Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
No Museu Municipal do Crato, há uma imagem de Santa Marta que recebe a atenção de todos os visitantes porque tem na mão direita uma colher de prata, destoando totalmente do resto da imagem e, inclusive, de todo o espólio ali guardado e exposto.
Questionado sobre o anacronismo, o técnico superior do município e principal responsável pela instalação e manutenção do espaço museológico, confirmou a “desconformidade” justificando-a com o facto de a estatueta ter sido doada ao Museu, com o referido adereço e não ver razão fundada para lho retirar. “A colher justifica-se pelo facto de Santa Marta ser cozinheira!” Acrescentou ainda que tal facto constitui um motivo de interesse adicional. “É normal, ao saírem, os visitantes perguntarem por que razão há uma imagem medieval com uma colher de prata na mão” o que aumenta a curiosidade do espaço.
Surpreendido por qualquer uma das justificações, confesso, resolvi aproveitar tal facto para, com o título, chamar a atenção do leitor, para este texto que, obviamente, não pretende ficar por esta estranha ocorrência, mas ir um pouco mais além, como a seguir, farei.
Guiados pelo credenciado especialista em história de arte, Jorge Rodrigues, técnico superior da Fundação Gulbenkian, aposentado e antes de rumar ao extraordinário Mosteiro de Santa Maria da Flor da Rosa (sede do priorado da Ordem do Hospital, e mais tarde de Malta), estendemos a visita à Igreja Matriz da vila alentejana. Entre várias curiosidades e motivos de interesse, a grande novidade aparece no telhado do templo com o remate dos vários pináculos com acrotérios devidamente decorados com figuras de anjos e santos. O mentor de tal “novidade” renascentista terá sido D. Luís de Portugal, Duque de Beja, grande mecenas da vila onde estava sedeada a Ordem de que era prior, por decisão real do seu irmão D. João III. “Em Portugal só existem num outro lugar: Torre de Moncorvo!” A pergunta era óbvia: “Porquê Moncorvo? Terá algo a ver com o facto de o culto e rico irmão do rei ter casado, nesta vila do nordeste, com Violante Gomes, a Formosa Pelicana?”.
O historiador não soube responder embora tivesse, de imediato, aceitado a tese como boa e a justificar mais investigação. Em prol desta teoria surgem, nos estremos das goteiras do telhado e igualmente patrocinadas por D. Luís, Prior do Crato, exuberantes e assustadoras gárgulas, em tudo idênticas às que ornamentam os topos do telhado da Basílica de Moncorvo.
Tendo em vista o poder económico do Duque, uma das figuras de proa do mecenato artístico renascentista, sobretudo em obras de pendor religioso, tais factos podem contrariar teses sobre a promoção e financiamento da monumental Igreja de Nossa Senhora da Assunção, do sul do nordeste transmontano, atribuída aos ricos cristãos-novos desta localidade, dado que, ao contrário da do Crato, esta foi planeada e começada a erguer durante a vida do ilustre fidalgo. Moncorvo, cuja afirmação contemporânea passa muito pela exploração da sua história e cultura, muito teria a ganhar com o aprofundamento desta ligação histórica!
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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