sexta-feira, 30 de setembro de 2022

A montra da ilusão

 Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)


Viu-se menina, num mundo imaginário, 
onde todas as formas tinham cor.
Mas a vida, é somente uma maneira frágil de existirmos. 
E os sonhos, o nosso coração à deriva a espreitar 
desejos esquecidos pelo mundo…

A montra da ilusão
encantou os olhos da menina!

A boneca de cera que sorria
derreteu-se nos olhos da menina,
o comboio de papel que corria
fugiu dos olhos da menina,
o cavalo de madeira que galopava
perdeu-se nos olhos da menina,
o vestido de cristais que brilhava
apagou-se nos olhos da menina.
E a menina, olhou os sorrisos de outras crianças
que levaram a sua montra da ilusão perdida.
E olhou as suas mãos
cheias de vazio e de nada…
E gritou:
“Ninguém quis oferecer-me
os meus sonhos de menina!”

A montra da ilusão
encantou os olhos da mocinha!

O livro de História que se abria
fechou-se nos olhos da mocinha,
a casa da aldeia que habitava
longe ficou dos olhos da mocinha,
a terra onde nasceu e onde morava
afogou-se no mar dos olhos da mocinha.
E a mocinha, olhou outras raparigas
que viviam dentro da sua montra da ilusão.
E olhou em seu redor
para o silêncio amargurado…
E falou:
“Ninguém soube oferecer-me
os meus sonhos de mocinha.”

A montra da ilusão
encantou os olhos da mulher!

O país onde feliz ela sonhava
explodiu nos olhos da mulher,
o sorriso dos pais que adorava
morreu nos olhos da mulher,
a luz da madrugada que se avizinhava
escureceu nos olhos da mulher,
os ideais para os filhos que tanto amava
saltaram dos olhos da mulher.
E a mulher, olhou o céu sagrado por cima de si,
com duas lágrimas de sal e poeira.
Desaparecera a sua montra da ilusão.
E apenas murmurou:
“Ninguém conseguiu viver
os meus sonhos de mulher...”


Paula Freire - Psicologia de formação, fotografia e arte de coração. Com o pensamento no papel, segue as palavras de Alberto Caeiro, 'a espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias'.

𝑀𝑖𝑟𝑎𝑛𝑑𝑎 𝑑𝑜 𝐷𝑜𝑢𝑟𝑜, 𝑝𝑎𝑟𝑎𝑖́𝑠𝑜 𝑛𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎𝑙 𝑒 𝑐𝑢𝑙𝑡𝑢𝑟𝑎𝑙.

ROTEIRO ARTÍSTICO VAI ESTAR PATENTE NO COMÉRCIO LOCAL DE MIRANDELA ESTE SÁBADO

 Amanhã, 17 locais do comércio em Mirandela “alojam” mais de 25 artistas transmontanos para um dia de ciclos de exposições e animação de várias áreas criativas.


Chama-se ”Vidas numa rua” e é já o terceiro evento do Coletivo de Artistas Transmontanos, um novo movimento artístico independente, sediado em Mirandela, que conta já com 70 membros. 

Aberto à comunidade, o conceito desta iniciativa “explora um roteiro artístico de várias expressões pelo comércio local de uma zona da cidade de Mirandela, trazendo-lhe novas vidas”, conta Ana Morais, da organização que sublinha “a boa vontade de todas as partes, comerciantes e artistas, que se unem em prol da arte por um dia”.

Tomando partido do posicionamento geográfico desta cidade no coração da região, este movimento “acolhe a todos os artistas do território de Trás-os-Montes e nesta edição virão também de Valpaços, Macedo de Cavaleiros, Carrazeda de Ansiães, Bragança e Vinhais”

Em cada evento são definidos os artistas anfitriões - que constituem cabeça de cartaz - através de uma reunião presencial, promovida dentro do grupo. Neste caso, André Gomes (fotógrafo), Mariana Luz (ilustradora), Luana Morais (artista plástica) e Sónia Costa (animação), são parte integrante, não só da exposição como da organização.

Esta igualmente previsto um conceito trabalhado nessa reunião, e cada artista tem liberdade criativa e pode convidar os artistas que quiser para fazerem parte desse mesmo conceito, acrescenta Ana Morais, a fundadora do projeto, e a coordenadora dos eventos.

Neste sábado, quem passear pela rua pedonal da cidade, podem encontrar música pelas esplanadas aderentes, exposições de fotografia, pintura, escultura e ilustração por montras e prateleiras, almoçar e jantar o menu especial Coletivo com concerto, beber um Cocktail ao final do dia e terminar a noite com declamação de poesia e projeção de vídeo. 

Este dia especial começa numa esplanada do centro da cidade transmontana onde se irá localizar a receção ao visitante e de onde partirão os roteiros artísticos guiados.

São parceiros desta iniciativa: a Galeria do Mercado, que também desenvolverá atividade durante a manhã, com a exposição da artesã Fátima Medeiros Gomes e com uma oficina de tecelagem por Marta Fontoura bem como a StreetGallery Mirandela que participa com a sua carteira de jovens artistas.

Artigo escrito por Fernando Pires
(jornalista)

Começa hoje o Bragança Classic Fest

𝗖𝗲𝗹𝗲𝗯𝗿𝗮𝗰̧𝗮̃𝗼 𝗱𝗼 𝗣𝗮𝘁𝗿𝗶𝗺𝗼́𝗻𝗶𝗼 𝗮 𝗡𝗼𝗿𝘁𝗲 | 𝗖𝗶𝗰𝗹𝗼 𝗱𝗲 𝗘𝘃𝗲𝗻𝘁𝗼𝘀 𝗱𝗲 𝗧𝘂𝗿𝗶𝘀𝗺𝗼 𝗖𝘂𝗹𝘁𝘂𝗿𝗮𝗹 𝗱𝗲𝘀𝗰𝗲𝗻𝘁𝗿𝗮𝗹𝗶𝘇𝗮𝗱𝗼

 Nova iniciativa da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN) vai decorrer nos meses de setembro e outubro, com vista a celebrar e divulgar o rico e vasto património de vários concelhos da região, num programa articulado entre DRCN, autarquias e instituições eclesiásticas, entre outras.
Este projeto da Direção Regional de Cultura do Norte tem lugar em seis espaços patrimoniais, cinco dos quais classificados como Monumentos Nacionais. Em colaboração com os municípios, o ciclo de eventos terá lugar em Bragança (Sé Velha), Tarouca (Mosteiro de Santa Maria de Salzedas), Arouca (Mosteiro de Arouca), Miranda do Douro (Concatedral), Alfândega da Fé (Igreja Matriz de Sambade) e Felgueiras (Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro).

➡ Programa na Concatedral de Miranda do Douro (15 outubro):

▪ 17h00 - Lançamento das visitas

▪ 17h30 - Património em Prova, Partilha e Degustação com chefe Renato Cunha

▪ 19h00 - Concerto de António Chainho

O projeto «Arte e Cultura em Circulação… pelo Património» | NORTE-04-2114-FEDER-000607 é promovido pela Direção Regional de Cultura do Norte, em parceria com os municípios locais, representando um investimento aproximado de 300 mil Euros, cofinanciado pelo Programa Norte 2020, através do FEDER.

📲 Saiba mais AQUI.

ENTRE VINHAS - PASSEIO PEDESTRE

 A Associação Recreativa e Cultural de Pombal de Ansiães (ARCPA) organiza no próximo dia 16 de outubro, o passeio pedestre no território do Parque Natural Regional do Vale do Tua intitulado “Entre Vinhas”, numa clara homenagem à tradição vitivinícola da região.
As inscrições decorrem até ao dia 14 de outubro através de contacto telefónico 919545497 ou 910670262 ou pelo email arcpa.geral@gmail.com.

Mais se informa que será disponibilizado transporte de Carrazeda de Ansiães até a freguesia do Pombal.

PRELÚDIO DE UM AMOR...

Por: Luís Abel Carvalho
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Era princípio de tarde de um sábado do dia três de Maio de 1975. Ainda na ressaca das segundas comemorações em liberdade do primeiro de Maio na praça dos Leões pela FEC-ML, Ricardo seguia pela rua de Cedofeita na direcção da praça Carlos Alberto, quando se cruzou com o Ramiro do Peredo dos Castelhanos, que vinha em sentido contrário.
- P´rondé que bais, ó ´spantalho? – perguntou-lhe o Ramiro no seu tom próprio de transmontano.
- Bou ó Bissau buber um cimbalino. E tu, ó bentas de labrego?
- Olhó cara de cú à paisana.
- Ora bejam só o taininhas…! ´Stás munto guitcho!
- Hum…hum, lampantinzote do Larinho.
- Frosquinhas do Predo.
- Ora bejam lá o penalbilhas! Bou ó cinema. Quers bir, ó prósmeiro?
   Quando se encontravam e principalmente quando se despediam, havia sempre um ritual de mimos. Perdia aquele que já não soubesse mais ou que repetisse um que já tivesse sido dito. Às vezes prolongava-se a troca de galhardetes, porque já havia amigos de um lado e do outro que lhes traziam novos “piropos” para acrescentar à lista, tais como: lingrinhas, falmegas, arincum, rilha-fóis, doutor de lareira, pandilha, fidalgo da corte da palha, titliteiro, doutor da mula ruça, pantomineiro, fuinha, lambão, calaceiro, carneiro moncoso, fistor, basófias, larilas, canastrão, lafrau, sorrelfas, galifate, paspalho, coçá nalga, tchamberga, pilantra, flausino, berloso, tcholdreiro, aranhão-pentelhudo, calhorda, frosquinhas, tchotcho, pateta das luminárias, tchabasco, bebáuga, prosmeiro, cunenas, mulher de soalheiro, bentas largas, peideiro, enxalmo, penalbilhas, matchutcho, emplastro, sacrista, vagueiro, patarata, ´spantalho, tcheringalho, pamonha, cotchino, indromineiro, belfurinheiro, sorna, bardino, pisco, criqueiro, tinhoso, panasca, zarelho, alma do diabo, cara de cú à paisana, pascácio, tramblazana, matreiro, lazarento, carranhento, lapouço, birolho, surrão, canhão aério, calhau, mono, baboso, gabarrista,  mimo da cantareira, rauteiro, gandulo, trombas de camioneta, lapouço,  bacamarte…
   O Ramiro tinha uma ladainha que todos os tripeiros, ou melhor, todos os não transmontanos – ou melhor ainda – todos os não transmontanos, mas incluindo alguns transmontanos (há sempre ovelhas ranhosas !), que se deliciavam com ela. Era mais ou menos isto: 
   ”Abança p´ra Bragança, a entcher a pança, em casa da ti Constança, onde bai haber uma grande festança, qué o dia da matança e que nos bai ficar na lembrança inté à mortança. Todos fizemos uma aliança p´ra irmos com sigurança, porque já é assim desde criança e p´ra qu´ haja continuança, pelo menos é a nossa esperança. Bai toda a bezinhança e inté bem gente de França, que esses no ligam à poupança, pois têm munta finança e bibem n´abastança. E isso já é uma herança dábó da ti Constança, qué mãe da ti ´Sperança".
- Num me tchalda... Qual é o filme?
- Num no sei, mas atcho qu´é bom.
- Bô!! Atão já t´ólbidastes?! Hum…num no sei. 
- O qué qu´adboga o filme qu´é ?! Bou com duas mulas.
- Bô?! E já têm matcho? – perguntou Ricardo com um sorriso maroto.
- Uma delas já. Sou eu.
- E atão tu atchas qu´eu posso ser o matcho da oitra?
- Por i, mas num me parece. No sei se terás cabresto qu´abonde p´ra ela, co esse focinho tcheio de moscardos…
- Atão num bou.
- Anda lá, ó tramblazana. Deixa-te lá de municancas. Bai tamãe a prima dela, que por sinal é bem guapa e inda no tem matcho.
 - Oh... `Stás na galhofa – disse Ricardo já entusiasmado, com o sorriso aumentado.
 - No ´stou nada  na paródia. A sério. É mesmo bonita! É brasileira.
 - Bai-te quilhar. É lá´gora! E mais a mais, no tanho dinheiro. Ando c´más putas na Quaresma.
 - Bô?!! Olha qu´abantaje!! Um pelintra como tu anda sempre mais liso do q´um seixo do Sabor! Anda lá, ó cotroso. Eu pago.
   (Quando a amizade é grande e pura, não há obstáculo algum que a impeça).
- Num no sei…
- Inda por cima que no tães ninguém, qu´és um tristi feio
- OH...eu bem le boto o inzol, mas no apanho nada….!
- Que le querias tu?! Tamãe co essas trombas de camioneta que tens, quem tá-de pegar?       Tães qu´arranjar oitro isco mais milhor.
 - E a ti, co essa cara de diarreia? Por i lá arranjastes alguma besga dum olho, ou alguma manca…
 - Bá... no t´armes em sacripanta, que tu nem uma birolha arranjas.
   O Ramiro estudava no terceiro ano da Faculdade de Letras. Usava pera e bigode, de um preto retinto, tal como o cabelo que lhe caía pelos ombros, a condizer com os olhos. Era mesmo muito engraçado. Todos lhe achavam graça, principalmente quando falava à transmontano. Além do sotaque eram as expressões faciais que mais os fazia rir. Retorcia a boca e os queixos e revirava os olhos de tal mameira esquisita, acompanhados pelos gestos patéticos das mãos que fazia rir o mais "certinho".
   Foram apanhar o eléctrico à Boavista. Subiram até à praça da República e depois até à Antero de Quental, na Constituição. Quando chegaram ao café Piscina, já lá estavam as duas primas. Ricardo foi apresentado e ficou embasbacado com a beleza da Mariana e principalmente com o seu sorriso: generoso, fácil e espontâneo. Notou logo a beleza dos olhos negros, rasgados, alegres. O contraste entre o negro antracite da íris e o alvo de neve do cristalino era profundamente harmonioso e encantador. Era morena e só muito mais tarde concluiu que não era do sol brasileiro, mas sim da mãe, assim como os olhos.         
   Apanharam novamente o eléctrico de volta à praça da República e desceram a pé a rua do Almada até ao cinema Trindade.
    Era um filme leve, alegre, de Verão, com uma história romântica. O cinema ficava no primeiro andar e no intervalo ficaram à janela, a conversar e a fumar. A Mariana e o Ramiro não fumavam. Depois do filme foram logo levá-las a casa, porque a Ilda – rapariga linda, com um cabelo preto forte, uns olhos e uns lábios encantadores, apenas o nariz um pouco comprido para ser perfeita – tinha hora marcada e, pelos vistos, os pais eram inflexíveis. Combinaram novo encontro para o dia seguinte, no domingo. Ramiro e a Ilda tinham vinte e um anos, Ricardo tinha vinte e a Mariana dezassete. A Mariana morava num lar de freiras na Cedofeita, junto ao café Latino, que ficava na esquina da rua dos Bragas, onde era a Faculdade de Engenharia. Por sinal, Ricardo vivia logo acima da Faculdade, na “Hospedaria Bom Sonho.” Mariana tinha ido passar esse fim-de-semana a casa da prima. Ambas eram filhas únicas!
   Os pais dela tinham vindo do Brasil definitivamente para o Peredo dos Castelhanos. Era o fim de um sonho e o princípio de outro. A nossa vida é saltarmos de sonho em sonho, pensando que é sempre o último, mas ainda bem que não é. Há sempre sonhos para vivermos. Só depois da morte é que não sabemos se sonhamos. Parece que o pai tinha sociedade num negócio de transportes com um familiar. 
- Atão, ó inxalmo. Gostastes da “minina”? No é bonita? Olha que se no t´atiras tu, atiro-m´eu, caratchos.
 - Cala mas é a morca, ó caga e foge. Amanhê precuras à Ilda s´ela dicho alguma cousa sobre a minha própria pessoa, de mim mesmo.
 - Bô?! Só se fosse p´ra le decer que no te lebe mais, p´ra te ´sporteirar.  Atão tu atchas que tães alguma impóteze c´uma beldade daquelas, ó ranhoso?!
 -  E tu, ó feiarrão da calçada. No fales munto qu´a tua no le fica atrás!
 - Catantchos, ó Ricardo! É berdade, caralhitchos. Arranjemos cá duas beldades quinté nos fazem cair o ranho por o natcho abaixo! Carbalho nos recontracosa si as no habemos de papar…
 -  Inté te cegas c´más pitas na nebe!
 - Ora bejam lá o santo de pau caruntchoso! Tu é caté te pelas c´mó diabo por almas! Ó qu´andais andemos...
   No domingo foram passear depois de almoço para o Palácio de Cristal. A Ilda e o Ramiro iam à frente e a Mariana e o Ricardo um pouco mais atrás. De vez em quando, à surrapa, o Ramiro fazia-lhe sinais “positivos” com as mãos. Soube que Mariana ia todas as noites ao Latino tomar café depois de jantar e que a hora de entrada no lar era até às dez. E soube também que estudava no Carolina Michaelis e que as aulas acabavam às seis da tarde. 
   Ricardo passou os dias seguintes a pensar na Mariana. Aqueles olhos magnéticos e os lábios polpudos não lhe saíam da retina. Na quinta- feira saiu da hospedaria por volta das seis e vinte e cinco e desceu a rua dos Bragas devagar, devagarinho, para fazer tempo. Atravessou a Cedofeita para o outro passeio e pôs-se a andar com toda a calma, matreiro como uma raposa, em direcção à Boavista. Uma multidão de estudantes invadia a rua nessa hora. Quantos sonhos, quantas ilusões, mais tarde transformadas em desilusões e frustrações, inundavam a Cedofeita! Quanta inocência e alegria genuína e pura cobriam as pedras do passeio. Quanta beleza e juventude a extravasar energia por todos os poros! Ricardo ia de cara baixa, levantando os olhos de vez em quando, com arte ardilosa. Finalmente lobrigou-a ao longe a vir na sua direcção, ainda distante. Foi calculando o espaço e, tal com a hiena calcula o momento certo para atacar e quando, por um canto do olho, viu que se aproximava, levantou as garras, isto é, os olhos.
- Olá!!! Que coincidência!!! – Disse  com ar artificial de admirado e inofensivo.
- Verdáje- disse ela. - Qui anda fazendo por aqui?
- Vou ter com uns amigos ali ó café Bissau. Então e tu, que fazes?
- Cê lembra qui estudo no Carolina? Saí agora das aulas e vou para o lar. Mi desculpa. Ti apresento minha colega di quarto, a Catarina.
- Muito prazer. Vou andando, Marianinha – disse inteligentemente o sexto sentido da colega.
- Qui é feito di você?
- Oh...Cá ando sempre na mesma – respondeu encolhendo os ombros, fazendo o ar do ser humano mais triste e infeliz do mundo.
   A representação nunca fora o seu forte, mas ia dando para o gasto.
- Sempre esperei vê você no Latino.
   Ouvir aquilo caiu-lhe tão bem! Foi música para os seus ouvidos. Fingindo que não tinha percebido e salvaguardando alguma espontaneidade da parte dela, fruto da sua inexperiência própria da juventude, respondeu-lhe com todo o fingimento:
- Para ser franco, ainda não apareci com receio de parecer abuso da minha parte.
   A ingenuidade e a compaixão são sempre trunfos fortes da representação fora dos palcos.
- Ah…! Qui nada. Bobagem. Apareça, sim.
- Pode ser hoje?
- Mas é claro qui poje. Ti espero, tá?
   Todos nós – se calhar é abusivo dizer sem excepção – fazemos as coisas de uma maneira interesseira. Isto não significa que as façamos para tirar vantagem do ponto de vista material, profissional ou social, ou para prejudicar o outro. No limite, fazemo-las apenas para tirar partido do ponto de vista de satisfação pessoal e consciencial que, se calhar, é a forma mais egoísta de o fazer. O que dizemos, embora sem maldade, é sempre aquilo que na ocasião nos convém dizer ou o que pensamos que convém ouvir ao nosso interlocutor. Ai de nós se um dia desatássemos a dizer tudo o que nos vai na alma, tudo o que pensamos! Não sabemos se o resultado seria positivo ou negativo, mas garantidamente que as relações humanas sofreriam um grande abalo, até talvez telúrico. Possivelmente, pessoas que se amam odiar-se-iam e vice-versa. Quem sabe se aí haveria uma separação das águas: separar o trigo do joio. Essa seria, talvez, a mais benéfica revolução da humanidade! Como dizia Pascal: " Poucas amizades subsistiriam se cada um soubesse o que o amigo diz de nós nas nossas costas"!.
   Ricardo viu nessa “permissão” algo mais do que uma simples simpatia social e de ocasião. Estava tão bonita, que mais parecia um anjo vindo do Céu, que Deus mandou para aliviar a sua tristeza. Vestia uma camisola branca, de meia gola e sem mangas, o que lhe realçava os rijos e apetitosos peitos – que mais pareciam duas rolinhas, como diria o Aquilino – e uma saia azul curta, deixando ver umas pernas fortes, bem torneadas, morenas, cilíndricas e firmes. Trocou logo o Bissau pelo Latino. Quatro dias depois saíram pela primeira vez dar uma volta. A partir daí assumiram o namoro. Se Ricardo já estudava pouco, passou a estudar ainda menos. Passava os dias suspenso naquela hora e meia de êxtase, que era quanto durava o breve encontro. A vida já vale a pena quando se luta e se espera por um momento de extrema felicidade. Infelizmente há muitos que nem isso têm como último refúgio. E Ricardo tinha e o que era para ele mais importante é que, pela primeira, vez sentia que amava verdadeiramente. 
   Normalmente iam namorar para um jardinzinho que havia em frente ao hospital de Santo António, onde havia uns bancos de pedra. Tratava - a como a um diamante frágil, preciosíssimo, sempre com mil cuidados. Tanto assim é que o primeiro beijo foi já depois do terceiro encontro. Notou que talvez nunca tivesse beijado ninguém, pela maneira tosca e atrapalhada como o beijou e pela dificuldade que lhe causou a posição do nariz. (Ricardo lembrou-se de uma cena “ Por quem os sinos dobram”, onde ela pergunta: “ E onde pomos o nariz quando beijamos?”). E ele, que era um passarão, já batido nessas andanças e nisso já era Doutor… (Mais tarde ela confessou-o e passaram a brincar com a situação). A paixão ia crescendo mutuamente, dia após dia, e o tempo passava com asas nos dias.
   Porém, próximo do fim do ano lectivo, um dia Mariana apareceu chorosa, nervosa e triste. Tinha recebido uma carta dos pais a dizer que regressariam ao Brasil em Setembro. Algo correu mal na sociedade. E ela, claro, iria também. Ricardo ficou em estado de choque; não queria acreditar. Um amor tão intenso, tão imberbe que crescia dia a dia, queriam já matá-lo?! Era um amor que ainda não tinha tido tempo de ser contrariado e nem manchado por nada. Vivia ainda no estado puro, sem pecados, como Adão e Eva no paraíso. Choraram tanto os dois, inconsoláveis, abraçados um ao outro, como duas crianças a quem tivessem feito uma incompreensível maldade! Fizeram juras de amor eterno, que não seria o Atlântico que acabaria com um amor assim tão profundo e tão forte. Eram dois jovens desiludidos, desesperados, rebeldes, indefesos e revoltados a quem queriam roubar o único valor em que acreditavam: o amor. É nestes momentos de profunda desilusão que os nossos corações se enchem de ódio e nos falta a terra firme debaixo dos pés. E eis que pela primeira vez, Ricardo foi chamado a dar mostras de que fibra era feito. No meio deste desgosto chegaram as férias. Ela foi para o Peredo e ele para o Larinho. Escreviam - se diariamente. 
   Ricardo tinha tido até então alguns - bastantes - namoricos fugazes, de “baile de finalistas”. Ricardo era um autêntico pinga-amor; ou andava apaixonado ou prestes a apaixonar-se. Por norma dava-se bem na arte do engate. (Mais adiante, em ambiente mais desanuviado, contaremos alguns métodos bizarros dos quais se socorria de maneira obscena para apanhar a "presa"). 
   Com as saudades a apertar, um disse ao Zé Cortinhas:
- Ó Zé! Pago-te a gasolina e amanhã lebas-me ó Predo?
- Oh! Lubar eu lebo, mas... e se nos aparece a Guarda?
- No aparece nada. Bamos à tarde, por a hora do calor, qu´eles nessa hora no andam.
- ´Stá bem.
   No dia seguinte, lá se meteram no velhinho Fiat 600D, cujas portas abriam para trás. Ricardo ia todo contente, porque ia fazer uma surpresa à Mariana. Nenhum deles tinha carta. O Zé tinha aprendido a conduzir sozinho, às voltas atrás da capela do Nosso Senhor dos Aflitos. Para poupar gasolina, nas descidas desligavam o motor.
   Desceram a serra do Reboredo sempre com o carro desligado e tudo correu normalmente até quando chegaram ao Peredo. Numa rua a descer, disse o Zé muito atrapalhado:
- No temos trabões. 
- O quê?!! Traba com força – pedia-lhe Ricardo.
- No sei o que se passa. No traba nada -  dizia o Zé carregando com toda a força no pedal. – E agora?
- Antes que ganhe mais belocidade, biró contrá parede - aconselhou-o Ricardo.
   Dito e feito. O Zé deu uma guinada com o volante para a esquerda e pum...contra a parede de uma casa! As pessoas que estavam por ali à sombra vieram logo a acudir. Saíram ilesos e o carro tinha apenas um pouco de chapa amolgada. (Os carros ainda eram feitos de chapa rija).Não conheciam ninguém. Ricardo estava envergonhadíssimo e com medo que aparecesse a Mariana ou alguém da família. Rezava a todos os Santos para que ela não aparecesse ou soubesse.
   Decidiram vir embora, mas o carro não pegava e o para-choques do lado direito roçava na roda e não andava. Apareceu um senhor entendido e com um barrote de madeira, lá conseguiu endireitar o para- choques. Abriu o capô do motor, que ficava atrás, andou por lá a mexer nuns fios e conseguiu pôr o carro a andar. 
- Bindes d´onde?
- Ali dos lados de Moncorbo.
   Ricardo nem falava no Larinho, para que se não soubesse.
- Já percebi! E biestens co carro desligado?
- Nas descidas.
- Atão ´stá tudo intendido. Sabendes qu´a serra ´stá tcheia de ferro. A atracção do íman qu´ o ferro tem, co aquele magnetismo todo, afecta os trabões, mormentes s´o carro ´stiber desligado e atão foi por isso que ficástens sem trabões. Habendes de reparar qu´ó descer, inté parece qu´o carro no anda; parece que fica agarrado ó tchão. É o íman do ferro qui o puxa p´ra baixo, pró tchão.
   Ricardo só queria sair dali o mais rápido possível.
- Ricardo!! É você Ricardo? Minha Nossa! Você si machucou?
   Caiu-lhe tudo ao chão. Ficou sem pinga de sangue no corpo, por que fugiu todo para a cara. Ficou vermelho como um tomate. Aconteceu precisamente o que não desejava. Depois de a descansar, disse-lhe que voltaria no último domingo de agosto. Despediram-se e marcaram novo encontro para domingo da festa de Santa Luzia.
   Durante a viagem o Zé Cortinhas mencionou por várias vezes a beleza da Mariana. “Em Moncorbo no encontras tu outra tão guapa! Co mé que tu, co essa cara de motcho, arranjastes uma gaija assim?!” 
   Ricardo e o primo Orlando, da Cabeça Boa, fizeram uma noitada no sábado da festa de Santa Luzia, que era no último fim- de- semana de Agosto. Depois de dormirem um pouco atrás da estação do comboio e já depois do sol nascer, foram até ao cruzamento pedir boleia. Apanharam uma até ao cruzamento de Felgueiras, depois do Carvalhal. A seguir uma camioneta que transportava vacas e porcos levou-os até ao cruzamento de Maçores. Apanharam depois outra com um senhor que ia para Urros e deixou-os aí. Nessa altura e por essas bandas, era fácil; toda a gente dava boleia. De modo que quase em seguida veio uma Toyota de caixa aberta e lá foram para o Peredo dos Castelhanos. Deviam ser umas dez da manhã quando chegaram. Ricardo nem sabia sequer onde era a casa da Mariana! Chamaram um miúdo e perguntaram-lhe:
- Sabes onde mora uma moça chamada Mariana, que é brasileira?
- A Marianinha, a filha da senhora Marília?!
- Sim, essa mesma!
- Sei, mora ali já em baixo à squerda – respondeu cheio de orgulho.
- Eras capaz de ires lá dizer-lhe que está aqui o Ricardo?
   Poucos minutos passados apareceu com a Ilda. Foram até a um terreno murado, com poço e latada, que pertencia a um tio delas. A Ilda tinha chegado na sexta anterior e fartou-se de gozar com o acidente. A ida para o Brasil era daí a duas semanas. Passaram o tempo todo de mãos dadas a dar carinhos e a reprimir uma ou outra lágrima que espreitava.
   Ricardo era tão feliz! Mas a felicidade é tão relativa e tão efémera. Conseguimos ver a maior felicidade do mundo no sorriso de uma menina cigana, porque conseguiu que alguém lhe desse algum bolo para comer ou uma moedinha. Mas será que conseguiremos ver essa felicidade nos seus olhos? É fácil mostrarmos um sorriso de “felicidade”, mas é impossível enganar com os olhos.” Os olhos são o espelho da alma”. Que verdade mais incontestável!  
   Havia pouco tempo que a Ilda e o Ramiro tinham acabado o namoro. Por pressão dos pais dela tinham rompido, por que a queriam casar com um jornalista rico, quinze anos mais velho, já careca, de uma família amiga e tradicional da sociedade portuense. Mas a Ilda continuava a gostar do Ramiro, que nessa altura estava no Porto, a estudar para dois exames da segunda época, aos quais tinha reprovado.
   O seu primo Orlando – um outro autêntico pinga amor – ficou fascinado com a imponente beleza da Ilda. Implorou-lhe que intercedesse junto dela. "Peço já a transferência para o Porto."- Disse brincando.
   Em meados de Setembro, Ricardo foi despedir-se da Mariana a Moncorvo, na praça, em frente aos pais. Foi uma despedida breve, envergonhada e dolorosa. Dois corações jovens e puros, cheios de sonhos e de amor, verem-se assim separados, sabe-se lá se para sempre! Apenas um aperto de mão e os olhos tristes e longos disseram o resto. Ricardo foi chorar para trás da igreja com o coração apertado.
   Mais ou menos três semanas depois recebeu a primeira carta. Uma carta longa, salpicada de sofrimentos e de juras de amor eterno. Embora uma carta de amor, não era ridícula – contrariando o Mestre. Mas as posteriores, de parte a parte sim, era ridículas por serem nuas, cruas, íntimas e verdadeiras. Ricardo tratava-a por “Manhã Tranquila” ela por “Corruptor de meninas indefesas e Homem das cavernas”
   “  … Rua do Ouro Preto, Nº..., Bairro Assunção, S. Bernardo do Campo – São Paulo, Brasil…”

Fontes de Carvalho
                                                                             
(Início do romance  " Nada morre duas vezes ", já publicado)

Fontes de Carvalho
, pseudónimo de Luís Abel Carvalho, nasceu no Larinho, uma aldeia transmontana do Concelho de Torre de Moncorvo, Distrito de Bragança. É o filho do meio de três irmãos.
Estudou em Moncorvo, Bragança e no Porto, onde se formou em Engenharia Geotécnia. É casado e Pai de três filhos.
Viveu no Brasil, onde passou por momentos dolorosos e de terror, a nível económico e psicológico. Chegou a viver das vendas de artesanto nas ruas e a dormir debaixo de Viadutos.
No ano de 1980 e 1981 foi Professor de Matemática em Angola, na Província de Kwanza Sul, em Wuaku-Kungo. Aí aprendeu a desmistificar certos mitos e viveu uma realidade muito diferente da propagandeada.
Em Portugal deu aulas de Matemática em diversas cidades, nomeadamente em São Pedro da Cova, Ponte de Lima, Cascais (na Escola de Alcabideche, onde deu aulas aos presos da cadeia do Linhó), Alcácer do Sal, Escola Francisco Arruda e Luís de Gusmão, em Lisboa. Frequentou durante quatro anos, como trabalhador-estudante, o curso de Engenharia Rural, no Instituto Superior de Agronomia.
Em 1995 fundou a empresa Bioprimática – Reciclagem de Consumíveis de Informática, onde trabalha até hoje como sócio-gerente.

Vimioso: Cursos socioeducativos promovem a aprendizagem e o convívio social

 Continuam a decorrer na casa da cultura de Vimioso e nas juntas de freguesia, as inscrições para os cursos socioeducativos, que este ano vão realizar-se também nas várias localidades do concelho, de modo a proporcionar oportunidades de aprendizagem e convívio a toda a população.


De acordo com a professora Elisabete Fidalgo, da Associação para o Desenvolvimento Cultural do Concelho de Vimioso (ADCCV), os cursos socieducativos destinam-se a todas as pessoas, crianças, jovens e adultos.

A oferta socioeducativa oferece a dança tradicionais e o folclore, a dança dos pauliteiros, o ballet para crianças, a zumba, o step dance. Na música há aulas de viola, gaita-de-foles e acordeão. Para a atividade física destacam-se a ginástica de manutenção, o karaté, o Tai-chi (técnicas de relaxamento) e o pilates. E nas atividades manuais, os cursos socioeducativos oferecem aulas de bordados, costura, artes decorativas (pinturas, aplicações em estanho e reciclagem) e as técnicas de escrinho.

“Nas danças tradicionais e folclore, o objetivo é motivar as pessoas, e em particular os jovens, a participar no rancho folclórico de Vimioso, que tem 27 anos de existência”, disse.

Os cursos socioeducativos (50 horas) vão iniciar-se no mês de outubro e decorrem semanalmente até maio de 2023. No final dos cursos e mediante a realização de uma gala, os formandos vão ter a oportunidade de dar a conhecer os talentos desenvolvidos na dança, na música e nas artes.

Segundo a vereadora do município de Vimioso, Carina Lopes, os encargos dos cursos socioeducativos são suportados conjuntamente pelo município de Vimioso a as freguesias.

“Os cursos socioeducativos visam agir contra o isolamento das pessoas, promovem a atividade física e a aprendizagem e são oportunidades de encontro e de convívio social nas várias localidades”, justificou.

HA

GNR apreende cinco caçadeiras a um septuagenário que batia na mulher

 O Núcleo de Investigação e Apoio a Vítimas Específicas (NIAVE) apreendeu, ontem, seis armas de fogo e 445 munições a um homem no âmbito de um processo por violência doméstica, no concelho de Bragança.


Os militares apuraram durante a investigação que o suspeito, um homem de 78 anos, exercia violência física, psicológica e financeira sobre a vítima, sua esposa de 74 anos, informou uma fonte do comando da GNR em Bragança.

Na sequência das diligências policiais foi realizada uma busca domiciliária e uma busca não domiciliaria num veículo, que culminou com a apreensão, como medida cautelar, de diverso material nomeadamente cinco caçadeiras, uma arma de fogo e 445 munições.

Os factos foram remetidos ao Tribunal Judicial de Bragança.

Glória Lopes

Biólogo apela ao Governo para manter caudais mínimos no Douro Internacional

 O biólogo e presidente da Associação Palombar, José Pereira, apelou hoje ao Governo português para que sejam mantidos os caudais no rio Douro para manter “viva” o ecossistema no seu troço internacional, rico em fauna piscícola e avifauna rupícola.


“O que devemos esperar do nosso Governo e de quem tutela estes assuntos é que defenda a garantia de haver caudais mínimos para manter vivo o ecossistema aquático e toda a sua biodiversidade, [que conta] com espécies únicas na Europa como aves rupícolas”, afirmou à Lusa o especialista em avifauna e meio ambiente.

O rio Douro entra em Portugal na localidade de Pardela da Raia, no concelho de Miranda Douro, distrito de Bragança, a jusante da barragem espanhola do Castro, "sendo este o primeiro concelho raiano em território nacional a sofrer os efeitos de uma diminuição eventual de caudais neste curso de água transfronteiriço, todo ele incluído na área do Parque Natural do Douro Internacional (PNDI)”, disse.

Portugal e Espanha comprometeram-se na quarta-feira a encontrar “soluções que minimizem os impactos” da seca, admitindo preocupação perante as previsões meteorológicas que obrigarão ao reforço da coordenação da gestão da água e da libertação de caudais.

O compromisso foi assumido numa declaração conjunta de Portugal e Espanha, divulgada pelo Ministério do Ambiente e da Ação Climática, depois de os dois países terem acordado reduzir as descargas de água de barragens espanholas da bacia do Douro, assumindo a impossibilidade de cumprimento dos caudais mínimos acordados.

No texto, os executivos confirmam que até sexta-feira, quando termina o atual ano hidrológico, Espanha “não irá cumprir com os caudais anuais nos rios Tejo e Douro, que se antecipa que fiquem em cerca de 90% dos valores estabelecidos na Convenção”.

O biólogo lembrou que “há compromissos assumidos entre os dois países ibéricos” e considerou que “não se pode nadar para trás, porque poderá a médio prazo haver consequências graves para o ecossistema do Douro Internacional”.

Para José Pereira, as primeiras espécies a “sofrer” com a redução de caudais, se não forem respeitados os mínimos, são as piscícolas, e este efeito depois alastra-se a todo “um rico” ecossistema natural.

“É preciso manter a força física e química das águas do rio Douro para manter toda a sua biodiversidade”, vincou José Pereira.

A Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural é uma entidade sem fins lucrativos, criada em 2000, que tem como missão conservar a biodiversidade, os ecossistemas selvagens, florestais e agrícolas e preservar o património rural edificado, bem como as técnicas tradicionais de construção.

A área de intervenção da Palombar é principalmente a região de Trás-os-Montes, contudo, a associação tem vindo a expandir o seu território de atuação.

Na sequência de uma reunião no sábado entre os governos dos dois países, foi tomada "de comum acordo" a decisão de "reduzir a descarga de água das barragens hidroelétricas durante esta última semana do ano hidrológico, perante a evidência de que já não se vai cumprir a 100% o estipulado na Convenção de Albufeira", que rege a gestão e os caudais dos rios partilhados por Portugal e Espanha, segundo uma resposta enviada na quarta-feira a questões da agência Lusa da assessoria de imprensa do Ministério da Transição Ecológica e Desafio Demográfico espanhol (MITECO).

Operação "Censos Sénior" 2022 da GNR começa hoje

 A Operação “Censos Sénior 2022”, promovida pela GNR, arranca hoje e decorre ao longo do mês de Outubro.

A operação, no âmbito do Policiamento Comunitário, que abrange todo o território nacional, implica acções de patrulhamento e de sensibilização à população mais idosa, em especial com maior vulnerabilidade, que vivem sozinhos ou isolados.

O objectivo é reforçar os comportamentos de segurança que permitam reduzir o risco dos idosos se tornarem vítimas de crimes, nomeadamente em situações de violência, de burla e furto.

Na edição de 2021 da Operação “Censos Sénior”, a Guarda Nacional Republicana sinalizou quase 44 mil e 500 idosos que vivem sozinhos, isolados, ou em situação de vulnerabilidade, pela sua condição física, psicológica, ou outra que possa colocar em causa a sua segurança, tendo sido as situações de maior vulnerabilidade reportadas às entidades competentes, sobretudo de apoio social, para fazer o seu acompanhamento futuro.

Em Bragança, no ano passado, foram identificados 3343 idosos em situação de vulnerabilidade, sendo o 5.º distrito com maior número a nível nacional, já Vila Real liderava a lista com 5191 idosos sozinhos ou isolados.

Escrito por Brigantia

Bragança lamenta falta de resposta do governo quanto a financiamento de três barragens candidatadas há 3 anos

 O presidente da câmara de Bragança lamenta ainda não ter tido resposta acerca do financiamento para os três projectos de regadio que pretende implementar no concelho.


Numa sessão sobre cereais em Bragança, em que participou a Ministra da Agricultura e Alimentação, ainda que à distância, o autarca aproveitou para lembrar que as três barragens em Parada, Calvelhe e Rebordãos, cujos projectos que têm um custo estimado de 33 milhões de euros, já foram candidatadas e ainda não receberam luz verde para avançar. Hernâni Dias considera que perante a necessidade de fazer face às alterações climáticas nomeadamente à seca estes são investimentos fundamentais.

“Ouvimos a senhora ministra falar nesta necessidade do regadio e é curioso que, numa altura em que se acentuam as dificuldades resultantes das alterações climáticas, não haja nenhuma resposta, nem medida concreta no sentido que possam ser respondidas. Os territórios do Interior e do distrito de Bragança, Trás-os-Montes necessitam urgentemente de grandes investimentos de regadio, como esta já devidamente identificado e é pena que essas situações já estudadas não vão aconteçam de forma rápida para colmatar os problemas que vão surgindo por falta de água”, sublinha.

Perante a falta de aprovação dos projectos, o autarca teme que uma não resposta por parte do ministério signifique que a construção das barragens não verá tão cedo financiamento.

“Considero que uma não resposta é uma desconsideração por quem coloca as questões, e obviamente que se não há resposta podemos considera-la um não. Se temos respostas, sejam mesmo negativas podemos contestá-las, assim temos de ficar a aguardar, mas nada acontece porque ninguém toma decisão absolutamente nenhuma”, sublinhou.

O município pretende obter financiamento para os três regadios e afirma que será uma desilusão se não houver fundo para nenhum deles, falando em desinvestimento no interior. “Confesso que ficarei tremendamente desiludido se não houver financiamento para nenhuma destas barragens, tendo em conta a necessidade que existe, tendo em conta os volumes financeiros do PRR, que deveriam ser também destinados ao sector primário, e perante tudo o que vai sendo dito por parte do Governo em relação à necessidade de investimento, e a verdade é que continuamos a assistir a um desinvestimento total nos território do interior nomeadamente num sector de ajuda tão carente como o sector primário”, criticou.

Na intervenção por videoconferência, a ministra da tutela, Maria do Céu Antunes, não se referiu a estes projectos para o concelho de Bragança, no entanto, afirmou que Trás-os-Montes é uma das regiões mais dinâmicas no aproveitamento dos recursos financeiros para o regadio e salientou que o Governo está a actualizar o programa de regadio 20/30. 

Escrito por Brigantia
Jornalista: Olga Telo Cordeiro

Mirandela apresenta Plano Municipal de Combate ao Desperdício Alimentar

A OITAVA PRAGA

Por: Humberto Pinho da Silva 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


"Terrim, terrim, terrim..."

Toca o telefone. Corro para atender. Do outro lado, uma voz feminina, muito amável, diz:
- Estou a falar com o senhor ...
- Sim.
Estamos a fazer um inquérito sobre saúde. O senhor tem: diabetes, dores na coluna ou fungos nos pés?
- Graças a Deus não tenho nada.... Tenho plano de saúde... Não estou interessado.
- Mas, não venho vender plano de saúde! apenas conhecer, se está satisfeito com a saúde em Portugal?!
- Já lhe disse, minha senhora, que não me interessa...
Mas... sabe, que hoje já se cura o seu mal?
- Olhe: desculpe. Vou desligar...
No dia seguinte soa, novamente, o telefone:

" Terrim, terrim , terrim"...
É número desconhecido. Atendo a medo:
- Estou!
- Venho solicitar um auxílio.... Sou encarregada de infantário. Vamos levar as crianças à praia. Algumas são pobres, e não podem pagar o transporte. Não quer contribuir? É uma obra de caridade!
- Minha senhora, se fosse contribuir para todos que me pedem, não chegaria a minha modesta reforma...
- Mas, olhe: todos temos obrigação de auxiliar, principalmente as crianças necessitadas. Não vai impedir de elas irem à praia!.... Como cristão, tem obrigações!... Depois o que são dez ou vinte euros?
- Minha senhora: tenho que fazer, não posso manter a conversa, com licença...
Acabo de almoçar. Sento-me para assistir ao noticiário da uma:

" Terrim, terrim, terrim..."
Levanto-me para atender. Do outro lado, voz lânguida e doce, diz-me:
- Sou da empresa X. Venho perguntar se a Internet que tem, chega?
- Chega muito bem!...
- Mas, certamente, quer outra mais rápida?
- Para o que faço... Na minha idade, é o suficiente...
- Que idade tem?.... Certamente tem filhos e netos...
- Não, obrigado.
- Não quer mais canais?!...
- Dispenso: os portugueses e mais dois estrangeiros, basta... Para que quero eu chineses... e em línguas que não entendo?
- Certamente precisa de canais temáticos?
- Já lhe disse que não.
Deito-me para curta sesta. Dormito...

" Terrim, terrim, terrim..."
Ergo-me estonteado:
-Alô!...
- É de casa particular? 
- É sim.
- A sua água é boa? 
- Penso que sim...
- Qual é o seu nome?
- Que interessa o meu nome?!...
- É para fazer um inquérito...
- Onde mora?
- Desculpe, não dou informações pelo telefone.
Desligo.
 São: Bombeiros, Asilos, Infantários, Casa de Caridade, e até Fundações!...
Muitas empresas, como seria natural, em lugar de darem benesses aos clientes antigos, tentam "tosquiá-los", certamente por serem fiéis...
O telefone fixo ou móvel, passaram a ser uma praga. Já não me refiro às mensagens...
É pior que as pragas do Egipto.

Humberto Pinho da Silva
nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG”. e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ".

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Apresentação do livro "Vilarelhos, tempos e memórias", de Francisco José Lopes

Convento de Balsamão recuperado para recuperar singularidade original

 O convento de Balsamão, em Macedo de Cavaleiros, será alvo de um projeto de recuperação para recuperar "a singularidade original", anunciou hoje aquela entidade, em comunicado.


"O novo projeto de Balsamão visa recuperar a singularidade original, projetando o futuro alicerçado na génese do lugar "o bálsamo" oferecendo a espiritualidade, a saúde, o cuidado, o acolhimento mas também os produtos, as tradições e a cultura àqueles que se acolhem, sem descuidar a espiritualidade e a natureza que o envolvem", lê-se.

De acordo com os responsáveis do projeto, "está perfeitamente alinhado com o plano estratégico de desenvolvimento das terras Trás-os-Montes que identifica como urgente a implementação de ações que potenciam o crescimento desta região de baixa densidade. Irá desenvolver toda uma dinâmica que revitalizará todo este espaço) através da reabilitação das termas de água sulfúrea, requalificação do convento parte dele com classificação hoteleira, um museu, uma biblioteca, um multiusos, um pequeno centro de lavoura com dimensão agro-artesanal com a exploração da propriedade agropecuária e florestal (150 ha) e respetiva transformação de produtos com uma cervejaria, destilaria e cozinha

tradicional, a melaria e a velaria e comercialização dos produtos sob a vertente da economia social (azeite, mel, frutos secos, compotas, cerveja, licores, fumeiro, vinagre,...) os trilhos terapêuticos (sensoriais de inclusão), tudo isto envolvido num espaço natureza de singular beleza em termos de geo e biodiversidade numa envolvente espiritual única".

"São símbolos a LUZ, ÁGUA E SILÊNCIO e assenta em 5 pilares: Espiritualidade; Saúde; Cultura; Natureza; Preocupação social. Com este projeto os Marianos da Imaculada Conceição, querem continuar o legado do seu fundador em Portugal, Fr. Casimiro Wyszynski, caminhar com a humanidade, fazendo suas as preocupações da Terra (Laudato Si), continuar a ser ponto de união e comunhão entre todos no anúncio do Amor Misericordioso de Deus", lê-se ainda.

A apresentação pública do projeto acontece esta sexta-feira, inserida nas Jornadas Culturais de Balsamão e conta com a presença esperada da Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.

AGR

Jorge Costa será o novo diretor do Museu do Abade de Baçal

 O brigantino Jorge Costa será o próximo diretor do Museu do Abade de Baçal, em Bragança, substituindo no cargo Amândio Felício, que desempenhou a função nos últimos quatro anos, confirmou o Mensageiro junto de fontes próximas do processo.

A nomeação deverá ser oficial nos próximos dias.

A alteração no regime jurídico de autonomia de gestão dos museus, monumentos e palácios, obrigou à realização de concursos internacionais para todos.

Para além de Jorge Costa e de Amândio Felício, concorreu também Ana Maria Afonso (anterior diretora), José Paulo Francisco, o Pe. José Ribeiro e Marta Miranda.

O procedimento concursal foi para três anos mas o novo diretor poderá ser reconduzido no cargo.

Amândio Felício deverá manter-se como técnico superior do museu, cargo que ocupava antes de ter sido nomeado diretor pelo anterior Diretor Regional de Cultura, António Ponte, na sequência de outro concurso, tendo substituído Ana Maria Afonso.

Jorge Costa foi, na última década, diretor do Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança.

AGR

CONVERSAS

Por: Maria da Conceição Marques
(colaboradora do "Memórias...e outras coisas...")

Na conversa entre montes
Beijam-se rios e pontes
Fazem-se novelos de sonhos
E…
As estrelas, vêm dançar-me aos pés!
O tempo é tudo o que ganho
Entre nuvens e espinhos,
Pétalas de rosas
Azevinhos,
Rios mares, e marés!
Promessas…
Dúvidas e enganos
Almas com fitas e laços
Lágrimas, colos
Abraços!
Embaraços, de galhos e braços
Nascem nuvens de olhos baços
Aves que voam fugazes!
Almas gémeas e amantes
Pedras, raízes, diamantes
Da vida apenas instantes!
Neles me fico,
Neles me quedo
Estática e muda,
Entre todo este fraguedo
Meu querer
Meu sofrer
caminhando sem ter medo
No teu seio e no teu ser.

Maria da Conceição Marques
, natural e residente em Bragança.
Desde cedo comecei a escrever, mas o lugar de esposa e mãe ocupou a minha vida.
Os meus manuscritos ao longo de muitos anos, foram-se perdendo no tempo, entre várias circunstâncias da vida e algumas mudanças de habitação.

ANTROPOCÊNTRICO

Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Vi por duas ou três vezes na national geographic um programa chamado os Irwins. Nele uma voluntariosa família australiana corre o país em operações de resgate de animais feridos ou em perigo, que inclui centros de acolhimento, tratamentos, cirurgias e restituição ao meio natural sempre que possível. Tudo devidamente acompanhado por apaixonados beijos e abraços aos bichos por parte dos Irwins.
Não duvido das boas intenções, porém delas está o inferno cheio e a mim aquilo parece-me ser o resultado de consciência pesada pelas patifarias que per saecula saeculorum lhes temos andado a fazer. É justo sentir culpa quando fundamentada: uma das bases da nossa civilização reside na convicção da superioridade do homem relativamente aos outros animais, meros objetos para nosso usufruto. Juízos em causa própria que têm servido de justificação para os matarmos a fim de lhes comermos a carne, vestirmos a pele e os considerarmos fonte de inúmeras matérias-primas, os tirarmos aos montes, domesticando-os, para nos protegerem e servirem, os escravizarmos nos trabalhos mais pesados, os cruzarmos entre si, criando raças que satisfazem os nossos caprichos, os enjaularmos e exibirmos como objetos de diversão, os usarmos para descarregar neles ódios e frustrações, os submetermos a torturas indescritíveis na pesquisa científica, os privarmos mesmo do direito à existência provocando a extinção de espécies inteiras.
Muitos povos, partindo do princípio da sacralidade e da dignidade de todos os seres vivos sem exceção, desconhecem aquela hierarquia. O caso mais conhecido são os hindus, mas há outros. Em certas culturas tradicionais, de cada vez que se mata um animal para alimentação ainda se faz uma cerimónia em que se lhe pede desculpa por esse ato repleto de cinismo (como lhe chamou o filósofo edgar morin) que consiste em tirar a vida a um ser para a dar a outro. Nós consideramo-los um estorvo à expansão e à loucura humanas, enclausuramo-los em campos de concentração a que chamamos jardins para os protegermos da sua única ameaça, nós próprios, e em nome da ciência fazemos com eles muitas coisas que têm a marca da arrogância e do preconceito antigo. Inclusive, as relações na aparência mais benignas exibem aquela atitude preconceituosa básica.
Passará pela cabeça da malta do pan que a expressão “animais de companhia” assume que o papel deles é satisfazer uma necessidade humana sem que alguma vez a sua vontade seja tida em conta? Por mais que os apapariquem, ocorrer-lhes-á que obrigá-los a vegetar em apartamentos significa negar-lhes o direito à liberdade no seio da natureza e de acordo com as suas leis? Quais serão os seus sentimentos sobre isso? O que nos diriam se os pudessem exprimir? Tal como muitos outros, os Irwins são sem dúvida sinais de civilização, mostras de que a consciência e o desejo de proteger estão a despontar. É melhor que nada, e por este andar talvez um dia se venha a pedir perdão à bicharada por tanto abuso, como agora se faz com os descendentes dos escravos.
Mas eles parecem-me fazer parte de uma vaga de gente citadina “ambientalista” que não consegue abrir mão de nenhum conforto material, coleciona sempre mais e mais objetos inúteis, venera as mil bugigangas oferecidas pela tecnologia moderna e disfarça através do “protecionismo” extremista o remorso de precisar de três planetas para sustentar o estilo de vida que leva. Também tenho muito respeito pelos animais e sinto um enorme peso por ainda não ter conseguido deixar de os comer.
Tirando esse pecado, sou dos que param na estrada para enxotar uma lebre que se me atravesse à frente do carro (o que já aconteceu várias vezes) e incapaz de fazer mal a seja o que for que mexa, até mesmo a uma mosca exasperante. Mas acho que eles passam bem sem declarações de amor piegas e dispensam absolutamente ser tratados como pessoas. Aliás a nossa ação só os pode prejudicar.
Tirando os que são um produto do nosso egoísmo e não sobreviveriam sozinhos, os que ainda são livres só precisam de nós para que os deixemos em paz. E isso pode começar, por exemplo, por recusar o dogma segundo o qual a população humana deve aumentar de forma desregulada como tem vindo a acontecer. É a maneira mais eficaz de não invadir os seus ecossistemas e de os deixar lá sossegados com a menor intervenção possível da nossa parte.

Eduardo Pires

Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.

O Clã do Leão da Montanha - Na Madrugada dos Tempos – Parte 2

Por: Manuel Amaro Mendonça
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...") 

Há pessoas que são excelentes a executar, mas que não querem liderar, têm medo, não querem tomar decisões. Essas não servem para líderes. Mas fazem coisas que os líderes não fazem.

Belmiro de Azevedo
Empresário e industrial português
(1938-2017)

Uma cabeça espreitou sobre a crista do monte; primeiro apenas um, mas, depois outros se lhe seguiram nervosamente. O vento gelado soprava e pequenos flocos de neve esvoaçavam, colando-se ao rosto e cabelos deles. Havia vários dias que o céu estava coberto de chumbo e a temperatura caíra a pique assinalando o fim daquele verão envergonhado.

Eram um grupo heterogéneo; cerca de vinte homens e mulheres, uns com grossas túnicas de lã e outros cobertos com peles mal curtidas. Todos traziam cabelos compridos que usavam soltos ou amarrados em tranças, alguns dos homens também tinham tranças nas longas barbas. Tinham os rostos e as barbas cobertos de lama branca onde pintaram riscas de carvão. Empunhavam lanças com pontas de pedra lascada e machados do mesmo material.
Assim que subiram aquele monte perceberam que haviam chegado ao seu destino; após a descida que se seguia, a terra lançava-se novamente em abrupta subida para outro monte ainda mais alto que ostentava na sua face a abertura de uma enorme gruta onde tremeluzia a luz de uma fogueira. Haviam partido da aldeia ainda de noite, para chegarem ao raiar do dia.
Baixaram-se, ocultando-se de novo atrás da crista e olharam uns para os outros.
— Chegamos. — Anunciou desnecessariamente com voz grave o homem que ostentava várias tranças no cabelo e na barba cobertos de barro branco. — É ali que eles vivem.
— E agora, como fazemos? — Perguntou um dos mais velhos, com grandes barbas raiadas de pelos brancos. — Atacamos enquanto ainda dormem?
— É o melhor! — Considerou um dos mais novos. — Eles são mais fortes do que nós, qualquer um deles pode com dois de nós… nem sequer sabemos quantos ali estão. Sabes, pai? — Dirigiu-se ao das tranças.
— Não, Asil, não sei. — O homem brincou pensativamente com uma das tranças da barba. — Nunca vimos grupos de caça maiores do que três ou quatro acho que serão poucos mais do que nós, se contarmos as mulheres que possam estar lá.
— Tens de decidir, Erem. — Exigiu o mais velho para o das tranças. — Era o teu filho e meu sobrinho, mas tu é que és o chefe. Foi a ti que escolhemos seguir.
O visado fitou o tio Lemi pensativamente. Quantas vezes vira nele o pai, Birol, tão parecidos que eram. Chegou mesmo a pensar se ele o tinha mesmo seguido ou deixara o irmão a pedido deste para proteger o filho.
Já se havia passado muito tempo desde que abandonaram o clã do Rio Brilhante. Asil era ainda uma criança de colo e Naci crescia na barriga de Zia. Apesar dos desacordos frequentes com o pai, a vida era boa. Não havia fome entre eles; as mulheres enterravam algumas sementes que, junto com as cabras montesas que aprisionavam, as frutas que conseguiam apanhar e a caça abundante, dava para satisfazer a todos. Nos últimos tempos, porém, o seu mundo modificava-se; o chão tremia com frequência e o lago salgado, junto do qual se haviam fixado, alargava-se cada vez mais.
O Xamã dizia que era o Rio Brilhante que enchia o lago, mas ninguém percebia como é que, com tanta água doce, as águas continuavam salgadas.
Gradualmente, os pequenos lameiros que semeavam foram sendo engolidos e a própria aldeia estava novamente ameaçada. A incerteza pairava sobre eles; uns queriam simplesmente continuar a afastar-se um pouco de cada vez, à medida que as margens cresciam, outros queriam ir para nascente, de onde era originário um dos genros de Birol. O chefe, porém, decidiu que rumariam a poente a caminho da gigantesca cascata que um outro clã disse que engordava o “seu” lago; teria de ser a sua vontade a prevalecer.
Foi o filho do chefe, no entanto, o causador da dissensão; queria seguir as estrelas-guias, escalar as montanhas para as terras altas e entrar no território dos homens-macaco. Muitos anos antes dele nascer, estavam ainda cobertas de gelo, mas agora eram grandes extensões verdejantes com manadas de auroques, gazelas e alguns mamutes. Não queria seguir o pai e Birol, que era um grande líder amado por todos, aceitou a decisão do filho com grande tristeza. O clã do Rio Brilhante, cuja dimensão de mais de cem elementos era extremamente invulgar, ficou reduzido a menos de setenta.
Erem e a sua companheira Zia com os seus quatro filhos, dois deles já com mulher e crianças, fizeram-se acompanhar de dois irmãos dele e três dela com respetivas famílias, além do tio Lemi, as suas duas mulheres e toda a descendência, formaram um novo clã com cerca de trinta almas. Do alto de um promontório acenaram o adeus a Birol e aos seus companheiros no fundo do vale, que partiam ao longo da margem do lago salgado, rumo ao sol poente. Aquele promontório tinha a forma de uma cabeça de leão e resolveram assumir esse nome; assim nascia o clã do Leão da Montanha.
Cedo conseguiram deixar as tendas e construir casas em pedra ou madeira que cercavam pequenos campos onde cresciam alguns legumes e vagueavam as cabras do rebanho comum. Nasceram mais crianças, embora também tenham morrido algumas e alguns adultos também. Os acidentes na caça e as doenças aconteciam e os recém-nascidos por vezes morriam à nascença ou com poucos dias de vida, mas o saldo era positivo e agora eram quase quarenta indivíduos.
Nos primeiros tempos, Erem ainda fez deslocações esporádicas à Pedra da Cabeça de Leão para olhar as terras baixas de onde viera, na esperança de ver Birol e os seus homens. Mas em vez disso, via como o lago se tornava descomunal, a outra margem perdendo-se de vista e poucos animais se divisavam junto das águas salobras.
Tiveram quase logo alguns recontros violentos com pequenos grupos de homens-macaco e isso raramente acontecia no vale do lago salgado pois normalmente não desciam lá, mas Erem já sabia que este era o território deles. Quem os batizara, fora alguém do clã de Birol dizendo que, cabeludos como eram, pareciam os macacos que viviam nas árvores do outro lado do lago salgado. Eles mantinham-se à distância e fugiam à sua aproximação dos membros do clã, o problema era que, quando a caça escasseava, tornavam-se mais atrevidos, atacavam os caçadores, ou roubavam a carne que secava ao pé das fogueiras.
Normalmente, os confrontos cingiam-se a uma troca de pancadas com as lanças grossas que usavam, ou algumas pedradas para afugentar, mas o último deles fora o pior; os caçadores reagiram e não deixaram que os homens-macaco levassem a caça. Além dos costumeiros braços partidos e cabeças rachadas, também os atacantes levavam alguns feridos com eles, mas Nuri, o filho mais novo de Erem e Zia ficara caído sem vida; uma pancada na cabeça fora-lhe fatal.

Manuel Amaro Mendonça
nasceu em Janeiro de 1965, na cidade de São Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, a "Terra de Horizonte e Mar".
É autor dos livros "Terras de Xisto e Outras Histórias" (Agosto 2015), "Lágrimas no Rio" (Abril 2016), "Daqueles Além Marão" (Abril 2017) e "Entre o Preto e o Branco" (2020), todos editados pela CreateSpace e distribuídos pela Amazon.
Foi reconhecido em quatro concursos de escrita e os seus textos já foram selecionados para duas dezenas de antologias de contos, de diversas editoras.
Outros trabalhos estão em projeto e sairão em breve. Siga as últimas novidades AQUI.