Em fins de 1977, fui viver para uma aldeia de Trás-os-Montes. Quando cheguei, havia um grupo de quatro naturais, residentes, com quem meti conversa. Nessa altura os comunistas eram um tanto arrogantes e provocadores; e foram.
Ficaram logo a saber o que eu pensava deles e da situação. Falei num português "muito claro". Acabei por lhes dizer que só reconhecia duas classes de homens: Os bem-educados e os mal-educados; que me considerava dos primeiros, que ia respeitar toda a gente e que iria exigir igual respeito. Tudo muito bem explicado sem deixar dúvidas.
Resposta: "Bô... assim é que é falar!"
Disse-lhes: "Eu digo o que faço e faço o que digo."
Todos os dias falávamos com todos, conforme nos íamos encontrando, conversando e trabalhando cada vez mais e melhor. Nasceu uma verdadeira comunidade.
Algum tempo antes das eleições autárquicas de (1980?), alguns elementos da Concelhia do CDS procuram-me para me convencer a candidatar-me. Recusei.
Voltaram com nova argumentação. Acedi, como independente; não tinha nem tenho partido. Recordo que, nesse tempo, um engenheiro do PSD de Lisboa telefonava muitas vezes para se intrometer na política do CDS; e ainda que um conhecido politico por lá andou com a ambição de vir a ser presidente do CDS.
Mais próximo das eleições, fui procurado pelo chefe dos comunistas, que me disse querer falar comigo. Achei boa ocasião, até porque era eu que estava ali. Perguntou-me: "O senhor sabe quem eu sou?" Estendi o braço, de punho fechado:"Sei; é o chefe aí dos camaradas. Diga o que há." Resposta: "Os comunistas vão votar no senhor." Fiquei um tanto admirado e disse-lhe que, como de costume, faria tudo ao contrário deles. Nova resposta: "Não faz nada disso. O senhor é que nos defende a todos cá na terra; que faz o que é preciso e deve ser feito; por isso vamos votar em si como homem."
Esclareci que não pedia votos, não os fiscalizava nem os agradecia depois; mas que se eles entendiam ser assim, me sentia muito honrado com os votos deles.
Realmente votaram em mim, segundo fui informado pelos políticos. Fui eleito. Fiquei a saber que os representantes do PCP na assembleia municipal eram os que melhor conheciam os problemas reais do concelho, no que eu era pouco mais do que zero. Concluí que grande parte dos deputados da Assembleia da República não deviam lá estar porque com eles se deve passar uma coisa equivalente.
Nunca menti aos meus eleitores, nunca lhes faltei ao respeito. Não cumpri todo o mandato porque me vim embora por motivos familiares e demiti-me.
Desde pequeno sempre me disseram que o poder não dá direitos e impõe obrigações a quem o detém. Humildade, Respeito, Razão andam muito longe dos nossos políticos. Parece mesmo que nunca ouviram falar em tais "coisas".
Por exemplo: há dias, houve uma "invasão" do Ministério da Educação. Os "invasores" queriam falar com alguém responsável. Não houve nenhuma Excelência que lhes aparecesse. As Excelências entendem que não devem satisfações à "ralé".
A PSP esteve presente sem problema de maior. Os "invasores" não foram expulsos à força. Criou-se um ambiente fisicamente insuportável e os "invasores" foram desprezivelmente afastados. Pode parecer uma boa solução, mas é profundamente grosseira e humilhante.
Idêntico é o que se passa com as consultas médicas. Nos hospitais e centros de Saúde predominam os velhos (eu sou velho). Creio que os médicos (muitos são estrangeiros, o que já denota a péssima governação que temos tido) não tratam mal as pessoas, apenas lhes mentem e despacham sem a menor intenção de as curar; só não querem despesas com os velhos. Estes são uma raça a abater. São menos pensões a pagar e é melhor para as finanças.
Os nossos políticos (governantes?) têm uma vida boa com alimentação barata, transportes de luxo gratuitos, importam automóveis para fazer rifas, vendem casas e vistos gold, pelo que se mostram na TV, negoceiam um ou outro qualquer investimento, que é festejado como principio de solução à vista, vendem tudo o que temos de melhor e fazem emperrar toda e qualquer actividade "deitando areia" na engrenagem que qualquer ser humano tente para sobreviver. Basta ter um campo em que se produzam algumas batatas, pencas ou alhos – e lá está a "PIDE financeira" a extorquir alguns cêntimos e a infernizar a vida às pessoas, tirando-lhes a vontade de se mexer.
Todas estas coisas são reais, diabolicamente reais, porque têm um fundo perverso.
A CEE, que deveria ser Comunidade Ética Europeia, é Comunidade Económica Europeia, destinada a criar um império de ambições desmedidas e apressadas, usando, entre outras coisas mais encobertas, a comunicação social, falsas preocupações humanistas, uma moeda chamada euro, etc., etc.
Como a nossa parte foi mal estudada, aceitamos tudo, uns porque não entenderam, outros porque entenderam de mais para proveito próprio e cá andamos todos entretidos a sofrer e a falar na dívida, que nos sufoca, e não acaba porque há quem queira manter-se dono dessa dívida para estarmos de cócoras e vulneráveis.
E assim chegamos a dias do 40.º aniversário do 25 de Abril, sem democracia, sem ética, sem verdade, sem dinheiro, com fome, com miséria, sem soberania e sem qualquer real importância no império.
Tudo vai continuar mal, em parte, porque não está feito o ordenamento territorial e não há um projecto nacional. Vão surgir projectos, muitos deles oportunistas, e muito aplaudidos, que nada terão a ver com um desenvolvimento alicerçado porque não há alicerces.
A CEE continuará sem qualquer ética, com o império a querer crescer para leste para "ajudar" povos a quem emprestem dinheiro e vendam os produtos imperiais.
Tudo isto podia e devia ser claramente negociado, sem correr minimamente o risco que poderia e poderá ser o da última guerra neste planeta.
Carlos de Bettencourt
in:publico.pt
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