Nasci no Douro, entre vinhedos que se enterram em solo áspero de xisto e onde tudo emudece no estio das velhas tardes de Agosto. Foi lá, entre a horta e o quintal da casa de meus pais que comecei a entender o ciclo natural da vida, a convivência das espécies e o amor aos animais.
Minha mãe gostava de tudo o que a animais dissesse respeito. Tínhamos uma cabra que foi manchete do extinto jornal “ O Comércio do Porto” por ter parido quatro cabritinhos. Teria eu uns seis ou sete anos mas ainda me recordo da azáfama e preocupação de meus pais para alimentar com biberão aqueles focinhinhos dóceis que aspiravam com sofreguidão o alimento contido dentro do frasco.
Para lá dos cabritinhos que minha mãe mais tarde doou por não os conseguir matar para fazermos refeições caseiras, havia ainda em minha casa uma quantidade de galinhas e coelhos e outras espécies que morriam por lá literalmente de velhos.
Na verdade, o meu pai, que era aparentemente mais pragmático, achava aquilo um disparate pois aquela bicharada dava despesa e não trazia qualquer dividendo para a economia do agregado familiar. Contudo, que havíamos nós de fazer, se minha mãe não conseguia cozinhar e muito menos matar qualquer um daqueles bichos que por ali circulavam e que se misturavam com os cães e os gatos numa harmonia tal que até parecia que são Francisco de Assis estava sempre ali presente?
Meu pai, que era caçador, também nunca matou nada. Apesar do seu pragmatismo, nunca trouxe para casa um coelho ou uma perdiz à cintura da sua cartucheira, e eu nunca cheguei a perceber se o atirador era mesmo um aselha, ou se na hora de impor a morte a um animal vacilava e deixava a presa correr na liberdade plena do seu ambiente.
Foi nesta atmosfera meio “franciscana” que se estabeleceu a minha relação com os animais, numa casa onde todos andavam à solta pelo vasto quintal e onde nunca existiu um pássaro encerrado em gaiola.
Esta convivência naturalista conferiu-me, muito antes do conceito ter aparecido, a personalidade de um ambientalista; ou melhor, a personalidade de um conservacionista que hoje orgulhosamente me considero ser.
Desde sempre gostei de observar o milagre da vida, e quando era miúdo do que melhor me recordo é daquela magia extraordinária de acompanhar um ninho. O processo de construção, aquele trabalho descomunal de acarretar em frágil bico, palhinha a palhinha, pena a pena, até se construir um pequeno núcleo forrado de conforto para o nascimento dos filhotes; e depois a postura, o choco, a eclosão, os passarinhos, as penas a crescerem e… a partida das novas avezinhas para a aventura de uma vida cheia de perigos.
Todos os anos, consecutivamente, meu pai me ensinava um ninho de melro. A ave de plumagem de azeviche e bico cor de ouro era uma das minhas preferidas para acompanhar no seu ciclo de criação. O ninho era maior do que os da maioria, o ovos maiores, azulados e pintalgados de castanho desenvolviam em mim a preferência pelo melro no que à observação de ninhos dizia respeito.
O melro foi por isso, e é por isso, para mim um pássaro especial que, juntamente com o pintassilgo, constroem de boas recordações o tempo da minha infância. Quem cresceu no campo sabe o quão delicioso é o assobio do melro, ali junto da horta, com a água a correr em bica para um tanque de granito antigo.
Foi por isso que ontem cresceu em mim uma tremanda revolta quando a SIC noticiou que o melro, (imagine-se o melro!) entrou para a lista das espécies cinegéticas, podendo ser caçado até um limite de 40 aves por dia e por caçador.
O legislador que tal escreveu deve preocupar a sociedade, porque quem tal escreve não deve ter a noção do que efectivamente é um melro, mesmo como ave de interesse gastronómico.
Presumo que esse tal de legislador não legislou pelo facto do melro ter interesse como espécie cinegética, mas legislou antes porque as verdadeiras espécie cinegéticas e comestíveis têm sido dizimadas por anos e anos a fio de incompetente ordenamento das zonas de caça, pelo constante desrespeito pelo seu equilíbrio, sendo certo que hoje já quase não há coelhos e perdizes para satisfazer a “actividade desportiva” de alguns aficionados.
Por outro lado, as rolas escasseiam, os tordos escasseiam e os patos escasseiam, embora tenha que se continuar a alimentar a ferocidade do sangue, do triunfal tiro certeiro do predador sobre uma inocente ave! E vai daí, e porque quase tudo está à beira da extinção, coloca-se o melro na lista das aves cinegéticas, porque ainda os há em abundância para satisfazer o capricho do tiro.
Uma coisa que não lembraria ao diabo, lembrou a um iluminado qualquer do anterior executivo, sendo certo que a anormalidade ainda vai a tempo de ser travada, estando agora nas mãos da nova super ministra Conceição Cristas parar tamanha aberração.
Quanto a nós, sociedade civil, resta-nos lutar pela dignidade do ser humano e da civilidade de um país que se considera humanista e desenvolvido porque, no meu entendimento, quem mata um melro, talvez seja capaz de também matar um homem!
Luís Pereira
in:nncronicasdonordeste.blogspot.com/
Assine a petição “Diga não à Caça ao Melro”
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quinta-feira, 11 de agosto de 2011
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