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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 4 de junho de 2013

GRÃO-DE-BICO, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“Hoje temos grão-de-bico. Não sei se o senhor pároco gostará, foi para variar...”
[in O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz]

Grão-de-bico, ervanço, gravanço ou garbanço, é uma leguminosa (papilionáceas) de cor amarelada e como o nome indica, bicuda. Originária de uma região entalada entre o sul do Cáucaso, o norte da Pérsia e Grécia, os gregos chamavam-lhe erebinthos e também krios, o comediógrafo Aristófanes entendia gozadamente a primeira definição de membro viril, a segunda significava carneiro (máquina de guerra na altura) muito parecida à leguminosa. Nos banquetes, o grão-de-bico, modesto, cumpria bem a função de ajudar a prolongar as libações, servido tostado levava ao aumento de desejo pelas bebidas.
Dada a forma arredondada e o aspecto, microscópico, de carneiro, levou os gregos à aludida comparação, os egípcios chamavam-lhe her-bak. No Egipto bak significava falcão, pássaro simbólico de Horus, razão de terem aparecido interpretações singulares e obscuras referentes ao apreciado gravanço.
Na Antiguidade o grão-de-bico suscitou a atenção de Hipócrates, Dioscórides, Galeno e Oribásios, Avicena, Ysacus e outros, visto lhe reconhecerem inúmeras virtudes, além de três serem de grande relevo: afrodisíaca, curativa e tónica. O grão-de-bico seria fortificante do sangue, do corpo, diurético, vermicida, calmante de dores de dentes, anti-reumático, descongestivo dos testículos.
Os romanos apodavam o grão de Cicer arietinum, (Lineu adoptou-o), e o famoso Cícero (Marcus Tullius) recebeu este nome por ter uma verruga no nariz em forma de grão-de-bico (cicer, ciceris), outra versão radica a origem da alcunha no facto de a família ganhar muito dinheiro a vender o grão. Os romanos comiam-nos secos, verdes e em molhos diversos, Dioscórides descreve as espécies da leguminosa, mais tarde o italiano Tommaseo distinguirá quatro variedades: o grão-de-bico rotundo e branco, o branco comum, o vermelho e o negro. No século XII, o botânico muçulmano Abu al –Jayr de Sevilha enuncia as mesmas quatro variedades: o branco, o amarelo, o vermelho e o negro.
O genial Leonardo da Vinci, na célebre obra Notas de Cozinha assegura que a água onde ele esteve de molho, tem a tripla qualidade de: eliminar as lombrigas intestinais, dissolver os cálculos biliares e limpar os rins. A medicina popular continua a atribuir-lhas propriedades, sem esquecer as afrodisíacas já referenciadas pelos romanos e botânicos árabes.
No Tratado de Correcções de Alimentos, Razi acrescenta que os efeitos se multiplicam adicionando-lhe cominhos e pimenta. Os compêndios eróticos enaltecem o grão-de-bico quanto a ser benéfico para as artes do amor, no Jardim Perfumado aconselha-se um preparado à base de suco de cebola e mel diluídos na água onde estiveram a demolhar grãos-de-bico durante um dia inteiro. A água deve ser tomada à noite antes de irmos para a cama. A título de exemplo aludo a mais uma receita desse teor: cuscos de vieiras, amêijoas e berbigões sobre manto de grão-de-bico.
O tratamento culinário do grão-de-bico foi evoluindo com o decorrer dos séculos, de aperitivo puxavante de bebida na Grécia Antiga, até à entrada na alta cozinha de fusão, percorreu a via sacra das sopas, rodeado de verduras, nas sete cozeduras mais ou menos elaboradas.
Apícius deixou nota que na cozinha romana o fritavam servindo-o bem condimentado com sal, cominhos, azeite, e um pouco de vinho, em pastas e saladas. Na Arménia pelo ano mil fazia-se uma pasta de grão cozido ao vapor, os árabes inventaram inúmeros pratos a exaltarem o seu valor nutritivo: em empadas recheadas com tortilhas e bolos. As cozinhas europeias acolheram-no bem, inicialmente recebeu as boas vindas da cozinha catalã e italiana, as restantes imitaram-nas, incluindo a portuguesa de índole rural primeiramente, para depois chegar a todos os lugares de norte a sul do País.
O gracioso grão é actor em numerosos episódios risonhos da história das artes culinárias pelo seu peculiar volume a fazer estragos na roupa do consumidor quando não tem cuidado – um no prato, dois no chão –, é influente nas diferentes receitas de cocido, têm fama os cultivados na zona de Zamora. Tendo tantos predicados até concede favores aos mixordeiros, que após o torrarem e moerem o fazem passar à condição de café, por essa razão na Inglaterra é nomeado por coffe pea, e em França pois café.
Muito popular, a igreja ortodoxa e a igreja católica distinguiam-no como alimento de dias de abstinência, dias de penitência, dias de luto, dias de caridade e pesar. A apologia do grão-de-bico nos actos caritativos, é patente nos jantares que a Santa Casa da Misericórdia de Bragança distribuía aos presos nas quartas-feiras da Quaresma desde a sua fundação, até pelo menos 1721. Na obra A Santa Casa de Bragança, Monsenhor José de Castro conta-nos: “jantar abundante no qual o bacalhau e o grão-de-bico faziam as honras, e o vinho não escasseava”. Na Quinta-Feira Santa o jantar aos presos assumia uma maior solenidade, no do ano de 1659, gastaram-se: 500 reis num alqueire e meio de grãos 3.000 réis em três arrobas de bacalhau, 80 reis em pão para os presos, 680 réis em vinho e 1410 réis em seis caixas de marmelada.
Muito energético porque rico em hidratos de carbono, barato, tornou-se num bem amado da população portugueses, existindo tertúlias cujo prato de convivialidade é grão-de-bico com bacalhau, alho, azeite, colorau e salsa a comporem.
Na culinária transmontana são conhecidas várias formas de apresentação do grão-de-bico tendo em conta a sazonalidade e os produtos existentes, a revista Brigantia (1998) assinala nos pratos de Inverno o caldo de grão-de-bico e o grão-de-bico com bacalhau e arroz, azeite e pimentos. Na mesma revista é publicada uma receita de bacalhau com grão-de-bico e sopas, recolha de Élia Mofreita, informando ser “refeição forte, própria do tempo de calor, nas segadas”.

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.

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