Daniel Conde |
Há um dito bem trasmontano em que quando nos sentimos ameaçados ou ludibriados por alguém pensamos que “fulano quer-me cozer”. É assim que me sinto quando me lembro que foi noticiado há meses que a reabertura da Linha do Tua entre o Cachão e a Brunheda custaria 30 milhões de euros, e depois me debruço sobre as contas descriminadas desse projecto.
Imaginando que desde Mirandela até à Brunheda não seria necessário intervencionar nenhuma das obras de arte do percurso – 1 túnel e 3 pontes – porque já o foram há não muito tempo, e o material circulante permanece o mesmo, nem tão pouco adquirir mais aparelhos de mudança de via – vulgo “agulhas” – porque os que existem continuariam a servir, a conta dá, arredondada, a soma de 10 milhões de euros, um terço, portanto, do que foi noticiado.
Estas contas foram feitas para além de tudo com pressupostos dignos de um cenário optimista: seria levantada toda a super estrutura da via – carris, travessas, balastro e material de fixação – e a nova super estrutura seria composta de carris de 45kg/m (relação de excelência para a Via Estreita) de barra longa e soldada (o que permitiria maiores cargas, maior velocidade e menor desconforto para passageiros), fixação elástica, travessas de betão bi bloco (mais duráveis que as de madeira), e uma espessura de balastro de não menos de 30cm. Este é um mix a que em termos técnicos se apelida de “fit and forget”, o que trocado por miúdos significa uma manutenção de exigência mínima e grande durabilidade. As contas já incluem também obras de geotecnia, tais como o reforço de taludes e do sistema de drenagem. Tudo isto conjugado e poderíamos ter uma Linha do Tua com uma velocidade comercial máxima não inferior a 60km/h, ligeiramente acima dos actuais 45km/h, mas sem ser preciso corrigir o traçado da via.
Parece pouco? De forma alguma. Bastaria isto para tornar o comboio não só mais competitivo em termos de custos face ao autocarro e ao automóvel particular – que já o é – mas também mais competitivo em termos de tempos de deslocação. Senão vejamos: entre a Brunheda e Mirandela de comboio o passe mensal custa € 74,85, enquanto que de automóvel particular o custo ficaria entre € 140,54 e € 160,62 – automóvel a gasóleo ou a gasolina, respectivamente, para 2 viagens por dia, 22 dias por mês, gasóleo a € 1,4/l e gasolina a € 1,6/l, e um consumo médio de 6,5 l/100km – para tempos de deslocação para o automóvel de cerca de 38 minutos, e para o comboio de cerca de 41 minutos – e isto contando com a paragem do comboio em todas as 7 paragens intermédias. Convém referir que com o advento da A4 na região e a introdução das portagens mais caras do país, o custo da deslocação por automóvel no trajecto considerado acima dispara, sendo a alternativa um percurso não de 35km mas de 45km (de comboio são 34km).
Admitamos agora que as contas com que me entretive fazer deixaram inadvertidamente de parte outras rubricas e considerações, mas que só por grande aleivosia levariam o custo total de obra para lá dos 15 milhões de euros (metade do noticiado). Ainda assim, o que dizer dos cerca de 2 milhões de euros em receitas de bilheteira, dormidas, restauração e produtos regionais que se perderam desde Agosto de 2008 pela interdição da circulação a jusante do Cachão, numa economia como a de Mirandela e num passivo como o da CP? O que são 15 milhões de euros quando o TGV só em estudos já custou 116 milhões, ou quando o capricho do autarca da Trofa levou a REFER em 2010 a torrar 67 milhões de euros em apenas 3km de ferrovia nova num traçado totalmente evitável? Porque foi lançado o Metro de Mirandela para uma situação delicada quando com o levantamento da suspensão apenas entre a Brunheda e o Cachão nada disso seria realidade? E, sobretudo, porque está a região e a sua população a pagar uma factura devido à incúria e incompetência de dirigentes de algumas empresas públicas e da tutela dos transportes, e às pressões de negociatas milionárias através do Plano Nacional de Barragens, um embuste que custará – se não for travado entretanto pela Troika – 16 vezes mais que os submarinos de Portas?
Alguém me quer cozer, a mim e aos trasmontanos, e à Linha do Tua. Sabemos quem o quer, e até sabemos porquê; só não sabemos porque ninguém os trava.
Energúmenos,
ResponderEliminarSomos pessoas,
Não somos números