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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

BACALHAU, em Comeres Bragançanos e Transmontanos


“Nas mãos brancas, nas mãos finas, nas mãos papudas apareceu o pernil de cabrito, a asa de galo, o
bolinho de bacalhau”
[In Andam Faunos no Bosque, de Aquilino Ribeiro]

O ilustre mestre da língua portuguesa na descrição das pitanças contidas num farnel de festa associa o bolinho de bacalhau aos pitéus de carne mais emblemáticos da região beirã. Esta referência ao bacalhau é uma entre muitas que podemos encontrar nas obras de Aquilino Ribeiro, caso fizéssemos uma investigação aprofundada relativamente a autores que por esta ou aqueloutra razão o lembram nas suas obras, um grosso volume não chegava para anotar as citações encontradas. Porquê? Porque o bacalhau conseguiu trespassar resistências de classe, agradar aos ricos enquanto suavizador de jejuns, fundamental na dieta alimentar dos pobres, entrar em toda a espécie de cometimentos culinários, não estar sujeito ao calendário sazonal, pelo contrário é benquisto em receitas das quatro estações, por tão evidentes qualidades gastronómicas e dado ter sido o “abono” de família das gentes sem recursos, é qualificado desde há muito como o fiel amigo dos portugueses.
A antropóloga Susan Plant dos Santos, em The Antropologis Cookbook ao abordar a cozinha portuguesa sobre o signo do sal e do açúcar refere o primordial papel do bacalhau na alimentação dos portugueses, o modo de o secar ao sol, e o excelente sal para o salgar. De tão popular o bacalhau é cozinhado de cem formas diferentes anuncia aos leitores a antropóloga e enuncia a composição da receita de bacalhau à Gomes de Sá, levando-a a enquadrá-la no abanico das receitas de cariz universal.
O biógrafo do bacalhau Mark Kurlansky, em O Bacalhau Biografia do Peixe que mudou o Mundo, afirma que a sua pesca principiou na Idade do Ferro, tendo sido os Viquingues os primeiros a curá-lo, devendo-se a Erik o Vermelho ter dado o nome de Terra Verde a uma zona de glaciares, hoje conhecida por Groenlândia.
O biógrafo enaltece o papel dos Bascos dizendo terem sido voluntariosos pescadores de bacalhau, e dado terem sal, aplicavam ao gadídeo as técnicas de salga utilizadas nas baleias, aumentando o tempo da sua conservação e, consequentemente respondiam bem à procura. Em tempos tão recuados, o sal fazia parte dos produtos estratégicos, os Bascos aproveitaram-no para o secar o peixe e por volta do ano Mil dominavam o mercado internacional do bacalhau nos países cristãos, onde os muitos jejuns contavam para a salvação da alma, a obrigarem a cumprir o interdito do consumo de carne. Como é evidente, notícias sobre a pesca do bacalhau chegaram a Portugal e, segundo o Dicionário de História de Portugal, direcção de Joel Serrão, os pescadores portugueses afoitaram-se a procurá-lo no longínquo mar do Norte, após as viagens dos irmãos Corte-Real à Terra Nova. Estávamos nos finais do século XV, no ano de 1505 D. Manuel mandou cobrar dízimo sobre “o produto da pesca realizada nessa área”, evidenciando o não termos perdido tempo na sua captura. Antes, em 1353, pescadores portugueses do Norte de Portugal “contrataram directamente com o rei de Inglaterra, Eduardo III, o Confessor, a pesca do bacalhau no Norte das ilhas Britânicas”, refere a obra ABC dos Sabores Portugueses e Mais Alguns, de José Roby Amorim.
Tínhamos sal excelente, a frota da pesca do bacalhau aumentou, as técnicas de secagem e salga pautavam-se pela qualidade, tudo ficou em águas de bacalhau quando perdemos a independência, o mercado passou para as mãos dos mercadores ingleses.
Apesar das dificuldades o bacalhau continuou a frequentar a mesa dos humildes, bem mais barato que a pescada, às vezes menos caro que a sardinha, cumpria a missão de ajudar a alegrar os almoços e as ceias dessas gentes, até porque tanto se comia nos tempos quentes do Verão, como nos dias friorentos de Inverno. Os viajantes estrangeiros ficavam impressionados ao observarem o minucioso aproveitamento do bacalhau, desde as caras às tripas (semos), passando pelas línguas, nada se deitava fora. Vale a pena ler relatos sobre a nossa alimentação de Link, Thomas Cox, Cox Macro e Ruders, não faltando nos seus relatos alusões ao bacalhau.
Só no século XIX foi retomada a pesca de bacalhau na Terra Nova e Islândia, com os insucessos e sucessos plenamente conhecidos de todos até agora, a frota sofreu enormes alterações, a captura de tão peculiar amigo dos portugueses também não é tão fácil como no antecedente por causa das normas comunitárias e da política de defesa levadas a cabo em especial pelo Canadá.
Dado o crucial desempenho do bacalhau na alimentação dos carecidos, tendo em conta as qualidades no respeitante à conservação e polivalência culinária, o porto seco de Bragança recebia bacalhau que exportava para Castela, pelo menos até aos finais do século XVIII.
A simpatia granjeada pelo bacalhau junto das populações nordestinas verifica-se analisando documentos relacionados com o comércio e consequente consumo, na província de Trás-os-Montes. Relativamente ao concelho de Bragança define-se numa palavra: significativa. A pauta alfandegária do porto seco de Bragança nos finais de oitocentos regista o comércio de bacalhau, e as actas da Vereação da Câmara Municipal de Bragança, e respectivas tabelas e pautas de preços dos géneros e artigos sujeitos a impostos indirectos demonstram não ser empolada a qualificação de significativa, no respeitante ao seu desempenho na alimentação das gentes do concelho. Não me parece exagerada a afirmação, e como exemplo veja-se o ano de 1953, em que a cobrança da taxa sobre o comércio de bacalhau gerou uma receita de 12.739$00, já o peixe fresco ficou-se pelos 3.127$80, a sardinha, a cavala e o carapau renderam 6.003$10. Dado que a taxa em vigor sobre cada quilo de bacalhau era de dez centavos, foram vendidos 127.739 quilos.
O estatuto de fiel amigo concedeu ao bacalhau uma grandeza afectiva na sociedade portuguesa a torná-lo fautor de fados e cantigas, arma política pensemos na promessa eleitoral do bacalhau a pataco, actor galhofeiro no teatro de revista, flagelo dos meninos obrigados a tomarem o óleo do seu fígado, elemento principal de chistes, anedotas e bandas desenhadas até ao 25 de Abril de 1974. Dos séculos anteriores vinham testemunhos das facécias do Enterro do bacalhau e do O Círio dos Bacalhoeiros, tão bem anotados na Etnografia Portuguesa, de Leite de Vasconcelos.
No que tange às preparações culinárias importa salientar que também se consome fresco, os chefes franceses preferem-no nesse estado, originando receitas de assado e estufado, sendo o rabo excelente para estas duas cozeduras, não devendo ser grelhado porque se desfaz de imediato. Ainda fresco entra na confecção de croquetes, gratins e mousses, em delicadas composições de estufados em vinho branco, filetes e postas, devendo a fritura ser objecto de grande vigilância.
Por cá, o cozinheiro real Domingos Rodrigues ignorou o bacalhau, o que não constitui surpresa, Lucas Rigaud concede-lhe três receitas de inspiração francesa, também não surpreende, no referente aos receituários burgueses do século XIX a situação é outra a confirmar alterações de perspectiva do gosto e hábitos. O A Arte de Cozinha de João da Mata contém onze receitas de bacalhau, O Manual Completo do Cozinheiro estampa treze, o Cozinheiro dos Cozinheiros de Plantier outras treze, o Arte do Cosinheiro e do Copeiro insere cinco.
A cozinha popular, do Litoral ao Interior, do Norte, do Centro e do Sul, é robusta no referente a receitas de bacalhau, também nos Açores encontramos algumas, menos na ilha de Madeira.
Existe uma querela surda em torno do sulista pastel e do nortenho bolinho de bacalhau, Mário Cláudio em Tocata para Dois Clarins, dá o toque: “nas tardes Verão, acarretando seus farnéis de arroz de cabidela e de bolinhos de bacalhau...”. Mestre Aquilino gostaria de ter lido esta menção.

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da CMB

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