beira Alta e Beira Baixa unidas de novo, 77 milhões de euros depois
Entramos em Luso-Buçaco nesta viagem de dez dias pela ferrovia nacional. Estamos na linha da Beira Alta. O nosso primeiro destino é a Covilhã, depois de percorrermos a recém-aberta linha da Beira Baixa, entre a Guarda e a cidade do distrito de Castelo Branco que fica numa das encostas da Serra da Estrela.
Na estação da Guarda, conhecemos Gabriel Fonseca, professor que nasceu e cresceu ao lado da linha do comboio, brincou e chegou a trabalhar nos carris, no areeiro: o comboio de mercadorias que levava areia. "Uma das utilizações que dei ao comboio era ir à Benespera, perto da Cova da Beira, com os meus avós que iam lá tratar do olival, até os utensílios levavam e traziam no comboio". Além disso, utilizou o comboio como estudante na Universidade da Beira Interior e via muitos passageiros "com os saquinhos da hortaliça para levar aos filhos".
Enquanto conversamos, estamos sentados na estação da Guarda. Na conversa lembramos o investimento que está a ser feito pela IP, a infraestruturas de Portugal na remodelação da linha da Beira Alta. Entre Pampilhosa e Mangualde, ao abrigo do Ferrovia 2020, são cerca de 60 milhões de euros para renovar túneis e pontes, que são muitos, e todo o atual traçado.
A linha original, de 1883, começava na Figueira da Foz, mas o troço entre o oceano atlântico e a Pampilhosa foi um dos que encerrou em 2009. As velhinhas Allan ainda passavam algumas vezes ao dia e levavam algumas dezenas de passageiros, pelo menos até à estação de Cantanhede.
É na Guarda que a linha da Beira Alta se encontra com a linha da Beira Baixa, que esteve fechada durante 12 anos. O desinvestimento neste troço entre a Guarda e a Covilhã foi de tal ordem que deixou de existir segurança à passagem de comboios.
Depois de cerca de 77 milhões de euros de investimento, a Beira Alta e a Beira Baixa voltam a estar unidas por comboio. Gabriel Fonseca fez parte do movimento que lutou pela reabertura deste traçado e, com ele, Nuno Laginhas e Júlio Seabra. É com "orgulho no nosso país" que vê esta reabertura. "Vê-se a linha a ser frequentada naquele troço, o que é bom", diz Júlio Seabra, que concorda com a realidade de os IC - Intercidades - da linha da Beira Alta com destino à Guarda terem sido prolongados até à Covilhã e vice-versa com os da linha da Beira Baixa.
Agora é preciso, de facto, que as pessoas adiram ao comboio e que aproveitem a reabertura. Júlio Seabra, a viver em Vila Real de Santo António, no Algarve, já foi à Beira Baixa só para fazer a viagem de comboio com os filhos. "Foi um sentimento de bastante alegria. Eles ouviam as histórias que contava quando passávamos na autoestrada e víamos a ferrovia desativada. Foi bom ver-lhes o sorriso na cara quando chegámos à estação da Guarda", partilha.
Na reportagem áudio, ouvimos ainda a história de "Manuel das Cabras", entre a casa de campo e a casa da cidade, e a de Mariana, surpreendida pela beleza do Tejo junto à barragem de Belver.
Dos encerramentos às reaberturas a conta gotas
Em Abrantes, numa estação quase deserta, esperamos pela pequena Allan, a automotora verde, que percorre a linha do Leste, para um lado e para o outro, apenas uma vez por dia.
A linha do Leste foi encerrada em 2012, no governo de Passos Coelho. É mais uma das apostas do atual governo e do impulso da ferrovia nacional. Em 2015 reabriu até Portalegre e em 2017, a automotora voltou a chegar a Elvas, com ligação à fronteira e a Badajoz. Ainda que reaberta, o serviço comercial sabe a pouco. Com apenas um comboio por dia não se cria mobilidade. Quem vai, seja para onde for naquele eixo atravessado pela linha tem de ficar para o dia seguinte ou regressar poucas horas depois na passagem seguinte. Por exemplo, é impossível que alguém que resida em Portalegre trabalhe Elvas ou que de Elvas faça vida em Badajoz.
Maria, que estuda Enfermagem Veterinária na Escola Superior Agrária de Elvas, tem um horário que até encaixa com o da automotora. Como estudante precisa de vir e de regressar a casa apenas uma vez por semana. "Para cá venho sempre de comboio. Há situações em que é difícil optar pelo comboio, mas para mim, até é um horário que dá para conciliar". A estudante não esconde que ter comboio é uma sorte e que "no início fazia a viagem de autocarro, que era mais cansativo e demorava muito mais tempo". Por isso, uma aposta em mais comboios faz-lhe "todo o sentido".
Em cima, escrevemos sobre as capitais de distrito que não têm comboio. Portalegre voltou a ter em 2015, mas é como se não tivesse. Há um para cada lado, o que é muito pouco, e a estação fica fora da cidade e não há ligação com a gare. Afinal, quem usa esta automotora de passagem única? Na reportagem áudio descobrimos a história de Pedro Gil, que percorre o país junto à fronteira, de bicicleta.
Aqui, estamos perto das obras do corredor internacional Sul entre Évora e a fronteira, que vai passar por Elvas. Nesta cidade do interior Alentejano, sonha-se com uma ligação por comboio a Évora. Há quem aqui trabalhe e vá e venha, todos os dias, de carro: cansativo e perigoso.
Este corredor internacional do Sul um investimento do Ferrovia 2020, com um valor base de 105 milhões de euros, para a construção, em via dupla, de 80 quilómetros de linha ferroviária. Há muito que Portugal não construía linhas de comboio.
CP "reparou" as oficinas e impulsionou reconversão de comboios
Fazemo-nos ao caminho, o destino, depois de Elvas, era o Entroncamento, onde estão a renascer automotoras elétricas e carruagens, algumas encostadas há cerca de uma década.
Com o desinvestimento contínuo na ferrovia, também as oficinas da EMEF, agora incorporadas na CP, tiveram uma quebra de produtividade acentuada. Algumas foram mesmo fechadas (Figueira da Foz e Guifões). Um cenário que começou a mudar há pouco tempo.
Entramos nas oficinas da CP no Entroncamento e recebe-nos Pedro Rita, o diretor executivo. "Hoje em dia vive de reposições ao serviço. Tínhamos oito composições que estiveram paradas durante 10 anos. Não comento a estratégia da paragem porque não a conheço, mas pode ter sido algum estudo menos conseguido que chegou à tutela e que tomou a decisão com base nisso", explica.
Todas estas composições já voltaram aos carris da área metropolitana de Lisboa: oito UQEs, a designação oficial destas automotoras: duas de dois pisos e seis de piso térreo.
A CP tem apostado na reparação e requalificação de material circulante que esteve encostado, como já demos conta na reportagem "Defender os comboios é defender o país".
Estas remodelações custam alguns milhões de euros, mas Pedro Rita garante que são mais rápidas e menos dispendiosas que comprar comboios novos. "Isto é um comboio que, entre lugares sentados e de pé, leva 1800 pessoas. Com uma reparação geral, estamos a falar de um milhão de euros e um comboio destes, novo, não custa menos de dez a doze milhões de euros", afirma. E, quando saem das oficinas do Entroncamento, têm um potencial de vida de, pelo menos, 20 anos.
Na reportagem áudio, pode ficar a conhecer a história de Manuel Zacarias, reformado das oficinas da EMEF no Entroncamento, e que lembra os melhores momentos com saudade. Reformou-se como soldador profissional e dava formação a outros que chegaram depois. Enquanto falamos para uma automotora UTE à nossa frente, agora cinzenta e amarela, compradas ainda no tempo "do outro" como diz Zacarias, durante o Estado Novo. Eram todas cinzentas, material americano, transformadas nas oficinas que conhecia como a palma da sua mão.
Uma "escala" nesta reportagem para ir a Beja, o destino das escalas
Vamos até Beja, no Alentejo, uma região que a par de Trás-os-Montes é também dos locais onde o país assistiu ao maior número de quilómetros de ferrovia encerrados.
Exemplos disso são o ramal de Cáceres, entre Torres das Vargens e Marvão-Beirã, com ligação a Espanha, que foi fechado em 2012. Outro exemplo, o ramal de Moura ou linha do Sueste, que ligava Beja a Moura e que fechou ainda em 1990. A própria linha do Alentejo, entre Beja e a Funcheira, que fechou ao serviço de passageiros em 2012, quebrando a ligação direta com o Algarve. Aliás, comprovámos por experiência própria que, para irmos de Beja para Faro, um trajeto de cerca de 150 quilómetros somos submetidos a duas escalas e cinco horas de viagem. Entramos em Beja, somos obrigados a sair em Casa Branca, para apanhar um comboio em direção a Lisboa, para sair de novo no Pinhal Novo e apanhar um IC para o Algarve. Quando olhamos para o mapa de Portugal, é impossível não arregalar os olhos.
É na Casa Branca, a meio de um transbordo obrigatório que me cruzo com Paulo Tito Silva. O enfermeiro vem de Vigo e partilha comigo que fez toda a viagem de comboio. Tem esperança na anunciada eletrificação da linha entre a estação em que entramos e a estação, agora terminal, de Beja.
Agora quem vem de Lisboa para Beja, sem ligação direta, tem de apanhar o IC para Évora e sair na Casa Branca para apanhar a ligação. Foi o que fizemos, aliás, nós e metade das pessoas que vinham neste comboio. Paulo Tito Silva até acha que são mais. "Eu diria dois terços e é uma realidade todos os dias. A CP tem consciência disso e por isso até criou comboios diretos entre Évora e Beja, o que já não acontecia há 11 anos e consegue aproximar as duas capitais de distrito à distância de uma hora, que até aqui era de duas. Até aqui, ficávamos na estação da Casa Branca à espera de outro comboio", conta.
A eletrificação da linha do Alentejo entre Casa Branca e Beja está prevista no PNI 2030. É esperado que, até 2025, esta via esteja eletrificada, mas também a ligação de Beja a Faro pela Funcheira, quem sabe regressando assim a ligação direta destas duas capitais de distrito. "Como se pode ver, os comboios são utilizados. As pessoas pagam impostos e têm direito a ter mobilidade eficaz. Este comboio passa aqui numa zona muito interior e passa em sítios em que não há autocarros", acrescenta.
Também a ligação ferroviária ao aeroporto de Beja é uma ambição, para torna útil aquela infraestrutura: "Beja pode ter um papel principal, com o aeroporto de Beja, ligando a Lisboa e ao Algarve e sendo um aeroporto low cost, como existe por essa Europa fora".
Algarve considera a eletrificação da linha um projeto pouco desafiador
Chegamos a Faro e também aqui, na linha do Algarve, a IP anunciou uma modernização que, para os Algarvios, só peca por tardia e ainda sabe a pouco. A eletrificação da linha do Algarve vai custar perto de 65 milhões de euros. O concurso público para o troço Faro-Vila Real de Santo António já foi lançado em outubro do ano passado e para o barlavento, entre Tunes e Lagos, o concurso abriu em dezembro. Até agora não há obra.
"A eletrificação não basta para resolver o problema da mobilidade da região do Algarve", avança Cristina Grilo é a porta-voz do Movimento Mais Ferrovia.
Neste sentido, o Movimento Mais ferrovia defende a criação de um sistema de tram-train, nas partes mais urbanas e movimentadas da linha do Algarve, uma espécie de metro de superfície e com mais paragens, mas adaptado a longas distâncias e um pouco à semelhança do Metro do Porto.
Cristina Grilo e o movimento ao qual dá voz defendem que comprando composições mais ligeiras, poupar-se-ia dinheiro para investir na via em pontos de cruzamento, dando assim hipótese de haver mais horários.
O movimento mais ferrovia defende ainda uma ligação ao aeroporto e, mais tarde, a alta velocidade para Espanha, numa nova linha a criar de raiz.
De Faro vamos a Vila Real de Santo António, uma estação agora terminal, mas que não o era, pois a linha do Algarve terminava em Vila Real de Santo António Guadiana. É lá que conversamos com o taxista Jorge Bartolomeu e com José Guerreiro, dono do quiosque em frente ao apeadeiro e apaixonado por comboios. Declarações que podemos ouvir na reportagem áudio.
O apeadeiro de Vila Real de Santo António - Guadiana funcionava como um espaço intermodal e deixou de sê-lo. Mantiveram-se os táxis, os autocarros e o barco, mas desapareceu o comboio. O edifício das bilheteiras e da sala de espera está abandonado, os carris foram arrancados, deixando que o sítio se transformasse, com o tempo, numa lixeira a céu aberto na margem do Guadiana. Um cartão de visita que os algarvios com quem falámos lamentam.
A linha do Algarve foi a linha regional que percorremos com o maior número de utilizadores e, ainda assim, é José Guerreiro quem identifica um problema local: "nunca houve correção de traçados e ela não passa em grandes aglomerados populacionais". Quarteira é apenas um exemplo.
Outra história que traz a nossa reportagem áudio é a de Dario Silva. O maquinista entra a bordo em Olhão, em off, o mesmo é dizer que sem estar ao serviço. É ele que nos fala no material circulante da linha do Algarve e da história já antiga que tem com estas automotoras, outrora levavam-no para a escola e chegaram a ser conduzidas pelo seu pai. É também Dario Silva quem nos dá conta da razão por que a linha do Algarve merece estar nos planos de intervenção e melhoramentos da ferrovia nacional. "Ao contrário do que se possa pensar à distância, a linha do Algarve tem muita procura. A verdade é que hoje é um domingo e o comboio está praticamente cheio. Temos comboios em que transbordamos e é difícil dar saída à procura que temos", descreve.
Chegamos a Faro, o maquinista Dario Silva vai em serviço para Vila Real de Santo António e nós, em reportagem, vamos no sentido oposto. Deixamos Dario Silva aos comandos da automotora diesel, da série 450 da CP.
Temos pela frente uma longa viagem até Lisboa. É aqui que iniciamos o percurso pela linha do Oeste, onde decorre uma modernização a várias velocidades.
Uma linha que começava na estação de Alcântara Terra, onde os comboios da linha do Oeste já não chegam. Por isso, é em Sete Rios que entramos numa das "camelas", assim chamadas pelos aficionados por comboios às automotoras amarelas alugadas a Espanha.
Quer andar de comboio com sinalização do século XIX? Faça a linha do Oeste...
Logo depois da estação de Meleças começamos a ver obras em curso para a modernização da linha do Oeste. Numa primeira fase, a linha vai ser requalificada até Torres Vedras: eletrificação e duplicação de alguns troços. Entre Torres Vedras e Caldas da Rainha, o concurso já foi lançado, mas não houve empresa que pegasse na obra.
Mais incógnito é o traçado entre Caldas e o Louriçal, em direção a Coimbra, mas já lá iremos.
Teresa Felício, passageira habitual da linha do Oeste, sabe porque é que a linha começou a ter menos passageiros: "havia muitos atrasos, mas depois vieram estas composições de Espanha e as coisas melhoraram. Mas isto parou, embora tenha um potencial turístico enorme".
Estas composições vieram da linha do Minho, depois da eletrificação. Aliás, dentro das "camelas" ainda vemos sinalizado o trajeto e as paragens da linha do Minho. Teresa diz que parou e é isso que sentimos, que a linha do Oeste parou no tempo.
Teresa Felício fala ainda do potencial turístico das estações da linha do Oeste, pois davam para fazer uma rota do azulejo.
Chegamos às Caldas da Rainha onde nos espera Rui Pinheiro, da Comissão para a Defesa da Linha do Oeste, que sublinha que tudo se faz como se fazia há 160 anos no início da ferrovia em Portugal. Vamos a explicações, com a ajuda deste trainspotter. "Esta é uma linha com 135 anos e continuamos a dar entrada e partida ao comboio como se fazia no início, até mesmo a mudança de agulhas. O manobrador vai a um ponta à agulha, dá entrada ao comboio, depois percorre uma centena de metros para ir à outra agulha, para dar partida ao comboio. E, quando está sozinho, por vezes, ainda tem de ir abastecer a automotora", explica. É todo um filme que nos faz recuar no tempo.
Um atraso que deve mudar com a eletrificação da linha do Oeste, mas Rui Pinheiro não esconde preocupações, pois "na primeira frase entre Meleças e Torres, as obras estão em curso, há desaterros e movimentação, mas a segunda parte, foi lançado concurso e o prazo foi prolongado três vezes. Não há quem pegue na obra". E Rui Pinheiro considera mesmo que "há questões por responder" e que as respostas não chegam de quem deviam chegar. "A IP não adianta nada, o ministro das infraestruturas também não transmite informações que sejam palpáveis. Estamos num ponto em que não sabemos se vai haver ou não obra", atira.
Mais incógnita é ainda a situação do terceiro troço, entre Caldas da Rainha e Louriçal, em que a linha do Oeste é quase em linha reta e sobre o qual, há vários anos, chegou a pairar o fantasma do encerramento. "Não há projeto nem estudo de impacto ambiental. A IP pode ter, mas o que se fala é que a eletrificação poderá ser no plano 2030, mas não está ainda uma data apontada", assegura.
Com todas as debilidades, poucos horários e alguns desajustados, sinalização do século XIX, poucos sítios para cruzamentos de composições, que a IP vai retirando gradualmente, a linha do Oeste continua a ser procurada.
Rui Pinheiro está convencido que, com a modernização, pode até ser competitiva. Só a eletrificação há de reduzir o tempo de viagem atual. E, se houvesse mais pontos de cruzamento, "até mesmo no estado atual da linha era possível reduzir o tempo de viagem", pois seria possível "colocar comboios com menos paragens".
O comboio tem sido colocado para segundo plano no Oeste por causa da pressão e do lobbie das empresas rodoviárias. Rui Pinheiro tem a explicação para que os sucessivos governos se tenham deixado levar na conversa. Pode ouvir essa explicação na reportagem áudio.
Coimbra de costas voltadas para a ferrovia
Das Caldas da Rainha para Coimbra, onde se prevê o encerramento da Estação Nova ou Estação A já em 2023, substituída pelo projeto do Metrobus do Mondego.
Assim, encerra uma linha, que leva ao centro da cidade, todos os anos, três milhões de pessoas. A indignação chega do Movimento pela Defesa da Estação Nova e pela voz de Luís Neto.
Coimbra já perdeu a ferrovia do ramal da Lousã, em 2010, que trazia à cidade 1 milhão de passageiros, nas automotoras Allan, quase sempre cheias. E agora prepara-se para aniquilar outra ferrovia. Luís Neto diz que ainda há esperança e que o movimento até já tem outros traçados alternativos para o Metro Bus que executariam a mesma tarefa, sempre como um complemento a esta linha e evitando assim o desmantelar de mais este troço ferroviário.
Como ainda conseguimos, para fechar esta primeira volta de comboio, tomamos o regional da Beira Alta que sai de Coimbra A em direção à Guarda: vamos regressar a casa.
Em reportagem ficam as imagens e os sons da ferrovia nacional abaixo do rio Vouga. Para setembro, deixamos a promessa de viajar pelo Norte e de analisar a panorâmica de linhas como a bitola estreita do Vouga, e ainda as linhas do Norte, do Douro e do Minho. Já não vai ser possível levar a reportagem sobre carris, mas ainda assim vamos contar as histórias do passado e do presente das linhas do Tâmega, Corgo, Tua e Sabor.