Os mascarados de Podence, designados de Caretos são figuras enigmáticas, um mito, também devido aos seus trajes e máscaras que mantêm a sua identidade secreta, mantendo outros tempos, relembrando os rituais dos nossos antepassados.
Em Podence, os Caretos usam máscaras rudimentares, feitas de latão, pintadas de vermelho ou negro, com um nariz pontiagudo e três aberturas para os olhos e a boca, representando máscaras terríficas.
Os fatos, extraordinariamente garridos, são guardados e vestidos, muitos deles, geração após geração, constituindo uma preciosidade para a família que os possui. São fabricados na própria aldeia e são feitos de colchas antigas de lã ou linho, tecidas em teares caseiros. Os fatos são constituídos por calças e casaco com um capuz. As peças são quase completamente revestidas com fieiras de franjas de lã ou de carneiro, tingidas de variadas cores vivas, como o vermelho, verde e amarelo.
Como adereço, presos à cintura por um cinto de couro, utilizam fileiras de chocalhos e sobre o peito, cruzadas, têm as “bandoleiras”, também em couro, com duas grandes campainhas. O número de chocalhos é variável. Na mão levam um pau ou bengala de madeira, que lhes serve de apoio, quando saltam ou correm ao som dos chocalhos.
Outrora, os Caretos empregavam uma bexiga de porco ou uma pele de coelho cheia de ar, que agarravam para castigar ritualmente quem se cruzava com eles, costume que hoje em dia é mantido apenas por um ou outro.
Na parte de trás do fato, os Caretos exibem um rabo comprido, que utilizam para bater nas raparigas.
Por detrás de fatos de lã coloridos, acompanhados por máscaras de lata pintada e, ainda, com grandes chocalhos presos à cintura, os homens e rapazes da aldeia de Podence relembram e renovam um mito que tem origens ancestrais, relacionadas com o profano e o sagrado. O mascarado assume o seu poder com rituais ligados a mezinhas, aos males da terra, aos maus espíritos da casa do vizinho, com danças, chocalhos e gritos.
Importa, antes de mais, encontrar uma definição para o conceito de símbolo. Foi neste sentido que recorremos à obra de Maciel o qual, socorrendo-se da opinião de Lalande, define o símbolo como sendo “qualquer signo concreto que evoca através de uma relação natural, algo ausente ou impossível de perceber” (Maciel: 1998, p.13).
Ainda de acordo com a autora, “os símbolos são meios de integração social; sendo ainda meios de dinamismo unificador, um poder que atrai forças contrárias” (Maciel: 1998, p.20).
De facto, podemos verificar através de observação empírica, uma atitude simbólica presente nas relações sociais, de que nos dão conta conhecidos antropólogos.
Acílio, no prefácio da obra de Maciel, lembrando as palavras da autora diz-nos que a máscara, enquanto símbolo, “é uma representação que faz aparecer um sentido secreto, presente na metade visível do símbolo e que não pode figurar”. (1998: p.20).
De uma forma ou de outra, a máscara aparece sempre ligada ao símbolo, ao homem e à cultura. Daí, que procurar compreendê-la é tentar perceber o homem, enquanto ser humano, traduzindo uma organização social, compreendendo a relação dos homens com o mundo, para assim compreender a recriação do cosmos.
Para além do aspecto simbólico, a máscara inscreve-se também no nosso imaginário. É partindo deste pressuposto, que Maciel refere que uma das propriedades da máscara é a de participar simultaneamente, do sensível e do inteligível, ou seja, numa investigação que visa apreender quais as relações inteligíveis quando em conexão com as dimensões do sensível, esse objecto desencadeia um sentido cultural que expressa a cultura do povo, engrandecendo a cultura nacional e a sua originalidade, evidenciando, assim, o património nacional.
Maciel, citando Lévi-Strauss salienta que a máscara é muito mais do que aquilo que representa, pois “ela nega tanto como afirma; não é feita somente daquilo que diz ou julga dizer, mas aquilo que exclui” (1998: p.39), ou seja, a máscara vai muito para além daquilo que transforma. Este é um dos mistérios que envolve a máscara e que faz dela um objecto simbólico de grande valor cultural.
A máscara na região transmontana, é utilizada pela população, como forma de comunicar e exprimir um hábito colectivo e ancestral, estando associada a ritos de fertilidade, de fecundidade e de iniciação, exercendo funções a nível económico, social, mágico e religioso. Está igualmente relacionada com o aspecto plástico/estético, através das ligações que estabelece com os restantes elementos do sistema cultural a que pertence.
A máscara transforma o indivíduo que a utiliza, levando-o a agir com toda a naturalidade. Ele próprio não se apercebe que passou a ser um indivíduo com características mágicas, e alguém a quem a sociedade presta o devido respeito e apreço. Quando colocam a máscara, os Caretos sentem-se interiormente transformados e assumem, durante o tempo em que a usam, as qualidades do ser que ela representa, seja ele deus ou demónio.
Assim, este objecto observado de forma isolada é apenas uma obra de arte com características humanas ou animais mas, quando colocado no rosto, ganha vida e todo o seu valor simbólico surge aos olhos do povo. De facto, é impossível ficar-se indiferente, quando se observa de perto um rosto mascarado, despertando o seu olhar terrífico, ao mesmo tempo emoção, curiosidade e perplexidade.
A máscara tem vários significados/conotações. No caso concreto, objecto do nosso estudo, pode ser considerada como:
- símbolo da virilidade, uma vez que só os rapazes a podem usar;
- símbolo de fertilidade e fecundidade, representado no acto de perseguir e “chocalhar” as mulheres, podendo ser entendido, quer como uma forma de purificação social, quer como um apelo à fecundidade isto, quando o Careto abana as ancas contra as das raparigas solteiras;
- símbolo da magia e do mal, devido ao aspecto demoníaco e terrífico que apresenta;
- símbolo da sorte uma vez que, segundo a crença do povo, é considerada um talismã, expresso nos ritos de passagem à vida adulta;
- símbolo da transformação do comportamento, da ordem, do quotidiano, dos símbolos da negação da desordem, do mal, do terror, da irresponsabilidade;
- símbolo de união da comunidade; - símbolo da festa, ilustrando a marca humana de um pensamento, de uma actividade social que se exprime em costumes e hábitos colectivos, onde a máscara se assume como objecto simbólico por excelência.
Mariana Especiosa do Rosário
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
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