Augusta Fernandes, que frequenta a Escola Secundária Emídio Garcia, em Bragança, não anda há 14 anos, mas isso não significa que a vida seja amarga ou que muitas coisas comuns fiquem por fazer. A jovem, de 16 anos, teve, aos dois, um acidente de carro que lhe roubou algo tão simples como o andar. Desloca-se numa cadeira de rodas que, está claro, muitas vezes, é impedimento para ir de forma convencional a vários locais, Carina Alves mas deixar de ir não faz parte do cenário que a vimiosense traça. Dos fracos não reza a história, já diz o ditado. Aluna do 11º ano, de Artes Visuais, Augusta Fernandes, natural de Argozelo, no concelho de Vimioso, pelas suas condições, pensou que iria ter de ficar pela região enquanto os colegas, do mesmo ano lectivo, iriam a Barcelona, numa viagem de estudo que, normalmente, a escola, através da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, organiza várias vezes. É uma forma de os alunos de todas as turmas desse ano lectivo se conhecerem melhor, de conviverem e de também absorverem, in loco, vários conteúdos aprendidos em sala de aula. Não só aqueles que têm a ver com a disciplina de Moral, mas sim com muitas outras, como Espanhol e História, por exemplo.
Vamos? Vamos!
Apesar de saber que não deveria ir à viagem, Augusta Fernandes foi surpreendida pelo professor de Educação Moral e Religiosa Católica. Alberto Pais não quis aceitar que a jovem simplesmente não podia ir e, percebendo que esta queria, tanto quanto os outros, participar na viagem, alertou a escola para a necessidade de fazer o que fosse preciso. Atendendo ao pedido do professor, a escola, que diariamente tem em atenção as questões de integração, até porque como Augusta Fernandes há um outro aluno que também se desloca numa cadeira de rodas e é preciso que estes participem nas mesmas actividades que os outros. Pôs mãos à obra e a vimiosense rumou a Barcelona, na companhia de perto de uma centena de outros jovens alunos e de alguns professores. A jovem, que gostava de seguir Arquitectura ou Design Industrial, assumiu que “queria muito ir”, mas, “como já aconteceu por outras vezes”, acreditou que não seria possível. Mas foi. “O meu professor perguntou-me se eu queria ir e eu disse que sim, que era uma boa oportunidade. Ele ajudou-me bastante e quando me disseram que havia possibilidade de ir senti-me muito bem”, rematou a jovem, que sabe que muita gente esteve envolvida para que estes cinco dias de aventura fossem possíveis. É claro que esta não foi a primeira viagem de Augusta Fernandes. Enquanto aluna do agrupamento de Vimioso, mas também como estudante do liceu, já chegou a ir a Lisboa e ao Porto. Mas, óbvio, sendo uma viagem para fora do país e com tanta gente… foi “especial”. “Foi uma viagem ao exterior, de longa duração e pude contactar com outras pessoas que conhecia mesmo bem ou não conhecia de todo”, vincou a jovem, que assinalou que os colegas com quem tem mais “afinidade” a ajudaram “muito” e não a deixavam sozinha. Mas, no geral, todos tentaram, em algum momento, dar a ajuda precisa e andávamos sempre juntos. A futura arquitecta ou designer, sendo apaixonada por arte, claro que adorou Barcelona. “Vi vários monumentos que gostei e já queria visitar há muito tempo. Estivemos na Sagrada Família e foi bastante especial. Aliás, foi o lugar em que mais gostei de estar”, frisou Augusta Fernandes. Depois de Barcelona, o objectivo é, para o ano, já no último do secundário, conseguir participar na viagem que, frequentemente, é feita a Roma. Esta é também organizada pelos professores de Educação Moral e Religiosa Católica.
“Não há impossíveis”
A deslocação de Augusta Fernandes, que precisou de um transporte próprio para ir a Barcelona, foi paga pela Câmara Municipal de Vimioso. Já a estadia dos dois elementos dos Bombeiros Voluntários de Bragança, que a acompanharam, de forma a conseguir que esta se deslocasse para os mesmos sítios que os colegas, foi paga pela União das Freguesias de Sé, Santa Maria e Meixedo. Também a madrinha da jovem rumou a Espanha, de forma a ajudar Augusta com os afazeres mais íntimos e pessoais. E foi assim que, com a ajuda de todos, se tornou possível. O professor de Moral, Alberto Pais, que deu o “pontapé de saída” para a realização de tudo, assumiu que não podia estar mais satisfeito. “Tive este gosto e desafio de tentar que ela participasse. Não queria que ela ficasse para trás e esse é um dos grandes lemas de Moral. Claro que sabia que iria ser difícil porque há muitas situações que não estão ao nosso alcance, mas quem não tenta não consegue”, frisou o docente da Escola Secundária Emídio Garcia. Não tendo ficado surpreendido com a colaboração dos colegas de Augusta Fernandes, já que “em contexto de sala de aula e nos intervalos, todos têm uma boa relação”, Alberto Pais disse que ficou sim surpreso com o facto de, num grupo tão grande, a presença da jovem ter marcado a viagem. “Fomos um grupo. Umas vezes a Augusta esperava por nós, outras vezes nós pela Augusta. Foi muito bom. A grande aprendizagem é de que não há impossíveis, que quando saímos, saímos todos e quando voltamos, voltamos todos”, sublinhou o professor.
Os mesmos direitos
Rafaela Calado, também de Argozelo e igualmente aluna da Emídio Garcia, do 11º ano, assume que a presença da colega foi benéfica. “Foi bom ter a Augusta connosco nesta viagem. Temos que ser inclusivos. Ela tem os mesmos direitos que nós”, esclareceu. Mesmo que, em alguns momentos, a jovem não pudesse acompanhar o grupo, pelos mesmos caminhos, e que houvesse algum cansaço, a presença de Augusta foi importante para os colegas. “Valeu a pena tê-la por perto. Tentávamos estar sempre uns com os outros”, frisou ainda Rafaela Calado.
Inclusão real
Carlos Fernandes, director da Escola Secundária Emídio Garcia, não tem dúvidas de que “é este juntar de sinergias que permite uma inclusão mais profícua e mais real”, que, na verdade, é aquilo que interessa enquanto escola e como educadores, “promover uma inclusão que chegue a todos”. Esta não é a primeira vez que um aluno com dificuldades de mobilidade participa neste tipo de actividades. “Desta vez teve mais impacto porque foi uma viagem longa e ao estrangeiro, mas, no dia-a-dia, em deslocações internas, como sendo idas ao teatro, a museus, com a ajuda dos bombeiros de Bragança, que são inexcedíveis, tentamos que todos participem da mesma forma naquilo que é proposto”, rematou Carlos Fernandes. “Os professores fazem-nos chegar estas situações que carecem deste tipo de apoio e, depois, através de instituições que nos podem apoiar, neste âmbito, tentamos, realmente, levar a cabo este tipo de açcões”, esclareceu ainda o director da escola, que disse que o feedback da aluna, em relação a esta viagem, “foi muito positivo”. “É uma menina satisfeita, feliz e integrada”, terminou.
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