Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

PRESUNTO, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“Bragança pretendeu ser uma espécie de Sedan no tempo dos Bouillon. A serrania dá-lhe uma severa e forte cozinha, uns presuntos excelentes...”
[in A Cozinha Cristã do Ocidente, de Álvaro Cunqueiro.]

Foi Dom Álvaro galego defensor e divulgador das coisas boas da Galiza, luminoso escritor, sabedor e refinado gourmet, justo apreciador dos produtos e comeres de variadas regiões, especialmente das cristãs do Ocidente.
Assistiu toda a razão a Dom Álvaro em prodigalizar elogios aos presuntos de matriz bragançana, pena é que a distracção para não dizer incúria de gente responsável tenha contribuído para o seu apagamento enquanto produto de primeira categoria a potenciar o agressivo nicho do turismo gastronómico mundial, a região Nordestina.
Os produtores compatriotas do autor de La Casa de Lúculo o El Arte de Comer, conseguiram elevar o jamón à condição de “ouro com gordura” estabelecendo uma próspera indústria cujas múltiplas ramificações originam riqueza, emprego e fama, tendo logrado ascender à condição de marca maior de algumas zonas de Espanha.
Em boa verdade, desde a Antiguidade, o presunto recebeu elogios de diferentes quilates, até poemas de louvor dos poetas porcófilos amantes das suas esquisitas qualidades. O comediógrafo Antífanes gostava das patas dos presuntos assadas, Anaxipo considerava-as adequadas à alimentação dos filósofos, Hesiquio tinha no presunto o seu manjar predilecto, Aristógenes de Cirene exibia tão grande habilidade a prepará-los, que passaram a ser conhecidos como os «presuntos de Aristógenes». O ferino comediógrafo Aristófanes (445-385 a.C.) na hilariante obra Pluto anunciava que o deus Hermes andava descontente porque durante os sacrifícios não recebia presuntos. Outras obras da época clássica elogiam os presuntos fazendo-nos perceber quanto os gregos e romanos lhes queriam bem. O filósofo Platão fazia parte dos amantes do presunto, menciona-o na obra Grifos, e recomenda-o como terapia para os enfermos.
É difícil precisar-se quando e como começou o sistema de salgar e curar os presuntos, até atingirem a plena maturação. Seguramente, há milhares de anos, isto porque os gregos deixaram escritos a darem conta do extremo apreço pelos presuntos vindos da Lícia, da Frígia e da Ásia Menor. Os romanos recebiam presuntos da Catalunha, da Hispânia, de Vestefália. O imperador Diocleciano estabeleceu uma taxa especial a onerar os presuntos da Hispânia, dada a sua invulgar sapidez.
O tronitruante e estudioso Catão, no tratado Sobre a Agricultura, incluiu uma receita sobre o modo de curar presuntos. Essa receita ainda justifica menção, porque a técnica no essencial persiste. Atente-se: “Cobre-se de sal o fundo de uma tina e põe-se em cima o presunto, com a pele por baixo. Cobre-se tudo com sal e põe-se outro presunto por cima e cobre-se da mesma maneira. Há que ter o cuidado da carne não tocar na carne. Faz-se assim e quando se tenham todos os presuntos na pilha, cobre-se a parte alta com sal de modo a que não se veja nada da carne e alisa-se uniformemente. Ao fim de cinco dias, tiram-se com o sal e os que estavam em cima passam para baixo. Depois ao duodécimo dia tiram-se os presuntos, escova-se o sal com uma esponja e untam-se com azeite. Depois colocam-se ao fumo durante dois dias e ao terceiro limpam-se esfregando-se com vinagre e azeite. Depois colocam-se na despensa, e não devem tocar-lhe os morcegos e os vermes.”
Ao falarmos de Auvergne, Baiona, Guijuelo, Huesca, Iorque, Jabugo, Lacaune, Lião, Parma, Praga, Pirinéus, Sabóia, Trevélez e Vestefália estamos a falar de presuntos significantes por terem rompido as barreiras locais, regionais em nacionais. Em Trevelez, os presuntos conservados na neve transformaram-se num produto gourmet de excepção, conquistando os consumidores mais exigentes.
Em Portugal ganharam relevo os presuntos considerados de Chaves e Lamego, porque essas localidades centralizavam a venda nas feiras anuais os vindos das regiões limítrofes, esquecendo-se, injustamente, outras terras a começar por Bragança, e acabar no Soajo, passando pelo Barroso e Vinhais.
A fumagem constituía o processo empregue com maior frequência na sua preparação e conservação.
O celebrado Orezia definia o presunto dizendo:” a fumosa perna”. No fluir dos séculos impôs-se como alimento de alta condição, na época feudal era “moeda” de pagamento de impostos.
Para o célebre Cristoforo di Messisburgo trinchante na corte de Afonso I, e Ercole II, o presunto é componente essencial na despensa e o cozinheiro Mestre Martino ao serviço do Patriarca de Aquiteia, século XV, no Livro de Arte, ensina o método de escolha de um bom presunto.
Alguns dos presuntos originários de localidades acima consignadas são objecto de estudo histórico, reconhecimento e veneração a nível mundial, inspirando artistas, até cineastas, lembro o filme Jamón, Jamón (1992), beneficiando as regiões de onde provêm. E por cá, como é? Fica a interrogação.
As propriedades sápidas dos diversos presuntos, crus ou cozidos, sempre estiveram subjacentes à natureza do sal, ao modelo de conservação, raça e idade do porco e alimentação por ele recebida, eis as razões que enformam a classificação geográfica agora em normativos comunitários, no antecedente através da fama alcançada.
O presunto consome-se cru ou preparado nas várias cozeduras, dando corpo a um amplo naipe de receitas seja no capítulo das entradas, das sopas, pratos de peixe (mormente de bacalhau), carnes, arrozes, bolas, folares, massas, doces, lambiscos e petiscos.
O presunto no território bragançano é desde tempos antigos reconhecido como produto de eleição, tinha grande valor económico para as maioria das famílias pois atingia preços de venda a possibilitarem ganhos empregues na aquisição de produtos de primeira necessidade caso do açúcar, arroz, azeite, bacalhau, sardinha, petróleo, remédios e roupas.
Estas fortes razões levavam as mulheres a empregarem cuidados acrescidos na criação dos porcos, os presuntos (até se trocavam por toucinho) no conjunto das carnes vendidas no mercado pagavam taxas mais altas, logo seguidos pelo toucinho. O presunto dada a notável qualidade e ser mais raro, o toucinho dada a polivalência granjeavam grande procura por parte da generalidade da população. Alguns exemplos:

• Em 1906, o presunto pagava por quilo 540 réis de taxa, o toucinho 500, a vitela 200, o carneiro 140.
• Em 1909, o presunto pagava 440 réis, o toucinho 360, a vitela 215, o carneiro 140.
• Em 1910, o presunto pagava 560 réis, o toucinho 480, a vitela 240, o carneiro 140.
• Em 1912, o presunto pagava 500 réis, o toucinho 400, a vitela de 1.ª qualidade 280, o carneiro e o chibato 140.
• Em 1915, o presunto pagava $60 centavos, o toucinho $55, a vitela de 1.ª qualidade $34, o carneiro e o chibato $18.
• Em 1920, o presunto pagava 3$00, o toucinho 3$00, a vitela de 1.ª qualidade 1$20, o carneiro e o chibato, $80 centavos.
• Em 1924, o presunto custava por quilo 20$00, o toucinho 18$00, a vitela 10$00 e o cabrito 5$00.
• Em 1928, o quilo de presunto custava 13$50, o de toucinho 11$00, o de vitela 7$00, o de cabrito 6$00 e o de carneiro 4$00.
• Em 1932, o quilo presunto custava 14$00, o de toucinho 8$00, o de vitela 6$00, o de cabrito 3$50, o de carneiro 2$00.

A leitura dos números permite-nos perceber o valimento do presunto no quadro das carnes vendidas e consumidas em Bragança.

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.

Sem comentários:

Enviar um comentário