sábado, 31 de julho de 2021

O que procurar no Verão: a salgueirinha

 Fique a conhecer esta bonita planta, cujas flores embelezam agora as margens ribeirinhas de muitos cursos de água de Portugal Continental.

Foto: Manfred Heyde/Wiki Commons

Esta semana celebrou-se o “Dia internacional da Conservação da Natureza”, mas também se esgotaram os recursos naturais anuais do planeta calculados para 2021, e atingimos o “Dia da Sobrecarga da Terra”.

Essa determinação é feita através do cálculo da Pegada Ecológica, que permite quantificar a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais e medir qual deveria ser o padrão ideal de consumo. Se soubéssemos controlar esses consumos, teríamos recursos naturais para todo o ano e não seria necessário ir além da capacidade da Terra. 

É urgente saber gerir, restaurar, usar e poupar os ecossistemas, para não ameaçar a biodiversidade e todos os recursos naturais ainda disponíveis.

Adoramos explorar e encontrar o que a natureza tem para nos oferecer e as flores da salgueirinha (Lythrum salicaria), também conhecida como salgueira, erva-carapau e salicária, embelezam agora as margens ribeirinhas de muitos cursos de água de Portugal Continental.

A salgueirinha

A salgueirinha é uma planta herbácea perene, da família Lythraceae, que pode atingir até 1,5 metros de altura. Forma um rizoma (caule subterrâneo) lenhoso com raízes muito superficiais e de onde surgem inúmeros caules avermelhados, direitos, ramificados, ocos e de secção quadrangular. 

Foto: GartenAkademie/Wiki Commons

As folhas apresentam morfologia variada na forma e tamanho e no tipo de indumento que as cobre. São inteiras, sésseis, com forma ovada a oval-lanceolada, por vezes linear, com base arredondada, ápice agudo e margem ondulada. São esparsamente a densamente pubescentes ou glabras, e surgem opostas nos caules ou em verticilos de três e são amplexicaules. Nas hastes florais as folhas surgem reduzidas a brácteas lineares com base esbranquiçada e ponta avermelhada.

As flores da salgueirinha despontam no verão, entre junho e setembro. São pequenas, hermafroditas (femininas e masculinas) e agrupam-se em inflorescências terminais. Possuem uma corola formada por seis pétalas de cor púrpura a rosa, com nervuras bem definidas, de púrpura mais escuro. As pétalas são protegidas por um cálice de seis sépalas triangulares, peludo e de a cor avermelhada. 

Foto: Agnieszka Kwiecień, Nova/Wiki Commons

O fruto é uma pequena cápsula acastanhada, ovóide, ligeiramente achatada e deiscente, que contém numerosas sementes elipsoides, leves e pequenas, facilmente dispersas pelo vento.

A raiz etimológica do nome científico desta espécie é curiosa e deve-se em particular ao tipo de folha e à cor das suas flores. O nome do género Lythrum deriva do grego Lythron, que significa “sangue”, devido à cor das pétalas. A designação salicaria deriva do latim e do nome genérico Salix, e significa “semelhante ao salgueiro”, muito devido à afinidade entre esta planta e os salgueiros, pela parecença das suas folhas com as destas plantas, além de crescer e de se desenvolver no mesmo habitat.

Origem e habitat

A salgueirinha encontra-se amplamente distribuída em todo o mundo. É uma espécie nativa da Europa, Ásia e norte de África, e profusamente introduzida na América do Norte, na faixa oeste da América do Sul e no sul de África.

Em Portugal distribui-se um pouco por todo o território continental e não há registo desta espécie nos arquipélagos.

É uma planta de sol, que também se pode desenvolver em locais de sombra parcial, em locais expostos ou abrigados. Tolera quase todas as condições edáficas, desenvolvendo-se bem em solos de pH ácido, neutro ou alcalino, em solos argilosos, calcários ou arenosos, desde que o solo esteja sempre húmido.

Vive em lugares permanentemente húmidos ou encharcados, preferencialmente perto de cursos de água, como margens de rios, riachos, lagos, tanques, etc., ou em valas e zonas de pastagem onde as condições de encharcamento ou humidade sejam elevadas. É tolerante à salinidade, podendo desenvolver-se em zonas pantanosas e estuários dos rios.

A salgueirinha é uma espécie invasora em regiões onde foi introduzida (Estados Unidos). A ausência de inimigos naturais tornou-a numa espécie particularmente agressiva, pois cresce vigorosamente e expande-se muito rapidamente, sendo responsável pela degradação de ecossistemas naturais, competindo com a vegetação nativa dessas regiões. A sua disseminação descontrolada pode provocar a obstrução dos cursos de água, a diminuição da diversidade biológica nativa e a disponibilidade de alimento.

É uma planta melífera e ecologicamente é uma espécie muito atractiva para espécies de insectos polinizadores, como abelhas e borboletas. Várias espécies de gorgulho também criaram associações com esta planta, alimentando-se das suas folhas e botões florais, podendo causar alguns prejuízos no normal desenvolvimento destas plantas. 

Refúgio secreto dos duendes

A salgueirinha é rica em taninos, açúcares, salicarina, colina, provitamina A e ferro. É uma planta adstringente, cicatrizante e tónica, estando comprovada a sua eficácia no tratamento de diarreia e disenteria, assim como para combater as cólicas dos recém-nascidos. É ainda usada no tratamento de hemorragias internas e nasais e no tratamento de feridas em geral. 

Externamente é útil em compressas para alívio dos eczemas, varizes e hemorróidas, e é ainda utilizada em bochechos para o sangramento das gengivas. Também é usada como antibiótico e, na cosmética, como máscara facial. 

As folhas e flores frescas ou secas usam-se em infusões e os rebentos jovens e frescos podem ser consumidos cozidos, como hortaliça, em saladas e sopas. As flores são usadas como corante para rebuçados.

Desta planta é feito um produto de preservação de madeiras e de cordas contra o apodrecimento causado pela água. 

Espetacular em plena floração, pela abundância de flores por um longo período de tempo, do início ao fim do verão, a salgueirinha pode ser uma boa opção para complementar e ornamentar um pequeno jardim aquático. É ideal em canteiros e bordaduras, para jardins de brejos e ao longo de lagoas e riachos.

Foto: AnRo0002/Wiki Commons

No entanto, na hora de instalação de um jardim combinado com a salgueirinha, deve ter-se o cuidado de selecionar plantas para crescer em competição, uma vez que esta apresenta facilidade e rapidez em colonizar áreas húmidas, bem como uma grande capacidade de dispersão de sementes, o que pode suprimir ou limitar o crescimento e desenvolvimento das outras plantas.

A salgueirinha é vista como uma planta misteriosa envolta de muitas lendas. Nos meios rurais era vista como o refúgio secreto dos duendes que guardavam as minas de ouro, pois esta planta era vista como um verdadeiro tesouro, muito utilizada por toda a Europa. 

Mais uma bonita planta para explorar durante o verão. Mas não se esqueça de apreciar a sua beleza natural sem as colher e sem as cortar, preservando-as.

Dicionário informal do mundo vegetal:

Rizoma – Caule subterrâneo, que cresce geralmente na horizontal, com aspeto de raiz, composto de escamas e gemas, como se de um caule aéreo se trata-se. 
Sésseis – as folhas não possuem pecíolo (haste de suporte), inserindo-se diretamente no caule.
Ovada – folha com a forma de um ovo mais larga e arredondada perto da base.
Oval-lanceolada – folha com base atenuada e à medida que chega ao ápice vai ficando com forma oval.
Linear – folha estreita e comprida (comprimento é 6 a 12 vezes mais do que a largura), com margens quase paralelas.
Amplexicaule – folha cuja base envolve parcialmente o caule, sem o cercar totalmente.
Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Deiscente – fruto que, quando maduro, se abre naturalmente para libertar as sementes.

Carine Azevedo

Quatro peritos mostram como a agricultura pode ajudar ou destruir a biodiversidade

 Falta pouco para entrar em consulta pública no nosso país o Plano Estratégico para a Política Agrícola Comum (PEPAC) para o período de 2023-2027. Quatro peritos falam de como a agricultura pode ajudar ou prejudicar a natureza.


WILDER
: Quais os maiores impactos negativos da agricultura na biodiversidade em Portugal?

Maria Amélia Martins-Loução (SPECO): O maior impacto é a extensão, a massificação de culturas todas iguais (clones, sem variabilidade genética) e o tipo de exploração, intensivo, à base de rega e de nutrientes. As culturas, por si, não são gravosas. A principal questão tem a ver com a extensão das explorações e o modo como são exploradas como culturas únicas: o olival, o amendoal, daqui a pouco o nogueiral, mesmo a vinha, como culturas contínuas.

Domingos Leitão (SPEA): Os ecossistemas terrestres mediterrânicos beneficiam com um certo grau de intervenção humana. Por isso, muitos sistemas agro-pastoris ditos tradicionais albergam mais espécies de fauna e flora do que os sistemas naturais originais. O problema é quando o grau de intervenção humana aumenta para aquilo que se chama o uso intensivo e as estruturas naturais desaparecem completamente. A intensificação da agricultura é responsável por uma simplificação da paisagem, devido ao aumento do tamanho da parcela agrícola, à predominância de um único tipo de cultivo (monocultura) e ao desaparecimento ou redução drástica de estruturas “não produtivas” (bosques, bosquetes, sebes e linhas de árvores, margens naturais de ribeiras e linhas de água, charcas e outras zonas alagadas, e áreas rochosas ou pedregosas). Uma paisagem mais simples não possui os nichos de habitat suficientes para albergar muitas das espécies rurais mais especializadas, ficando apenas as poucas espécies generalistas. Adicionalmente, a intensificação agrícola acarreta também uma mobilização do solo mais frequente, uma utilização maior de fitofármacos e em muitos casos a cobertura com plástico, destruindo a biodiversidade do solo e o que restava da biodiversidade da vegetação.

Num primeiro plano, os cultivos mais graves neste momento são a intensificação associada ao regadio, que possibilita monoculturas intensivas de olival, amendoal, abacate, hortícolas e frutícolas, por vezes com estufas e outros processos extremamente artificiais que provocam a obliteração total da biodiversidade natural de vastas áreas do território. Num segundo plano, algumas formas de cultivo tradicionais, numa tentativa de competir com o intensivo aumentam o uso de fitofármacos e o uso do espaço levando a problemas adicionais em larga escala. Um exemplo é o aumento da densidade de animais nas explorações bovinas, levando frequentemente ao sobre pastoreio e à destruição dos habitats.

A agravar ainda mais o cenário de falta de espaço e artificialização do uso do solo, temos um aumento das mega-centrais fotovoltaicas.

Eduardo Santos (LPN): Alguns dos maiores impactos da agricultura sobre a biodiversidade estão relacionados com as mudanças nos usos do solo e com a degradação de habitats de espécies protegidas e/ou dos recursos naturais de que as mesmas dependem (como seja da quantidade e qualidade da água). Em particular é a intensificação agrícola e a adopção de práticas insustentáveis ou desadaptadas às nossas condições naturais que causam este tipo de problemas. Nesse sentido é a expansão descontrolada do regadio/culturas intensivas (ex. culturas permanentes super-intensivas de olival, amendoal ou outros pomares intensivos e muito consumidores de água e de fertilizantes/fitofármacos), o sobre-encabeçamento pecuário, ou como recentemente se denunciou na Costa Sudoeste, a instalação desregrada e o rápido aumento da área de estufas/culturas cobertas.

Catarina Grilo (ANP-WWF): A questão da intensidade da agricultura é deveras preocupante e já tem implicações na qualidade de vida das populações que vivem perto destas culturas (há relatos recentes, incluindo em notícias), e mais cedo ou mais tarde terá também na saúde dos consumidores. Há culturas e modos de produção que são desadequadas para as condições edafo-climáticas (solo e clima) que temos: cultivar abacates, uma cultura tropical que precisa de muito calor (que temos) e muita água (que não temos) não faz sentido, e não é por acaso que os abacates não são originários de cá. Por muito eficiente que possa ser uma produção de abacates em termos de consumo de água, continuará sempre a consumir muita água que não temos. Os modos de produção intensivos também são desadequados para os nossos solos, maioritariamente pobres.

W: De que forma pode a agricultura fomentar a biodiversidade? Que exemplos concretos de medidas que os agricultores podem tomar?

Maria Amélia Martins-Loução: Deixando manchas biodiversas entre explorações, mantendo a variabilidade genética das cultivares como reduto, não limpando as entrelinhas, o que significa deixar mais espaço entre culturas para manter alguma biodiversidade. Claro que a parte económica também é importante, por isso o que é produtivo devia ser incentivado mas com regulação em termos de água e nutrientes. A agricultura consome mais de 70 % da água doce disponível, maioritariamente de rios e toalhas freáticas. Mas as alterações globais, a poluição e a sobreexploração irão afectar a quantidade e qualidade de água disponível. 

O modo como o sistema responde depende da diversidade de organismos, abaixo e fora do solo, que desenvolvem diferentes funções complementares que operam como um todo. A diversidade do solo é uma componente ecológica responsável pela funcionalidade do ecossistema, que explica a capacidade competitiva das espécies, os padrões de co-ocorrência dessas espécies, o estabelecimento de comunidades, a estabilidade do sistema, a produtividade e o balanço dos nutrientes. A lição aqui é óbvia: se um sistema agrícola tiver diversidade funcional todo o sistema é mais produtivo, menos afecto a pragas e mais resiliente face a extremos climáticos. Trata-se de um modo de gestão agrícola que tem por base o conhecimento ecológico sobre a gestão dos ecossistemas naturais. O foco é aumentar a capacidade de armazenamento de carbono e recuperar solo.

Domingos Leitão: Ao nível das estruturas não produtivas da paisagem, os agricultores podem proteger bolsas de biodiversidade que existem nas suas explorações, mantendo as sebes e bosquetes, as galerias de vegetação arbustiva e arbórea nas margens das ribeiras e canais, e as charcas e áreas paludosas que possam ter nas margens dos campos. Manter o que existe não dá trabalho, nem tem custos adicionais. Mas também podem criar refúgios para a fauna e flora, com custos económicos mínimos, através da manutenção de faixas por lavrar de vegetação natural juntos às linhas de água, margens dos campos e cabeceiras rochosas, construção de montes de pedras e troncos (maroços), instalação de caixas-ninho e criação de charcas artificiais com vegetação palustre.

Ao nível da gestão agrícola, só com a diversificação de cultivos já favorecem a biodiversidade. Depois podem optar por implementar rotações de cultivos com pousios, por modos de produção extensivos, deixar restolhos por lavrar, reduzir a densidade de gado nas pastagens, entre muitas práticas que deviam ser apoiadas pela PAC e não são.

Eduardo Santos: Embora representem ainda a menor parte do investimento da PAC, existem já medidas/apoios agroambientais que promovem espécies e habitats naturais, que devem ser ampliados, melhorados e replicados. É o caso das medidas dirigidas às aves estepárias no âmbito do plano zonal de Castro Verde (com apoios para a rotação ceral/pousio, por exemplo), a medidas para o lobo-ibérico (que apoia produtores pecuários extensivos a prevenirem prejuízos causados por esta espécie), ou os pagamentos Natura (como medida de discriminação positiva para as explorações localizadas em Rede Natura 2000). A agricultura, silvopastorícia e produção florestal podem, e frequentemente são, um aliado fundamental na conservação da natureza, têm apenas de ser desenvolvidas de forma sustentável e conciliada com os valores naturais de cada local. Só assim teremos uma PAC e uma agricultura que sirva as pessoas, a economia e o ambiente.

Catarina Grilo: É preciso também trazer os representantes destes agricultores e gestores bem intencionados para a discussão e ter os seus contributos em conta. O atual PEPAC claramente não os teve. Mas a incorporação de medidas que incentivem a proteção da biodiversidade, um uso parcimonioso da água, a recuperação de solos degradados, a mitigação das alterações climáticas, etc., não se faz só com a participação dos representantes dos agricultores. As ONGA, as associações de consumidores, entidades da área da saúde e da conservação da natureza, associações de desenvolvimento local – todos são também partes interessadas e com conhecimento aprofundado para contribuir para que o PEPAC, e a agricultura nacional, possa fazer a transição para a sustentabilidade que tantos desejam.

W: Actualmente, quais os maiores obstáculos à criação de mais espaço para a natureza em terrenos agrícolas em Portugal, por parte de agricultores e gestores de terrenos bem intencionados? 

Maria Amélia Martins-Loução: Julgo que hoje em dia há já novos agricultores sensíveis para estas questões. Mas a formação contínua, o apoio técnico-científico e supervisão são necessários. Há mesmo casos de sucesso onde se privilegia a biodiversidade entre linhas de culturas, em manchas laterais acessórias. Mas tudo isto devia ser incentivado e até premiado para que mais agricultores possam seguir estes exemplos. Diminuir a produção total, tendo por base assegurar uma diversidade funcional, tanto abaixo como acima do solo, com repercussões positivas para a sua resiliência pode e deve ser uma mais valia a ser incentivado até como minimização das alterações climáticas. 

Domingos Leitão: Sem dúvida é a falta de informação e de incentivo económico para isso. Muitos agricultores implementam já práticas benéficas que não têm custos, mas muito poderia ser feito se houvesse exigência e incentivo para isso na PAC. A exigência com respeito à agricultura intensiva, mais destrutiva, que não deveria receber qualquer apoio da PAC se não implementasse as medidas básicas e efetivas de proteção do solo, água e biodiversidade. Incentivo para a agricultura extensiva, com práticas e variedades tradicionais, que deve ser apoiada pelos benefícios públicos que produz.

E depois temos os agricultores dentro da Rede Natura 2000, que têm que manter práticas agrícolas especiais, pouco produtivas e que o mercado não remunera, como a rotação com cereal de sequeiro nas ZPE (Zonas de Protecção Especial) estepárias no Alentejo, o barrocal no Algarve, os olivais em socalco no centro e Norte interior ou o pastoreio de percurso nas montanhas. Estes agricultores e criadores de gado têm de ser apoiados, porque precisamos do seu trabalho para manter paisagens e ecossistemas ameaçados. Se não o fizermos vamos perder as pessoas e o património natural que protegem. A verdade é que até agora não foram suficientemente apoiados. Dos mais de 4.000 milhões de euros que a PAC coloca em Portugal, o Ministério da Agricultura apenas retirou 1,2% (pouco mais de 50 milhões) para medidas de apoio à agricultura na Rede Natura 2000, que ocupa 20% do território. Tinha prometido mais, mas a meio do quadro de apoio desviou dinheiro da Rede Natura 2000 para mais regadios no Alentejo.

Com falsas políticas ambientais, medidas pouco exigentes e sem o investimento necessário não vamos conseguir proteger a rica biodiversidade dos meios rurais.

Eduardo Santos: Claramente, falta uma PAC que promova verdadeiramente esse objectivo, com incentivos adequados técnica e financeiramente e sem subsídios/apoios perversos que actuem em sentido contrário (como tem acontecido até agora). O Plano Estratégico nacional para a PAC tem a obrigação de promover este tipo de objectivos, gerando evidentes benefícios sociais e ambientais com o enorme investimento financeiro que esta política representa, e não perpetuando uma estratégia de produção agrícola insustentável e lesiva do interesse (da saúde) dos cidadãos e da natureza. 

Saiba o que pensam 15 associações portuguesas sobre o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PAC) para 2023-2027. Leia AQUI.

Em 29 de Julho, esgotámos os recursos naturais da Terra para 2021

 Ainda faltam cinco meses para 2021 terminar e os ecossistemas do planeta já esgotaram os recursos naturais que podem fornecer à humanidade, conseguindo regenerar-se. O Dia de Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) deste ano chega a 29 de Julho.


“O Dia da Sobrecarga da Terra assinala o dia em que a necessidade de recursos e serviços ambientais por parte da Humanidade excede a capacidade do Planeta Terra para regenerar esses mesmos recursos”, explica a hoje a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável em comunicado enviado à Wilder.

A partir de hoje temos de usar recursos naturais que só deveriam ser utilizados a partir de 1 de Janeiro de 2022.

Em 2020, este mesmo dia foi assinalado a 22 de Agosto, como resultado da paragem brusca a nível mundial causada pela pandemia. Esta levou a uma redução muito significativa da actividade económica em praticamente todo o planeta.

“Este ano verifica-se o expectável: na ausência de medidas estruturais que promovam um novo paradigma de desenvolvimento, a Humanidade voltou à sua tendência para acionar o cartão de crédito ambiental cada vez mais cedo, tendência apenas interrompida em 2020 devido a fatores conjunturais. Aliás, o dia da sobrecarga do planeta em 2021 é igual ao de 2019 – 29 de julho, demonstrando um claro alinhamento com a preocupante tendência dos últimos anos.”

Esta sobrecarga traz impactos que todos já conhecemos: alterações climáticas, perda de biodiversidade e eventos climatéricos extremos.

No entanto, está ao nosso alcance viver com qualidade e dentro dos limites do nosso planeta, sublinha a organização que, todos os anos desde 2003, faz estas contas, a Global Footprint Network.

A 29 de Julho de 2021, esta organização lançou a iniciativa 100 Days of Possibility. Esta iniciativa pretende revelar diariamente uma solução que pode ser replicada, que já está disponível e que é eficaz até à COP26, em Glasgow, a cimeira que é considerada a última hipótese para os Governos dos países mostrarem que estão empenhados no Acordo do Clima de Paris para travar as alterações climáticas.

O objectivo desta iniciativa é mostrar soluções que já estão a ser aplicadas por cidades e empresas por todo o mundo e que contribuam para adiar o Dia de Sobrecarga do Planeta um pouco mais.

“Não há nenhum benefício em aguardar para tomar medidas, independentemente do que venha a acontecer na COP,” disse, em comunicado, Laurel Hanscom, CEO da Global Footprint Network. “A pandemia demonstrou que a humanidade pode mudar rapidamente perante um desastre, apesar de custos económicos e humanos. Os Governos, instituições e indivíduos que se prepararem vão lidar melhor com as alterações climáticas e as restrições de recursos naturais. Um consenso global não é pressuposto para reconhecermos o risco a que se está exposto, por isso temos de decisivamente agir agora, estejamos onde estivermos”, acrescentou.

A plataforma #MudaaData (#MoveTheDate) tem vários exemplos que incluem a redução do desperdício alimentar, energia inteligente, cimento com baixo teor de carbono, estratégias municipais de desenvolvimento orientadas pela Pegada Ecológica, bem como iniciativas de turismo de baixa Pegada Ecológica.

A portuguesa ZERO defende uma tomada de consciência urgente para a necessidade de alterar o paradigma de desenvolvimento, para conseguirmos promover uma economia que garanta qualidade de vida para todos dentro do respeito pelos limites do planeta.

Como podemos promover a mudança

Segundo a ZERO, se reduzirmos a pegada de carbono em 50% isso permitir-nos-á acionar o cartão de crédito ambiental 93 dias mais tarde (início de Novembro).

Se reduzirmos a nossa pegada ligada à mobilidade em 50% e se assumirmos que um terço dos quilómetros são substituídos por transporte público e os restantes pela bicicleta e andar a pé, acionaremos o cartão de crédito ambiental 13 dias depois (para a segunda semana de Agosto).

Se reduzirmos o consumo de carne em 50% e substituirmos essas calorias por uma alimentação vegetariana, o cartão de crédito seria acionado 17 dias depois (meados de Agosto), com 10 desses dias a resultarem das emissões de metano evitadas.

A redução do desperdício alimentar para metade permitirá atrasar o Dia da Sobrecarga do Planeta em 13 dias (para a segunda semana de Agosto).

Tal como um extrato bancário dá indicação das despesas e dos rendimentos, a Pegada Ecológica avalia as necessidades humanas de recursos renováveis e serviços essenciais e compara-as com a capacidade da Terra para fornecer tais recursos e serviços (biocapacidade).

A Pegada Ecológica mede o uso de terra cultivada, florestas, pastagens e áreas de pesca para o fornecimento de recursos e absorção de resíduos (dióxido de carbono proveniente da queima de combustíveis fósseis). A biocapacidade mede a quantidade de área biologicamente produtiva disponível para regenerar esses recursos e serviços.

Helena Geraldes

Aldeias Históricas de Portugal integram campanha nacional por um turismo responsável

 O verão é, por excelência, a época do ano em que se regista maior afluência nas áreas naturais e protegidas. Para sensibilizar os visitantes, a Aldeias Históricas de Portugal – Associação de Desenvolvimento Turístico juntou-se a 11 redes de turismo portuguesas para reforçar a importância de uma viagem responsável.


Rodeadas de natureza em estado puro, as Aldeias Históricas de Portugal são autênticos refúgios para escapar ao dia-a-dia nas cidades. Com praias fluviais, zonas ribeirinhas, parques naturais, reservas protegidas, paisagens de serra, infinitas planícies, a Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal (GR22) e inúmeros percursos pedestres, no verão, este imenso território torna-se ainda mais apetecível para aventuras a pé ou de bicicleta, ou simplesmente para relaxar.

A preservação da natureza é um dos compromissos das Aldeias Históricas de Portugal – tendo sido, aliás, o primeiro destino em rede, no mundo, a receber o certificado BIOSPHERE DESTINATION. De facto, no ano passado, a Aldeias Históricas de Portugal – Associação de Desenvolvimento Turístico foi o primeiro destino a nível nacional a criar o “Manifesto do Turista Responsável”, lembrando aos seus visitantes a importância do respeito pela natureza.

Este ano, a associação Aldeias Históricas de Portugal junta-se a uma campanha nacional para reforçar o convite a uma viagem responsável. Com o mote “Obrigado por cuidar do nosso país”, a iniciativa é do Turismo de Portugal e junta 12 redes de turismo: ADERE Peneda-Gerês, Aldeias de Montanha, Aldeias do Xisto, Aldeias Históricas de Portugal, Geopark Naturtejo, Heranças do Alentejo, Lugares da Serra Alentejana, Montanhas Mágicas, Rota da Terra Fria Transmontana, Rota do Românico, Termas Centro e Rota Vicentina. 12 redes colaborativas que têm em comum serem procuradas, especialmente no verão, pela sua vasta oferta em Turismo de Natureza e Turismo Ativo.

O objetivo desta campanha é, assim, trabalhar uma literacia para a sustentabilidade, assente na ideia de colaboração, quer internamente através das redes de turismo de Portugal, quer através do apoio aos turistas.

Abastecer-se com produtos locais, deixar menos lixo do que encontrou, respeitar os ritmos de vida locais, investir o valor justo pela qualidade, procurar informações sobre a região e as suas particularidades e não sobrecarregar locais sensíveis, são algumas das mensagens da iniciativa.

Durante o mês de agosto, estas redes de pessoas e territórios irão mostrar – através das redes sociais – que o futuro do turismo está na preservação da natureza e cultura local. Uma mensagem que está em linha com a estratégia de sustentabilidade das Aldeias Históricas de Portugal, uma das prioridades da sua atuação no território.

Depois de anos sem "dar cavaco" à ferrovia, Portugal quer voltar a apanhar comboio do investimento ferroviário

 Portugal tem hoje, em quilómetros, uma extensão de ferrovia idêntica ao que tinha em 1893
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Apanhamos o comboio desta reportagem ainda sem o peso na mochila do anúncio de Pedro Nuno Santos. O ministro das infraestruturas anunciou a 15 de julho o concurso para a compra de 117 automotoras elétricas, no valor de 819 milhões de euros. A reportagem "Próxima Estação - a viagem pela ferrovia nacional" foi desenvolvida, no terreno, entre os dias 15 e 24 de junho.

O motivo que nos levou a pegar na mochila, no gravador, nos bilhetes, e percorrer várias linhas de comboio nacionais (Beira Alta, Beira Baixa, Leste, Alentejo, Sul, Algarve, Oeste) foi a fase de remodelação da ferrovia nacional em que Portugal está, ou parece estar, encarrilado, e ainda o facto de 2021 ser o ano europeu da ferrovia.

Portugal tem hoje, em quilómetros, uma extensão idêntica ao que tinha em 1893. Depois de termos suprimido cerca de 800 quilómetros de ferrovia, sucedem-se, agora, os anúncios de remodelações de linhas, compra de material circulante e as notícias, por um lado, alegram os ferroviários e os defensores desta forma de mobilidade, por outro geram desconfianças. A título de exemplo: Pedro Nuno Santos, ministro das infraestruturas anunciou a 15 de julho o concurso para a compra de 117 automotoras elétricas, no valor de 819 milhões de euros de investimento e que servirá para substituir algum material que tem mais de 70 anos. Contudo, já em 2009 se tinha anunciado a maior compra de sempre para a CP, que nunca aconteceu. E, em 2018, o mesmo ministro anunciava a compra de 22 automotoras aos suíços da Stadler, por 167,8 milhões de euros. Concurso impugnado por outra empresa concorrente e que faz com estas novas composições já não cheguem à tabela: 2023 era o previsto para a chegadas destas 12 automotoras híbridas (capazes de funcionar a diesel e a eletricidade) e 10 elétricas.

Além da renovação do material circulante, há a questão das linhas. Há décadas que Portugal não investia na construção de ferrovia para o serviço de passageiros. Muito pelo contrário, só na década de noventa, por exemplo, o país perdeu cerca de 800 quilómetros de ferrovia no governo de Cavaco Silva. E, depois, de 2009 a 2013, nos governos de José Sócrates e Passos Coelho, observa-se na base de dados Pordata que o país aniquilou mais 300 quilómetros de linhas de comboio.

Nesta reportagem da TSF, conversamos com o jovem peruano Joaquim, a bordo do regional da linha da Beira Baixa, que apanhamos na Guarda, com destino à Covilhã. Joaquim quer conhecer Portugal de comboio. Não lhe dizemos, mas sabemos que não é possível. Há três capitais de distrito, que há décadas que deixaram de ouvir apitar as locomotivas ou as automotoras: Viseu, que agora até é considerada a maior cidade da Europa sem ferrovia, tinha duas linhas: a do Dão (ou ramal de Viseu) encerrada em 1989 e a do Vouga fechada em janeiro de 1990.

A linha do Tua deixou de chegar à capital do Nordeste Transmontano, Bragança, em 1992. Mais tarde, em 2010, também em Trás-os-Montes, Vila Real fica a ver passar comboios e ao lado da ferrovia com o encerramento definitivo da linha do Corgo.

Beira Alta e Beira Baixa unidas de novo, 77 milhões de euros depois

Entramos em Luso-Buçaco nesta viagem de dez dias pela ferrovia nacional. Estamos na linha da Beira Alta. O nosso primeiro destino é a Covilhã, depois de percorrermos a recém-aberta linha da Beira Baixa, entre a Guarda e a cidade do distrito de Castelo Branco que fica numa das encostas da Serra da Estrela.

Na estação da Guarda, conhecemos Gabriel Fonseca, professor que nasceu e cresceu ao lado da linha do comboio, brincou e chegou a trabalhar nos carris, no areeiro: o comboio de mercadorias que levava areia. "Uma das utilizações que dei ao comboio era ir à Benespera, perto da Cova da Beira, com os meus avós que iam lá tratar do olival, até os utensílios levavam e traziam no comboio". Além disso, utilizou o comboio como estudante na Universidade da Beira Interior e via muitos passageiros "com os saquinhos da hortaliça para levar aos filhos".

Enquanto conversamos, estamos sentados na estação da Guarda. Na conversa lembramos o investimento que está a ser feito pela IP, a infraestruturas de Portugal na remodelação da linha da Beira Alta. Entre Pampilhosa e Mangualde, ao abrigo do Ferrovia 2020, são cerca de 60 milhões de euros para renovar túneis e pontes, que são muitos, e todo o atual traçado.

A linha original, de 1883, começava na Figueira da Foz, mas o troço entre o oceano atlântico e a Pampilhosa foi um dos que encerrou em 2009. As velhinhas Allan ainda passavam algumas vezes ao dia e levavam algumas dezenas de passageiros, pelo menos até à estação de Cantanhede.

É na Guarda que a linha da Beira Alta se encontra com a linha da Beira Baixa, que esteve fechada durante 12 anos. O desinvestimento neste troço entre a Guarda e a Covilhã foi de tal ordem que deixou de existir segurança à passagem de comboios.

Depois de cerca de 77 milhões de euros de investimento, a Beira Alta e a Beira Baixa voltam a estar unidas por comboio. Gabriel Fonseca fez parte do movimento que lutou pela reabertura deste traçado e, com ele, Nuno Laginhas e Júlio Seabra. É com "orgulho no nosso país" que vê esta reabertura. "Vê-se a linha a ser frequentada naquele troço, o que é bom", diz Júlio Seabra, que concorda com a realidade de os IC - Intercidades - da linha da Beira Alta com destino à Guarda terem sido prolongados até à Covilhã e vice-versa com os da linha da Beira Baixa.

Agora é preciso, de facto, que as pessoas adiram ao comboio e que aproveitem a reabertura. Júlio Seabra, a viver em Vila Real de Santo António, no Algarve, já foi à Beira Baixa só para fazer a viagem de comboio com os filhos. "Foi um sentimento de bastante alegria. Eles ouviam as histórias que contava quando passávamos na autoestrada e víamos a ferrovia desativada. Foi bom ver-lhes o sorriso na cara quando chegámos à estação da Guarda", partilha.

Na reportagem áudio, ouvimos ainda a história de "Manuel das Cabras", entre a casa de campo e a casa da cidade, e a de Mariana, surpreendida pela beleza do Tejo junto à barragem de Belver.

Dos encerramentos às reaberturas a conta gotas

Em Abrantes, numa estação quase deserta, esperamos pela pequena Allan, a automotora verde, que percorre a linha do Leste, para um lado e para o outro, apenas uma vez por dia.

A linha do Leste foi encerrada em 2012, no governo de Passos Coelho. É mais uma das apostas do atual governo e do impulso da ferrovia nacional. Em 2015 reabriu até Portalegre e em 2017, a automotora voltou a chegar a Elvas, com ligação à fronteira e a Badajoz. Ainda que reaberta, o serviço comercial sabe a pouco. Com apenas um comboio por dia não se cria mobilidade. Quem vai, seja para onde for naquele eixo atravessado pela linha tem de ficar para o dia seguinte ou regressar poucas horas depois na passagem seguinte. Por exemplo, é impossível que alguém que resida em Portalegre trabalhe Elvas ou que de Elvas faça vida em Badajoz.

Maria, que estuda Enfermagem Veterinária na Escola Superior Agrária de Elvas, tem um horário que até encaixa com o da automotora. Como estudante precisa de vir e de regressar a casa apenas uma vez por semana. "Para cá venho sempre de comboio. Há situações em que é difícil optar pelo comboio, mas para mim, até é um horário que dá para conciliar". A estudante não esconde que ter comboio é uma sorte e que "no início fazia a viagem de autocarro, que era mais cansativo e demorava muito mais tempo". Por isso, uma aposta em mais comboios faz-lhe "todo o sentido".

Em cima, escrevemos sobre as capitais de distrito que não têm comboio. Portalegre voltou a ter em 2015, mas é como se não tivesse. Há um para cada lado, o que é muito pouco, e a estação fica fora da cidade e não há ligação com a gare. Afinal, quem usa esta automotora de passagem única? Na reportagem áudio descobrimos a história de Pedro Gil, que percorre o país junto à fronteira, de bicicleta.

Aqui, estamos perto das obras do corredor internacional Sul entre Évora e a fronteira, que vai passar por Elvas. Nesta cidade do interior Alentejano, sonha-se com uma ligação por comboio a Évora. Há quem aqui trabalhe e vá e venha, todos os dias, de carro: cansativo e perigoso.

Este corredor internacional do Sul um investimento do Ferrovia 2020, com um valor base de 105 milhões de euros, para a construção, em via dupla, de 80 quilómetros de linha ferroviária. Há muito que Portugal não construía linhas de comboio.

CP "reparou" as oficinas e impulsionou reconversão de comboios

Fazemo-nos ao caminho, o destino, depois de Elvas, era o Entroncamento, onde estão a renascer automotoras elétricas e carruagens, algumas encostadas há cerca de uma década.

Com o desinvestimento contínuo na ferrovia, também as oficinas da EMEF, agora incorporadas na CP, tiveram uma quebra de produtividade acentuada. Algumas foram mesmo fechadas (Figueira da Foz e Guifões). Um cenário que começou a mudar há pouco tempo.

Entramos nas oficinas da CP no Entroncamento e recebe-nos Pedro Rita, o diretor executivo. "Hoje em dia vive de reposições ao serviço. Tínhamos oito composições que estiveram paradas durante 10 anos. Não comento a estratégia da paragem porque não a conheço, mas pode ter sido algum estudo menos conseguido que chegou à tutela e que tomou a decisão com base nisso", explica.

Todas estas composições já voltaram aos carris da área metropolitana de Lisboa: oito UQEs, a designação oficial destas automotoras: duas de dois pisos e seis de piso térreo.

A CP tem apostado na reparação e requalificação de material circulante que esteve encostado, como já demos conta na reportagem "Defender os comboios é defender o país".

Estas remodelações custam alguns milhões de euros, mas Pedro Rita garante que são mais rápidas e menos dispendiosas que comprar comboios novos. "Isto é um comboio que, entre lugares sentados e de pé, leva 1800 pessoas. Com uma reparação geral, estamos a falar de um milhão de euros e um comboio destes, novo, não custa menos de dez a doze milhões de euros", afirma. E, quando saem das oficinas do Entroncamento, têm um potencial de vida de, pelo menos, 20 anos.

Na reportagem áudio, pode ficar a conhecer a história de Manuel Zacarias, reformado das oficinas da EMEF no Entroncamento, e que lembra os melhores momentos com saudade. Reformou-se como soldador profissional e dava formação a outros que chegaram depois. Enquanto falamos para uma automotora UTE à nossa frente, agora cinzenta e amarela, compradas ainda no tempo "do outro" como diz Zacarias, durante o Estado Novo. Eram todas cinzentas, material americano, transformadas nas oficinas que conhecia como a palma da sua mão.

Uma "escala" nesta reportagem para ir a Beja, o destino das escalas

Vamos até Beja, no Alentejo, uma região que a par de Trás-os-Montes é também dos locais onde o país assistiu ao maior número de quilómetros de ferrovia encerrados.

Exemplos disso são o ramal de Cáceres, entre Torres das Vargens e Marvão-Beirã, com ligação a Espanha, que foi fechado em 2012. Outro exemplo, o ramal de Moura ou linha do Sueste, que ligava Beja a Moura e que fechou ainda em 1990. A própria linha do Alentejo, entre Beja e a Funcheira, que fechou ao serviço de passageiros em 2012, quebrando a ligação direta com o Algarve. Aliás, comprovámos por experiência própria que, para irmos de Beja para Faro, um trajeto de cerca de 150 quilómetros somos submetidos a duas escalas e cinco horas de viagem. Entramos em Beja, somos obrigados a sair em Casa Branca, para apanhar um comboio em direção a Lisboa, para sair de novo no Pinhal Novo e apanhar um IC para o Algarve. Quando olhamos para o mapa de Portugal, é impossível não arregalar os olhos.

É na Casa Branca, a meio de um transbordo obrigatório que me cruzo com Paulo Tito Silva. O enfermeiro vem de Vigo e partilha comigo que fez toda a viagem de comboio. Tem esperança na anunciada eletrificação da linha entre a estação em que entramos e a estação, agora terminal, de Beja.

Agora quem vem de Lisboa para Beja, sem ligação direta, tem de apanhar o IC para Évora e sair na Casa Branca para apanhar a ligação. Foi o que fizemos, aliás, nós e metade das pessoas que vinham neste comboio. Paulo Tito Silva até acha que são mais. "Eu diria dois terços e é uma realidade todos os dias. A CP tem consciência disso e por isso até criou comboios diretos entre Évora e Beja, o que já não acontecia há 11 anos e consegue aproximar as duas capitais de distrito à distância de uma hora, que até aqui era de duas. Até aqui, ficávamos na estação da Casa Branca à espera de outro comboio", conta.

A eletrificação da linha do Alentejo entre Casa Branca e Beja está prevista no PNI 2030. É esperado que, até 2025, esta via esteja eletrificada, mas também a ligação de Beja a Faro pela Funcheira, quem sabe regressando assim a ligação direta destas duas capitais de distrito. "Como se pode ver, os comboios são utilizados. As pessoas pagam impostos e têm direito a ter mobilidade eficaz. Este comboio passa aqui numa zona muito interior e passa em sítios em que não há autocarros", acrescenta.

Também a ligação ferroviária ao aeroporto de Beja é uma ambição, para torna útil aquela infraestrutura: "Beja pode ter um papel principal, com o aeroporto de Beja, ligando a Lisboa e ao Algarve e sendo um aeroporto low cost, como existe por essa Europa fora".

Algarve considera a eletrificação da linha um projeto pouco desafiador

Chegamos a Faro e também aqui, na linha do Algarve, a IP anunciou uma modernização que, para os Algarvios, só peca por tardia e ainda sabe a pouco. A eletrificação da linha do Algarve vai custar perto de 65 milhões de euros. O concurso público para o troço Faro-Vila Real de Santo António já foi lançado em outubro do ano passado e para o barlavento, entre Tunes e Lagos, o concurso abriu em dezembro. Até agora não há obra.

"A eletrificação não basta para resolver o problema da mobilidade da região do Algarve", avança Cristina Grilo é a porta-voz do Movimento Mais Ferrovia.

Neste sentido, o Movimento Mais ferrovia defende a criação de um sistema de tram-train, nas partes mais urbanas e movimentadas da linha do Algarve, uma espécie de metro de superfície e com mais paragens, mas adaptado a longas distâncias e um pouco à semelhança do Metro do Porto.

Cristina Grilo e o movimento ao qual dá voz defendem que comprando composições mais ligeiras, poupar-se-ia dinheiro para investir na via em pontos de cruzamento, dando assim hipótese de haver mais horários.

O movimento mais ferrovia defende ainda uma ligação ao aeroporto e, mais tarde, a alta velocidade para Espanha, numa nova linha a criar de raiz.

De Faro vamos a Vila Real de Santo António, uma estação agora terminal, mas que não o era, pois a linha do Algarve terminava em Vila Real de Santo António Guadiana. É lá que conversamos com o taxista Jorge Bartolomeu e com José Guerreiro, dono do quiosque em frente ao apeadeiro e apaixonado por comboios. Declarações que podemos ouvir na reportagem áudio.

O apeadeiro de Vila Real de Santo António - Guadiana funcionava como um espaço intermodal e deixou de sê-lo. Mantiveram-se os táxis, os autocarros e o barco, mas desapareceu o comboio. O edifício das bilheteiras e da sala de espera está abandonado, os carris foram arrancados, deixando que o sítio se transformasse, com o tempo, numa lixeira a céu aberto na margem do Guadiana. Um cartão de visita que os algarvios com quem falámos lamentam.

A linha do Algarve foi a linha regional que percorremos com o maior número de utilizadores e, ainda assim, é José Guerreiro quem identifica um problema local: "nunca houve correção de traçados e ela não passa em grandes aglomerados populacionais". Quarteira é apenas um exemplo.

Outra história que traz a nossa reportagem áudio é a de Dario Silva. O maquinista entra a bordo em Olhão, em off, o mesmo é dizer que sem estar ao serviço. É ele que nos fala no material circulante da linha do Algarve e da história já antiga que tem com estas automotoras, outrora levavam-no para a escola e chegaram a ser conduzidas pelo seu pai. É também Dario Silva quem nos dá conta da razão por que a linha do Algarve merece estar nos planos de intervenção e melhoramentos da ferrovia nacional. "Ao contrário do que se possa pensar à distância, a linha do Algarve tem muita procura. A verdade é que hoje é um domingo e o comboio está praticamente cheio. Temos comboios em que transbordamos e é difícil dar saída à procura que temos", descreve.

Chegamos a Faro, o maquinista Dario Silva vai em serviço para Vila Real de Santo António e nós, em reportagem, vamos no sentido oposto. Deixamos Dario Silva aos comandos da automotora diesel, da série 450 da CP.

Temos pela frente uma longa viagem até Lisboa. É aqui que iniciamos o percurso pela linha do Oeste, onde decorre uma modernização a várias velocidades.

Uma linha que começava na estação de Alcântara Terra, onde os comboios da linha do Oeste já não chegam. Por isso, é em Sete Rios que entramos numa das "camelas", assim chamadas pelos aficionados por comboios às automotoras amarelas alugadas a Espanha.

Quer andar de comboio com sinalização do século XIX? Faça a linha do Oeste...

Logo depois da estação de Meleças começamos a ver obras em curso para a modernização da linha do Oeste. Numa primeira fase, a linha vai ser requalificada até Torres Vedras: eletrificação e duplicação de alguns troços. Entre Torres Vedras e Caldas da Rainha, o concurso já foi lançado, mas não houve empresa que pegasse na obra.

Mais incógnito é o traçado entre Caldas e o Louriçal, em direção a Coimbra, mas já lá iremos.

Teresa Felício, passageira habitual da linha do Oeste, sabe porque é que a linha começou a ter menos passageiros: "havia muitos atrasos, mas depois vieram estas composições de Espanha e as coisas melhoraram. Mas isto parou, embora tenha um potencial turístico enorme".

Estas composições vieram da linha do Minho, depois da eletrificação. Aliás, dentro das "camelas" ainda vemos sinalizado o trajeto e as paragens da linha do Minho. Teresa diz que parou e é isso que sentimos, que a linha do Oeste parou no tempo.

Teresa Felício fala ainda do potencial turístico das estações da linha do Oeste, pois davam para fazer uma rota do azulejo.

Chegamos às Caldas da Rainha onde nos espera Rui Pinheiro, da Comissão para a Defesa da Linha do Oeste, que sublinha que tudo se faz como se fazia há 160 anos no início da ferrovia em Portugal. Vamos a explicações, com a ajuda deste trainspotter. "Esta é uma linha com 135 anos e continuamos a dar entrada e partida ao comboio como se fazia no início, até mesmo a mudança de agulhas. O manobrador vai a um ponta à agulha, dá entrada ao comboio, depois percorre uma centena de metros para ir à outra agulha, para dar partida ao comboio. E, quando está sozinho, por vezes, ainda tem de ir abastecer a automotora", explica. É todo um filme que nos faz recuar no tempo.

Um atraso que deve mudar com a eletrificação da linha do Oeste, mas Rui Pinheiro não esconde preocupações, pois "na primeira frase entre Meleças e Torres, as obras estão em curso, há desaterros e movimentação, mas a segunda parte, foi lançado concurso e o prazo foi prolongado três vezes. Não há quem pegue na obra". E Rui Pinheiro considera mesmo que "há questões por responder" e que as respostas não chegam de quem deviam chegar. "A IP não adianta nada, o ministro das infraestruturas também não transmite informações que sejam palpáveis. Estamos num ponto em que não sabemos se vai haver ou não obra", atira.

Mais incógnita é ainda a situação do terceiro troço, entre Caldas da Rainha e Louriçal, em que a linha do Oeste é quase em linha reta e sobre o qual, há vários anos, chegou a pairar o fantasma do encerramento. "Não há projeto nem estudo de impacto ambiental. A IP pode ter, mas o que se fala é que a eletrificação poderá ser no plano 2030, mas não está ainda uma data apontada", assegura.

Com todas as debilidades, poucos horários e alguns desajustados, sinalização do século XIX, poucos sítios para cruzamentos de composições, que a IP vai retirando gradualmente, a linha do Oeste continua a ser procurada.

Rui Pinheiro está convencido que, com a modernização, pode até ser competitiva. Só a eletrificação há de reduzir o tempo de viagem atual. E, se houvesse mais pontos de cruzamento, "até mesmo no estado atual da linha era possível reduzir o tempo de viagem", pois seria possível "colocar comboios com menos paragens".

O comboio tem sido colocado para segundo plano no Oeste por causa da pressão e do lobbie das empresas rodoviárias. Rui Pinheiro tem a explicação para que os sucessivos governos se tenham deixado levar na conversa. Pode ouvir essa explicação na reportagem áudio.

Coimbra de costas voltadas para a ferrovia

Das Caldas da Rainha para Coimbra, onde se prevê o encerramento da Estação Nova ou Estação A já em 2023, substituída pelo projeto do Metrobus do Mondego.

Assim, encerra uma linha, que leva ao centro da cidade, todos os anos, três milhões de pessoas. A indignação chega do Movimento pela Defesa da Estação Nova e pela voz de Luís Neto.

Coimbra já perdeu a ferrovia do ramal da Lousã, em 2010, que trazia à cidade 1 milhão de passageiros, nas automotoras Allan, quase sempre cheias. E agora prepara-se para aniquilar outra ferrovia. Luís Neto diz que ainda há esperança e que o movimento até já tem outros traçados alternativos para o Metro Bus que executariam a mesma tarefa, sempre como um complemento a esta linha e evitando assim o desmantelar de mais este troço ferroviário.

Como ainda conseguimos, para fechar esta primeira volta de comboio, tomamos o regional da Beira Alta que sai de Coimbra A em direção à Guarda: vamos regressar a casa.

Em reportagem ficam as imagens e os sons da ferrovia nacional abaixo do rio Vouga. Para setembro, deixamos a promessa de viajar pelo Norte e de analisar a panorâmica de linhas como a bitola estreita do Vouga, e ainda as linhas do Norte, do Douro e do Minho. Já não vai ser possível levar a reportagem sobre carris, mas ainda assim vamos contar as histórias do passado e do presente das linhas do Tâmega, Corgo, Tua e Sabor.

Por: Miguel Midões
30 Julho, 2021

Protocolo entre IPB e Município permite levar ensino Técnico Superior para Vimioso

 Abertas Inscrições para Curso Técnico Superior em Termalismo e Bem Estar nas Termas de Vimioso. É a primeira vez que este concelho tem a oportunidade de oferecer aos jovens formação técnica de nível superior. A realização do curso está dependente do número de inscrições, só será realizado se tiver entre 18 a 20 pessoas.
O Instituto Politécnico de Bragança (IPB), com o apoio da Câmara Municipal de Vimioso, cria a possibilidade de realização de um Curso Técnico em Termalismo e Bem Estar, a funcionar nas instalações das Termas da Terronha.

É a primeira vez que este concelho tem a oportunidade de oferecer aos jovens formação técnica de nível superior.

A realização do curso está dependente do número de inscrições, só será realizado se tiver entre 18 a 20 pessoas, pelo que o IPB e o município estão empenhados na promoção desta oferta, apelando para que os jovens do concelho e da região aproveitam esta oportunidade, tornem viável a sua concretização e possam receber formação numa área profissional em franco crescimento, num dos espaços mais emblemáticos do concelho de Vimioso, as Termas da Terronha, um equipamento único no distrito de Bragança.

As inscrições estão em curso até 31 de agosto e podem candidatar-se os titulares de um curso de ensino secundário ou de habilitação legalmente equivalente; os que tenham sido aprovados nas provas especialmente adequadas destinadas a avaliar a capacidade para a frequência do ensino superior dos maiores de 23 anos; os titulares de um diploma de especialização tecnológica, de um diploma de técnico superior profissional ou de um grau de ensino superior, que pretendam a sua requalificação profissional.

O curso confere qualificações de Nível 5, de acordo com Quadro Nacional de Qualificações, e a possibilidade de os créditos virem a ser integrados numa futura licenciatura em que formandos, futuramente, possam vir a ser admitidos.

A possibilidade de realizar este curso em contexto real de trabalho garante aos formandos uma melhor preparação prática.

O diploma de técnico superior profissional é conferido após um ciclo de estudos de 120 créditos, que inclui três componentes de formação: geral e científica (24 créditos), técnica (66 créditos) e em contexto de trabalho (30 créditos). O perfil do programa de estudos compreende o desenvolvimento do conhecimento técnico e a qualificação profissional de nível superior na área de educação e formação de Saúde e Bem-estar.

Basicamente esta formação profissional visa preparar os alunos para:

- Planear e assegurar a realização de técnicas termais, técnicas de massagem, estética e bem-estar, utilizando os meios técnicos e equipamentos adequados de acordo com as necessidades e especificidades do cliente;

- Gerir a comunicação e relacionamento interpessoal com o cliente e com a equipa multidisciplinar;

- Planear e gerir informação para a aquisição de estilos de vida saudáveis e comportamentos alimentares, considerando as especificidades de cada cliente;

- Elaborar planos de aconselhamento do cliente acerca das terapias de promoção do bem-estar, nomeadamente as terapias complementares, termais, nutricionais e de estética;

- Gerir situações anómalas no cliente face aos tratamentos;

- Elaborar e monitorizar registos das atividades termais, de bem-estar e estética realizadas;

- Gerir eventuais ocorrências observadas ou referenciadas pelo cliente e colaboradores, no sentido de assegurar a qualidade e a melhoria contínua dos serviços prestados;

- Coordenar e aplicar a manutenção e higienização dos equipamentos e materiais, das instalações balneares e SPA’s, promovendo boas práticas segundo a legislação em vigor referente a termalismo e SPA`s;

- Coordenar e aplicar um correto manuseamento de máquinas e equipamentos específicos de Termalismo e de SPA;

- Desenvolver procedimentos e técnicas adequadas de primeiros socorros.

Bebé de Freixo de Espada à Cinta nasce a caminho do hospital de Bragança

 Esta sexta-feira à noite nasceu mais um bebé numa ambulância, desta vez perto de Mogadouro
Os bombeiros de Freixo de Espada à Cinta foram chamados para levar uma grávida da vila ao hospital de Bragança, mas o bebé não quis esperar mais e, perto de Mogadouro, o parto teve que ser feito pelos bombeiros e pela SIV de Mogadouro. Ricardo Sapage, bombeiro de Freixo, conta ter sido uma experiência única.

“Estava dentro da ambulância a passar dados ao CODU quando a mãe me diz ‘eu acho que ele vai nascer’. Eu fui verificar e o bebé já estava a querer nascer. É um momento único. Sou bombeiro já há alguns anos, já tive vários serviços assim, de levar grávidas para o hospital de Bragança, mas o bebé só nascia passado um hora ou já no dia seguinte”.

Segundo o bombeiro, a mãe e o bebé estão bem e foram transportados para o hospital de Bragança.

“Correu tudo bem. Nasceu um rapazão, um bebé bem de saúde. O bebé e a mãe encontram-se bem. E com a ajuda da SIV de Mogadouro e do enfermeiro e da equipa toda, correu tudo bem”, acrescentou.

O bebé nasceu por volta das 20:45, graças aos bombeiros de Freixo de Espada à Cinta e à equipa da SIV de Mogadouro. No último ano, vários bebés do distrito nasceram a caminho do hospital.

Escrito por Brigantia
Foto: Ricardo Sapage
Jornalista: Ângela Pais

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Pintora Graça Morais doa a Bragança 70 obras no valor de meio milhão de euros

 A pintora Graça Morais anunciou hoje que vai doar mais 70 quadros avaliados em meio milhão de euros ao acervo do Centro de Arte Contemporânea de Bragança, que soma dezenas de obras doadas por artistas nacionais e estrangeiros.


Graça Morais é a mentora deste espaço com o nome da pintora transmontana e que, nos últimos 13 anos, levou a Bragança obras de artistas de renome que têm doado trabalhos para o centro que se tornou numa referência da arte contemporânea.

Graça Morais foi a primeira a oferecer 52 quadros, aos quais junta agora mais 70, no valor de meio milhão de euros, como avançou a pintora à Lusa.

Segundo disse, a doação vai ser oficializada numa cerimónia, na sexta-feira, por ocasião da abertura da nova exposição de Graça Morais, com o título “Inquietações”, a primeira da artista desde o início da pandemia.

A pintora explicou à Lusa que, na doação, estão “obras de diferentes fases” da carreira e adiantou que no próximo ano pretende “fazer uma doação maior”.

“Porque eu acho que tenho essa obrigação de deixar um legado importante aqui à região onde eu nasci e ao meu país”, declarou.

Graça Morais foi convidada pela Câmara de Bragança, a proprietária do Centro de Arte Contemporânea, para ser a mentora deste espaço inaugurado em 2008.

O equipamento cultural está instalado num edifício histórico, no centro de Bragança, remodelado pelo arquiteto Souto de Moura, e tornou-se num espaço que dá acesso, nesta região, a arte antes apenas acessível nas grandes cidades.


O Centro tem sempre uma exposição de Graça Morais em simultâneo com a de outro artista, e promove atividades, nomeadamente com os mais novos, para despertar para as artes.

Quando assinalou uma década, em 2018, o Centro de Arte Contemporânea de Bragança fez uma retrospetiva de todas as exposições individuais que por ali passaram de artistas como Paula Rego, Júlio Pomar, Ana Vieira, Alberto Carneiro, Pedro Calapez e Julião Sarmento, entre outros.

Mostrou também, pela primeira vez, a coleção de arte própria, resultado do acervo que tem somando ao longo dos dez anos, com doações dos artistas que por ali passaram, e de outras instituições.

Fotografia: António Pereira

A TORTURA NA ESCOLA NO FIM DO SÉCULO XIX OU A TRISTE INFÂNCIA DE UM GRANDE ESCRITOR (3ª Parte)

Por: Humberto Pinho da Silva 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Como o progenitor queria que o filho fosse doutor, assentou matriculá-lo num colégio, no Porto.
Preparado o enxoval, partiram para a Invicta Cidade do Porto, de barco.
Desceram o rio Douro. Ao desembarcar, Trindade Coelho perdeu-se. O pai, após muito o procurar, foi descobri-lo na esquadra!
Visitaram, depois a cidade. O futuro escritor de nada gostou, a não ser o mar.
Ao despedirem-se, agarraram-se a chorar, cheios de futuras saudades.
Mas o menino tinha que ser doutor!....
No colégio permaneceu 6 anos. Era conhecido pela alcunha de: "O Mogadouro".
Receava os professores e os perfeitos. Ficou traumatizado e abalado o sistema nervoso; problema que o acompanhou por longo tempo.
Certo professor inumano, chegou a dar-lhe 37 palmatoadas seguidas!
Era-lhe proibido ler, a não ser livros escolares. Conseguiu, assim mesmo, ler: " Os Três Mosqueteiros", de Dumas, e mais dois livros.
Nas horas vagas, disfarçadamente, escreveu dois contos: "O Enjeitado" e "Uma Trovoada", e artigo, que teve a coragem de o ler ao porteiro, que ficou encantado, e levou-o a um jornal. Foi publicado com o nome de: “José Coelho"
Feliz, enviou-o ao pai, que não gostou, e pediu-lhe para deixar de escrever.
Finalmente entrou na Faculdade de Direito de Coimbra. Estudou muito, mas nada entendia. O resultado foi ficar reprovado.
Entretanto escreveu um livro sobre: " Direito Romano" que levou para ser publicado.
Quando saiu, ofereceu exemplar ao professor que o "chumbara". Este arrependeu-se acerbamente de o ter reprovado e chegou a recomendar a leitura, da obra, aos seus alunos.
O pai, ao ter conhecimento da reprovação, quase deixou de lhe falar e cortou-lhe a mesada.
Não ficou descorçoado. Partiu para Coimbra. Estudava e escrevia nos jornais.
Assinava os artigos com o pseudónimo: " Belisário", " Progressista Imparcial", " Porta Férrea" e por fim: Trindade Coelho.
Andava no segundo ano de Direito, quando recebeu a triste notícia da morte do pai.

(Continua)

Humberto Pinho da Silva
nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG”. e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ".

Bombeiros de Mogadouro têm agora duas Equipa de Intervenção Permanente

 Os Bombeiros Voluntários de Mogadouro têm mais uma Equipa de Intervenção Permanente, a segunda na corporação
Cada uma, composta por cinco profissionais, estará oito horas no quartel, ou seja 16 no total, para responder a qualquer emergência. O presidente do município, Francisco Guimarães, disse que esta já é uma luta de alguns anos e realçou a importância de mais uma EIP para o concelho.

“Vem trazer o reforço naquilo que é a segurança das pessoas e dos seus bens, por mais um período alargado de tempo ao longo do dia. Esta equipa vem reforçar aquela que tínhamos e vem poder responder mais proximamente daquilo que é o socorro às populações”, explicou.

Ainda assim, o autarca considera que o concelho precisaria de mais duas equipas para prestar socorro durante 24h.

“Como eu dizia já em 2017, era bom que tivéssemos não duas, nem três, seria bom quatro equipas, que garantiam as 24h e tínhamos sempre uma a descansar”, frisou.

Os custos desta segunda Equipa de Intervenção Permanente serão suportados 50/50 pela câmara municipal e pela Protecção Civil. Este mês, o Ministério da Administração Interna anunciou que irão ser criadas mais de cem novas EIP nas corporações de bombeiros.

Escrito por Brigantia
Jornalista: Ângela Pais

O MANSO E O GUERREIRO X – O TAXISTA

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Quando o Tomé Guerreiro chegou ao costumeiro lugar do encontro, já o Júlio Manso conversava com Miguel Subtil que estava de visita à terra natal, vindo de Lisboa. A conversa passou a ter três interlocutores pelo que, para melhor compreensão, desta vez farei anteceder cada intervenção pelas iniciais do nome de cada um.

TG – Ora viva, Miguel. Mais uma vez por cá?
MS – É verdade ti Tomé. Sabe bem que, sempre que posso, não deixo de vir...
JM – E desta vez, com grandes novidades. 
TG – Muito bem, venham de lá essas notícias...
JM – O Miguel fechou a Loja de Antiguidades que tinha na Baixa Lisboeta.
TG – Ah, então não se trata de uma visita mas sim de um regresso...
MS – A mudança foi grande e radical mas não tão radical quanto isso. Fechei a Loja em Lisboa mas continuo por lá. 
JM – Agora o Miguel é taxista! 
TG – Taxista? Grande mudança. Algum motivo especial?
MS – O motivo não tem nada de especial. É o de sempre. Como não tenho fortuna, vejo-me obrigado a viver do meu trabalho.
JM – Pelos vistos o negócio anterior não era rentável.
MS – Não se trata propriamente de rentabilidade. Em termos meramente contabilísticos a atividade de compra e venda de antiguidades tinha uma margem de rentabilidade boa e chegava bem para pagar as despesas de funcionamento e deixar o suficiente para viver sem luxos, mas com conforto.
TG – Então qual foi o problema?
MS – O problema foram os pagamentos. No nosso ramo ainda se usa muito o pagamento por cheque. Enchi uma gaveta de cheques sem cobertura! As despesas de cobrança são grandes e nem sempre  se consegue recuperar o que nos é devido... É impossível ir atrás de cada devedor para tentar reverter o negócio. Mesmo que fosse não adiantaria muito pois eu não como jarras de porcelana chinesa, nem visto móveis Luis XV.
TG – Pois é, com a mercadoria do lado deles fica difícil obrigá-los a desfazerem o pretenso mau negócio. Mas, diz-me cá, o que te leva a garantir que com o serviço de táxi não te acontece o mesmo?
MS – Tem toda a razão. Nada me garante. Mas nesta nova profissão, ao contrário da outra, o pagamento é pedido já depois do serviço prestado e, em caso de reclamação nem sequer é possível reverter o negócio. De nada me adiantaria levar de volta à origem um passageiro que não quisesse pagar, pelo contrário, no que me diz respeito, até agravaria ainda mais a situação, para o meu lado.
TG – Eu suporia que os clientes de táxi seriam mais propensos ao calote que os adquirentes de peças distintivas e, seguramente, longe do lote de primeiras necessidades.
MS – Supunha vossemecê e supunha eu. Mas o certo é que é como lhe digo. Nas corridas de táxi não há calotes, a não ser em circunstâncias excecionais. 
JM – E porque será?
MS – Essa é uma boa pergunta. Ora, como sabe, uma das vantagens de ser taxista é o convívio e diálogo com gente de toda a condição. Um grande economista explicou-me que isto tem a ver com a tradição. Segundo ele a importância da tradição é muitíssimo maior, no funcionamento do Mercado do que aquela que no passado se lhe atribuiu e ainda há quem atribua...
JM – Essa agora.
MS – Pois é. Mas veja bem que essa questão responde adequadamente no meu caso, onde a lógica apontaria exatamente no sentido contrário. E explica a razão porque no passado os contratos eram celebrados com um simples aperto de mão...
TG – E quem decide o que é a tradição numa e noutra circunstância?
MS – Ninguém. 
JM – Ninguém e todos. 
TG – Ora aí está. Veja bem o que se passou com as recentes eleições!
JM – Não me diga que isso também tem a ver com a política! 
TG – Tem, tem. E muito. Tudo na vida atual pode ser assemelhado a um mercado. E nada como as eleições para as autarquias. Há quem queira um produto e há quem possa proprocioná-lo. Há um contrato de promessa de compra e venda, se assim lhe podemos chamar. Ora quando um político jura a pés juntos que vai fazer uma obra, logo no início do mandato, nem que chovam picaretas...
JM – E não a faz...
TG – E, pior que isso, fá-la nas vésperas das eleições...
JM – Ah, mas aí, provavelmente, já não resulta...
TG – Isso é que resulta. Este ano quando me indignei por causa da obra que só apareceu no final de setembro, o que não faltou foi gente a mandar-me calar. Que, mais valeu tarde que nunca, o importante era ter a rua arranjada. Estamos assim a criar a tradição de que basta fazerem o que é preciso em ao cair do pano para se livrarem da devida penalização.
MS – E isso é mau...
TG – Não é mau. É péssimo!

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.