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Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)
(Henrique Martins)
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N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.
terça-feira, 17 de junho de 2014
O Ciclo do Porco I
A Criação
O reco era, numa casa de lavoura, a melhor dispensa nos anos cinquenta e sessenta.
Uma casa de lavoura bem governada começava o ciclo do porco pelo início. Estamos a falar do reco bísaro o que era criado nos currais dos lavradores. Até os mais pobres rendeiros, que gostavam de ter um mimo em casa para si e visitas, criavam o seu réquinho.
Então, começava-se com uma reca parideira que se levantava à cria e lá iam com ela ao Curral dos Limas e a Belizanda abria a porta da loije ao borrão. Sucedia uma das duas situações: o borrão saía para o curral a mascar, a grunhir e a cusmar pelos queixos ou a reca, por instinto cioso, entrava no cortelho do borrão e passados segundos saltava-lhe. Por vezes, o borrão não lhe apontava bem o «trado» para o sítio e era um atasanar, que era interrompido com a dona a pegar-lhe no instrumento e a encostá-lo na cenisga e depois tudo se consumava.
Curioso era qualquer mãe não resguardar os filhos destas cenas procriativas, que eram consideradas naturais. As fêmeas andavam à cria e esse momento era desejado por todos e levava à procriação. Numa casa de lavoura haver crias novas era sinal de fartura e de riqueza.
Depois da reca ir à cria e passados uns quatro meses lá vinha a ninhada dos leitões. Umas vezes poucos e outras vezes mais que as tetas e o menos ágil a abocanhar a mama acabava por morrer engeguido. O momento da mamada dos leitões é ímpar, com a reca deitada de lado e eles a sugarem nas tetas, acompanhados por um grunhir cadenciado da mãe. Dizem que é para o leite correr melhor para as crias.
A parição requeria cuidados e acompanhamento para se saber quando chegava o momento. Era um tempo de comportamento imprevisível de algumas porcas que chegavam a devorar as suas crias à nascença. Ficavam bravas com as crias e atacavam quem se aproximava e não conheciam bem e na confusão lá ia um leitão ou outro.
A minha irmã Rosa, ainda pequenota, ficou com a incumbência de ir dar a bianda à porca parida. Esta deve-se ter assustado, grunhiu enraivecida e devorou logo uma cria. Aos gritos de pânico, da minha irmã, acudiram duas ou três vizinhas. Claro que eu fiquei na varanda e nunca me familiarizei com recos. As mulheres sentenciaram que devia ter sido obra do diabo e não sei se lhe rezaram para sair o espírito maligno da reca. O que sei é que esta ficou apartada dos leitões.
A reca e os leitões eram amimados nos primeiros tempos, não faltando a malga de farelos e até de farinha e, quando havia gado, até o soro da coalhada lhes botavam no masseirão aos leitões.
Só os porcos pequenos comiam no masseirão. Estes eram de madeira e móveis que os recos maiores viravam com facilidade, metendo-lhe o focinho por baixo e lá se ia a bianda. Por isso, comiam nas pias, geralmente de xisto e hoje muito procuradas para adornos dos espaços abertos das casas.
Diz o rifão: leitão de mês, cabrito de três, mulher de dezassete e homem de vinte e três. Um leitão só se comia em dia de festa e nas casas de lavoura remediadas ou abastadas porque quantos mais se vendessem no tempo, mais dinheiro havia para as necessidades.
Com as aparas da comida e os restos e as lavaduras da panela e pratos lá se iam alimentando. Quando chegava o pico da fruta no Verão era tempo de fartura. Melancias e melões estragados ou as cascas partidas aos pedacitos, bem como outra fruta da época, iam-nos fazendo crescer.
Quem queria comprar um larego ou dois para matar no ano seguinte ia à bila (Mirandela), à feira dos três ou catorze de Setembro. E lá comprava um ou dois laregos bízaros de perna alta e compridos para botarem boas cebas.
Faziam o caminho até à Barca, a pé e passavam na barca. Uma pessoa à frente ia chamando, coche-coche, e outra a trás com uma vergasta para os fazer andar.
Os laregos ao entrarem no curral de minha casa nunca mais eram vistos até à matança. Fechavam-se as portas do curral e só alguma vizinha de absoluta confiança os poderia ver para que nenhuma invejosa lhe deitasse mau-olhado. Dizia-se que havia uma ou outra mulher na aldeia que tinha esses poderes. Se os recos se escapavam para a rua eram logo recolhidos e, às vezes, um ou outro adoecia. Sentenciavam que lhe tinham feito mal com a vista e apontava-se o dedo. Certo é que as pessoas anuíam e não havia contestação.
Importa referir que os recos passavam por quatro fases de importância. Leitões enquanto mamavam. Com a desmama adquiriam o estatuto de laregos, na fase de maior crescimento. Quando crescidos (adultos) passavam a recos e os bem tratados, na fase da engorda, eram cebas. Nesta última fase eram alimentados do melhor que havia.
Por: Jorge Lage
in:jornal.netbila.net
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Ciclo do reco!!!!!! que terminava na matança e no sustento das populações, que tinham poder para os criar.
ResponderEliminarUma bela recriação de como antigamente todo este ciclo era feito, com os pormenores todos!!!!.