Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 17 de junho de 2014

O Ciclo do Porco I


                         A Criação
O reco era, numa casa de lavoura, a melhor dispensa nos anos cinquenta e sessenta.
Uma casa de lavoura bem governada começava o ciclo do porco pelo início. Estamos a falar do reco bísaro o que era criado nos currais dos lavradores. Até os mais pobres rendeiros, que gostavam de ter um mimo em casa para si e visitas, criavam o seu réquinho.
Então, começava-se com uma reca parideira que se levantava à cria e lá iam com ela ao Curral dos Limas e a Belizanda abria a porta da loije ao borrão. Sucedia uma das duas situações: o borrão saía para o curral a mascar, a grunhir e a cusmar pelos queixos ou a reca, por instinto cioso, entrava no cortelho do borrão e passados segundos saltava-lhe. Por vezes, o borrão não lhe apontava bem o «trado» para o sítio e era um atasanar, que era interrompido com a dona a pegar-lhe no instrumento e a encostá-lo na cenisga e depois tudo se consumava.
Curioso era qualquer mãe não resguardar os filhos destas cenas procriativas, que eram consideradas naturais. As fêmeas andavam à cria e esse momento era desejado por todos e levava à procriação. Numa casa de lavoura haver crias novas era sinal de fartura e de riqueza.
Depois da reca ir à cria e passados uns quatro meses lá vinha a ninhada dos leitões. Umas vezes poucos e outras vezes mais que as tetas e o menos ágil a abocanhar a mama acabava por morrer engeguido. O momento da mamada dos leitões é ímpar, com a reca deitada de lado e eles a sugarem nas tetas, acompanhados por um grunhir cadenciado da mãe. Dizem que é para o leite correr melhor para as crias.
A parição requeria cuidados e acompanhamento para se saber quando chegava o momento. Era um tempo de comportamento imprevisível de algumas porcas que chegavam a devorar as suas crias à nascença. Ficavam bravas com as crias e atacavam quem se aproximava e não conheciam bem e na confusão lá ia um leitão ou outro.
A minha irmã Rosa, ainda pequenota, ficou com a incumbência de ir dar a bianda à porca parida. Esta deve-se ter assustado, grunhiu enraivecida e devorou logo uma cria. Aos gritos de pânico, da minha irmã, acudiram duas ou três vizinhas. Claro que eu fiquei na varanda e nunca me familiarizei com recos. As mulheres sentenciaram que devia ter sido obra do diabo e não sei se lhe rezaram para sair o espírito maligno da reca. O que sei é que esta ficou apartada dos leitões.
A reca e os leitões eram amimados nos primeiros tempos, não faltando a malga de farelos e até de farinha e, quando havia gado, até o soro da coalhada lhes botavam no masseirão aos leitões.
Só os porcos pequenos comiam no masseirão. Estes eram de madeira e móveis que os recos maiores viravam com facilidade, metendo-lhe o focinho por baixo e lá se ia a bianda. Por isso, comiam nas pias, geralmente de xisto e hoje muito procuradas para adornos dos espaços abertos das casas.
Diz o rifão: leitão de mês, cabrito de três, mulher de dezassete e homem de vinte e três. Um leitão só se comia em dia de festa e nas casas de lavoura remediadas ou abastadas porque quantos mais se vendessem no tempo, mais dinheiro havia para as necessidades.
Com as aparas da comida e os restos e as lavaduras da panela e pratos lá se iam alimentando. Quando chegava o pico da fruta no Verão era tempo de fartura. Melancias e melões estragados ou as cascas partidas aos pedacitos, bem como outra fruta da época, iam-nos fazendo crescer.
Quem queria comprar um larego ou dois para matar no ano seguinte ia à bila (Mirandela), à feira dos três ou catorze de Setembro. E lá comprava um ou dois laregos bízaros de perna alta e compridos para botarem boas cebas.
Faziam o caminho até à Barca, a pé e passavam na barca. Uma pessoa à frente ia chamando, coche-coche, e outra a trás com uma vergasta para os fazer andar.
Os laregos ao entrarem no curral de minha casa nunca mais eram vistos até à matança. Fechavam-se as portas do curral e só alguma vizinha de absoluta confiança os poderia ver para que nenhuma invejosa lhe deitasse mau-olhado. Dizia-se que havia uma ou outra mulher na aldeia que tinha esses poderes. Se os recos se escapavam para a rua eram logo recolhidos e, às vezes, um ou outro adoecia. Sentenciavam que lhe tinham feito mal com a vista e apontava-se o dedo. Certo é que as pessoas anuíam e não havia contestação.
Importa referir que os recos passavam por quatro fases de importância. Leitões enquanto mamavam. Com a desmama adquiriam o estatuto de laregos, na fase de maior crescimento. Quando crescidos (adultos) passavam a recos e os bem tratados, na fase da engorda, eram cebas. Nesta última fase eram alimentados do melhor que havia.

Por: Jorge Lage
in:jornal.netbila.net

1 comentário:

  1. Ciclo do reco!!!!!! que terminava na matança e no sustento das populações, que tinham poder para os criar.
    Uma bela recriação de como antigamente todo este ciclo era feito, com os pormenores todos!!!!.

    ResponderEliminar