9.junho.1879 – 7.janeiro.1881
CHAVES, 17.9.1835 – LISBOA, 5.4.1913
Advogado. Magistrado judicial.
Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra.
Procurador à Junta Geral de Vila Real. Governador civil de Bragança (1879-1881). Deputado (1881, 1884, 1887, 1889-1890, 1892, 1894 e 1897-1898). Presidente da Câmara dos Deputados (1897-1898). Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria (1889-1890 e 1904-1905). Par do Reino (1898). Ministro do Reino (1905-1906).
Natural da freguesia de Vilela do Tâmega, concelho de Chaves.
Filho de Silvestre José Coelho e de Ana Borges de Moura.
Casou com Carolina de Almeida Pessanha, pertencente a uma das mais influentes famílias brigantinas.
Cunhado de Carolino de Almeida Pessanha, deputado e governador civil de Bragança.
Grã-cruz da Ordem de Carlos III de Espanha. Grã-Cruz da Ordem da Coroa da Prússia.
Oficial da Legião de Honra de França.
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Nascido no lugar de Redial, freguesia de Vilela do Tâmega, Eduardo José Coelho matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1856. Ali fez um curso distinto, sendo um dos melhores alunos de Direito. Formado no ano de 1861, assim que concluiu os estudos regressou ao seu concelho natal, abrindo banca de advogado em Chaves.
Ingressou depois na carreira oficial da magistratura, sendo despachado delegado do procurador régio. Em outubro de 1883, foi promovido a juiz de primeira instância na comarca judicial de Beja, transitando em 1886 a juiz da primeira vara cível da comarca de Lisboa. A sua carreira culminou nas funções de juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Seria ainda comissário régio junto da Companhia do Niassa.
Quanto ao seu percurso político, filiado no Partido Progressista, que lideraria na cidade e no distrito de Bragança, começou por ser procurador à Junta Geral de Vila Real, e por decreto de 9 de junho de 1879 foi nomeado governador civil de Bragança, tomando posse a 7 do mês seguinte, na presença do vogal do Conselho de Distrito, Joaquim Guilherme Cardoso de Sá, uma nomeação muito aplaudida pelos seus pares e muito contestada pelos seus adversários políticos. De resto, Eduardo José Coelho foi um homem muito polémico, e toda a sua ação, no decurso das suas funções enquanto governador civil e fora delas, foi alvo dos maiores elogios por parte do seu partido e de críticas constantes por parte dos regeneradores. Por exemplo, foi muito criticado, em setembro de 1879, pelo seu “furor demissionário”, que o levou a alijar escrivães da fazenda, amanuenses, mesas de confrarias e irmandades, etc.
Só o jornal Gazeta de Bragança, uma folha regeneradora, publicou dezenas e dezenas de textos atacando Eduardo Coelho, considerando-o responsável por vários problemas que então afetavam o distrito de Bragança, principalmente no que se prendia com o caminho-de-ferro, alimentando uma verdadeira contenda com o Nordeste, órgão do Partido Progressista, que se arrastou no distrito durante anos.
Foi exonerado das funções de governador civil de Bragança a 7 de janeiro de 1881, por ter sido nesse mesmo mês eleito deputado pela primeira vez, na eleição suplementar efetuada no círculo uninominal de Pombal ( juramento a 17.1.1881), para a legislatura que terminaria a 4 de junho seguinte. Foi reeleito em 1884 para a legislatura de 1884-1887, pelo círculo uninominal de Chaves, e consecutivamente para as legislaturas de 1887-1889, 1890-1892, 1893, 1894 e 1897-1899, sempre pelo círculo plurinominal de Bragança. Na Câmara dos Deputados integrou numerosas comissões parlamentares, destacando-se as de Consultas Gerais (1881, 1887), Inquérito às Secretarias de Estado (1881), Legislação Penal ou Criminal (1885-1887), Recenseamento (1885), Fazenda (1886 e 1893), Legislação Civil (1886-1887), Verificação de Poderes (1887), Administração Pública (1887-1889, 1893, 1894 e 1896), Diplomática (1887), Bill de Indemnidade (1887 e 1894), Resposta ao Discurso da Coroa (1889) e Obras Públicas (1889).
Orador fluente, Eduardo Coelho foi um parlamentar muito ativo, intervindo especialmente sobre assuntos de alguma forma relacionados com o distrito de Bragança.
Logo na sua estreia, na sessão legislativa de 1881, apresentou um projeto de lei que visava mudar a sede da assembleia eleitoral do círculo de Mirandela (3 e 4.3.1881) e interveio na discussão sobre a reforma administrativa, sublinhando que “a reforma do Tribunal Administrativo, combinada com o princípio da representação das minorias, que se consigna em seus preceitos, eram sem dúvida as duas grandes inovações que per si justificavam completamente a reforma” (15.3.1881). Preocupou-se com a falta de estradas na província trasmontana, defendendo a construção da estrada de Vinhais a Mirandela (21 e 22.3.1881) e propondo melhoramentos viários, nomeadamente o caminho-de-ferro de Foz Tua a Mirandela (18.3.1881).
Na sessão legislativa de 1885, interveio na discussão do projeto de resposta ao discurso da Coroa, pronunciando-se sobre a participação de Portugal na Conferência de Berlim e criticando o Partido Regenerador (27.1.1885). Como representante do círculo de Chaves, pronunciou-se sobre a agitação verificada no concelho e que punha em causa a ordem pública e o serviço fiscal e aduaneiro (7.1.1885), e apresentou vários requerimentos de interesse particular e público, como o dos professores primários do distrito (24.2.1885). Preocupado com o isolamento e atraso económico do distrito de Bragança, interpelou o ministro das Obras Públicas sobre a crise económica e agrícola deste território e sobre a irregularidade e atraso nos trabalhos públicos que estavam previstos para a região (28.4.1885).
Em 1887, como deputado pelo círculo de Bragança, apresentou uma representação da Câmara Municipal que solicitava a permissão para desviar do fundo de viação municipal uma verba destinada aos melhoramentos na cidade (17.5.1887), e uma representação da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros que pedia também que fosse desviada uma verba do cofre de viação para ser aplicado no abastecimento de águas (11.6.1887).
Em 1888, apresentou uma representação conjunta das câmaras municipais de Macedo de Cavaleiros, Vinhais e Bragança, em que pediam que se desse desenvolvimento à viação ordinária no distrito e que fosse decretado o plano de viação ordinária da província de Trás- -os-Montes (27.4.1888); e a representação da Câmara Municipal de Miranda do Douro, que pedia a construção do ramal do caminho-de-ferro do Douro (27.6.1988). As questões ligadas com as obras públicas realizadas ou propostas com o fim de melhorar as condições de circulação no País foram alvo do seu interesse e, por isso, participou em grande parte dessas discussões, mesmo quando diziam respeito a outras zonas do território nacional, como aconteceu com as obras do porto de Lisboa e do caminho-de-ferro até Cascais (12.5.1888). E enquanto membro da comissão parlamentar, deu parecer sobre o Código Comercial promulgado em 1888, e interveio por várias vezes nas discussões relativas aos preceitos estipulados por este código, nomeadamente em relação ao regime penitenciário (16.3.1888).
Em 1889, interrompeu a sua atividade parlamentar para integrar o Governo de José Luciano de Castro, na qualidade de ministro das Obras Públicas, por decreto de 23 de fevereiro de 1889, numa recomposição ministerial em que substituiu Emídio Navarro. Após ter tomado posse, interveio variadas vezes na Câmara dos Deputados relativamente a assuntos daquela pasta, como os contratos feitos com as companhias vinícolas do Norte e Sul (5.4.1889); a situação agrícola do País e o mau estado de conservação em que se encontravam algumas estradas distritais e reais (6.7.1889); o caminho-de-ferro do Algarve (23.4.1889 e 18.6.1889) e o caminho-deferro de Vendas Novas a Santarém (10.6.1889); o crédito agrícola e outros assuntos ligados com a agricultura, como a filoxera (18.5.1889, 28.5.1889, 10.6.1889); e os direitos de Portugal na África Oriental e Central (7.6.1889). Por sua vez, na Câmara dos Pares, foi interpelado por Costa Lobo sobre o desmoronamento do Mosteiro dos Jerónimos (10.4.1889), respondeu às questões colocadas sobre a constituição da Companhia Vinícola do Norte (27.4.1889; 3.5.1889), apresentou um projeto de lei para a instalação do coletor da zona baixa da cidade de Lisboa (13.5.1889), relatou a situação do caminho-de-ferro do Algarve e anunciou a sua abertura (13.5.1889 e 19.6.1889), expôs a situação dos azeites nacionais e a intenção do Governo de tomar medidas para os proteger (19.6.1889) e falou sobre o sistema de canalização de águas e instalação de esgotos na cidade de Coimbra (3 e 5.7.1889).
Exonerado o Governo a 14 de janeiro de 1890, Eduardo José Coelho voltou a sentar-se no Parlamento na qualidade de deputado. Nessa primeira sessão legislativa, interveio na discussão do projeto de lei que estabelecia um adicional de 6% sobre as contribuições do Estado (4.7.1890), apresentou representações das câmaras municipais de Bragança e de Macedo de Cavaleiros contra este valor adicional (5.7.1890 e 8.7.1890), e interpelou o ministro das Obras Públicas sobre diferentes atos da sua gerência, particularmente sobre as despesas feitas com as reparações em edifícios públicos (21.7.1890). Na sessão de 22.7.1890, manifestou o desejo de apresentar uma nota de interpelação ao ministro do Reino sobre as violências e abusos praticados pelos agentes do Governo na anterior eleição de deputados (22.7.1890).
A existência de irregularidades nas eleições foi assunto que retomou nos anos seguintes, nomeadamente o caso registado no concelho de Vimioso, comarca de Miranda do Douro, onde se tinha chegado a prender três ou quatro dos 40 maiores contribuintes para evitar que exercessem o seu direito eleitoral (21.1.1892, 25.1.1892, 20.2.1892). Em 1893, chegou mesmo a trocar explicações com o ministro do Reino sobre as violências praticadas na eleição do deputado por Vila do Conde (26.6.1893) e apresentou um projeto de lei relativo às contribuições diretas em dívida (17.6.1893) e outro sobre as dívidas à Fazenda Nacional (27.6.1893).
Após a sua eleição como deputado pela oitava e última vez, em 1897, pelo círculo de Bragança, Eduardo José Coelho foi nomeado presidente da Câmara dos Deputados, em 30 de junho de 1897, exercendo tais funções até 28 de março de 1898. Das 45 sessões que tiveram lugar desde que tomou posse como presidente, Eduardo José Coelho presidiu a 43, revelando assim uma notável assiduidade. O seu discurso inaugural foi pautado por repetidos apelos à cooperação da Câmara, em defesa do regime parlamentar, da liberdade e dos valores e instituições do constitucionalismo português.
Na Câmara dos Pares, da qual passou a fazer parte a partir de 1898, continuou a ter uma participação ativa, intervindo nas discussões, apresentando requerimentos e interpelando o Governo. Nesta Câmara, voltou a retomar a discussão sobre a forma como se realizavam as eleições (17.2.1900). Das várias interpelações que pretendeu fazer ao Governo, refiram-se a apresentada em 1901 sobre as diferentes dissoluções de câmaras municipais (14.1.1901) e as apresentadas em 1902 sobre os motivos constitucionais da dissolução da Câmara dos Deputados por decreto de 4 de junho de 1901 (18.1.1902) e sobre o decreto ditatorial referente ao serviço do recrutamento militar (14.2.1902). Interveio ainda na discussão de vários assuntos, como a criação do curso de Notariado (11.2.1901 e 5.3.1901), a constituição de sociedades por quotas (26.3.1901), a introdução de novas formas de julgamento dos crimes de fabricação de moeda falsa (22.5.1901) e a reforma da Guarda-Fiscal (8 e 11.3.1902).
Em outubro de 1904, voltou a assumir a pasta das Obras Públicas, num Governo organizado novamente por José Luciano de Castro. Numa recomposição efetuada em maio de 1905, é transferido para a pasta do Reino, que vagara pela saída do conselheiro Pereira de Miranda. Nesta qualidade, procedeu a uma importante reforma do ensino secundário, atenuando a contribuição da formação clássica, onde o Latim surgia como a disciplina de maior carga horária, e reforçando a carga letiva das disciplinas científicas no Curso Geral. A Física, a Química e as Ciências da Natureza foram promovidas a disciplinas independentes no curso complementar de ciências, e dedicou-se mais tempo ao Inglês, Alemão e Francês. Aboliu o sistema do livro único, substituído pela prévia aprovação governamental dos compêndios utilizados em cada liceu, e criou o “caderno escolar”, destinado a registar toda a vida escolar do aluno (assiduidade, aproveitamento, classificações, prémios e castigos).
Abandonou as funções ministeriais em 1906, regressando à Câmara dos Pares, onde em março de 1907 apresentou a sua última intervenção parlamentar de relevo, a propósito da liberdade de imprensa.
Foi um dos mais considerados sócios do Montepio Geral, presidindo a sua assembleia- geral nos anos de 1901-1902, e deixou publicados vários dos seus discursos proferidos nas duas câmaras parlamentares.
Após a proclamação da República, no 5 de Outubro de 1910, afastou-se definitivamente da política, vindo a falecer pouco tempo depois, a 5 de abril de 1913. Em sua homenagem, o seu nome encontra-se inscrito na toponímia da cidade de Bragança.
Um retrato panegírico de Eduardo José Coelho (1905)
Um dos mais proeminentes vultos da política portuguesa da atualidade, pelo seu talento, pela retidão do seu caráter, pela inconcussa probidade do seu ânimo, pela convicção nos seus princípios e franqueza trasmontana com que sabe defendê-los e propugnar por eles, pela dedicação inexcedível ao seu partido, a qual é para ele, como para todos os partidários convictos, o mesmo que a dedicação patriótica pela causa pública, é incontestadamente o nosso prestigioso chefe – o conselheiro Eduardo José Coelho –, de quem hoje damos o retrato.
Tendo arrastado em Coimbra, embora já com brilho e distinção, os cinco anos fatais da formatura em Direito, ele foi a pouco tardar despachado delegado do procurador régio para a comarca de Bragança; e os anos o têm feito já desembargador da Relação de Lisboa.
Não há por isto que o elogiar; o progresso na sua carreira deve-o à lei, que a todos o garante igualmente. Não há que elogiar também pela correção do seu procedimento como magistrado, pela retidão dos seus julgamentos, pela justiça imparcial que tem administrado em todas as comarcas onde serviu, em todas as instâncias a que tem sido promovido.
É esse o dever do magistrado judicial, e a magistratura portuguesa tem timbrado em se honrar pelo cumprimento do dever.
Mas ainda na vida da magistratura ele se tem salientado entre tantos e tão ilustres membros dela. Nunca ninguém ousou salpicar-lhe a toga, e as suas sentenças têm sido acatadas com respeito ainda pelos vencidos. Dos seus merecimentos como juiz se têm socorrido por vezes os governos; e os próprios adversários, ainda há pouco, recorreram à sua incontroversa competência em assuntos jurídicos, nomeando-o presidente da comissão para o estudo das decisões encontradas dos tribunais em matéria civil.
Onde, porém, o conselheiro Eduardo Coelho tem revelado toda a pujança do seu talento, a intemerata retidão do seu espírito e a indisputada probidade do seu caráter, é na vida política, a verdadeira pedra de toque dos espíritos de eleição. Os mais fortes carateres ali sucumbem, as mais poderosas inteligências baqueiam, se a virtude não lhes é companheira inseparável; e o conselheiro Eduardo Coelho tem seguido sem desvio a linha reta, que o tem conduzido às culminâncias da vida pública e à consideração respeitosa dos seus concidadãos.
Foi pela primeira vez deputado em 1881, não chegando, por virtude de dissolução da Câmara, a exercer as respetivas funções nem ainda dois meses.
Sabe toda a gente o que foram as eleições regeneradoras desse ano: o Partido Progressista conseguiu apenas salvar das violências governamentais quatro deputados, não podendo fazer vingar a eleição do próprio chefe o honradíssimo estadista Anselmo Braamcamp.
E Eduardo José Coelho foi sacrificado também às fúrias regeneradoras, de que pessoalmente ia sendo vítima, e politicamente o espoliaram do diploma de deputado pelo círculo de Mirandela.
Só em 1885 ele voltou novamente ao Parlamento, e já em fevereiro de 1889 ele foi chamado aos conselhos da Coroa. Pouco mais de quatro anos de tirocínio parlamentar foram bastantes para ascender ao mais elevado cargo que a política portuguesa pode oferecer.
Se isto não é revelação do verdadeiro talento, quando o facto se dá com um homem que não é cortesão nem bajulador, que não tem atrás de si jornais de grande tiragem, nem poderosas companhias, nem as altas proteções, é efeito então de uma predestinação especial; mas essa predestinação, que Santo Agostinho na Cidade de Deus chama a graça, na cidade dos homens chama-se o génio.
Em má ocasião, porém, entrou no Ministério o conselheiro Eduardo Coelho. Ele foi substituir um dos talentos mais pujantes e mais fecundos, que tem passado pelos conselhos da Coroa. Emídio Navarro tinha revolvido tudo, tinha feito uma completa remodelação e reforma de todos os serviços do ministério das Obras Públicas; não se podia na ocasião ir mais adiante, nem se podia alterar a obra deste estadista, pois que não mudara a situação.
E assim o conselheiro Eduardo Coelho, que foi substituí-lo, tinha de se limitar quase ao expediente ordinário dos negócios.
Não obstante, nos dez meses que foi ministro, o distrito de Bragança, de que ele tem sido devotado protetor, deixou de ser o esquecido dos governos, e viu os seus filhos terem, como os dos outros distritos, compartilha nos cargos públicos, viu o dinheiro do Estado aplicado também aos seus melhoramentos locais, viu a criação da Escola Industrial em Bragança e da Escola Agrícola em Mirandela, o que tudo foi depois desfeito e anulado pelos regeneradores.
E, se não viu votado logo o caminho-de-ferro para a capital do distrito, foi porque os acontecimentos precipitaram a queda do Governo, pois em Conselho de Ministros tinha sido resolvida a sua construção, por dela fazer questão política o conselheiro Eduardo Coelho.
Saído do Ministério a 11 de janeiro de 1890, o conselheiro Eduardo Coelho foi um combatente denodado contra o novo Governo, bem como contra todos que se lhe seguiram, com exceção dos presididos por João Crisóstomo, a quem o Partido Progressista favoreceu; e por tal modo se houve, e tão brilhantes foram as manifestações da sua inteligência esclarecida e sensata, que na seguinte situação política foi escolhido para presidente da Câmara dos Deputados, cargo que desempenhou com tal hombridade e cordura que, quando el-Rei pelos seus merecimentos o nomeou membro da Câmara alta, a Câmara dos Deputados prestou-lhe a mais elevada prova de consideração e apreço que até aí tinha prestado aos seus presidentes, sem que dessa manifestação se afastasse nenhuma das parcialidades políticas, nenhum dos elementos de que a Câmara se compunha.
Não foi então um mero ato de cortesia, como depois de tornou; os regeneradores, que são propensos às represálias, tinham a vingar as amarguras infligidas a Santos Viegas em 1894, e contudo foram eles que exaltaram em seus discursos a correção do procedimento daquele, que desejariam imolar aos rancores do seu predecessor.
E por tal modo o seu procedimento como presidente da Câmara dos Deputados foi agradável ao Governo, a quem apoiava, que não podendo na Câmara alta nomeá-lo para a presidência ou vice-presidência, que estavam preenchidas, o fez escolher e o nomeou suplente à presidência.
Na Câmara alta tem-se Eduardo Coelho guindado à altura dos maiores parlamentares.
Escolhido sob o Governo progressista para relator de importantíssimos projetos de Justiça e de Fazenda, quase constantemente se via na necessidade de ocupar uma parte das sessões com a defesa do Governo e dos seus projetos, violentamente atacados naquela casa do Parlamento.
Causava admiração tanta energia e tanta atividade, tanta revelação de ciência ou de estudo, e tanto mais quanto os trabalhos parlamentares o não impediam de dar expediente ou solução aos assuntos de justiça que, como desembargador da Relação, cumpria expedir ou resolver.
Novamente as mutações políticas fizeram com que ele alinhasse na oposição parlamentar, acompanhando o seu partido; e nesta situação tem-se mostrado um parlamentar enérgico no ataque valoroso pela erudição, temível pela firmeza dos golpes, discutindo as mais importantes propostas do Governo, propugnando pelos interesses da Pátria e pelos princípios liberais e censurando acremente as violências governativas.
E dos outros se destaca a sua eloquência, por não ser fundida em molde de convencionalismo: chama às coisas pelos seus nomes, argumenta pelos princípios liberais e pela lei, critica segundo os ditames da sua razão esclarecida. Não tem desfalecimentos por nenhuma causa, nem transige com a consciência. E por isso é justamente considerado e respeitado por todos, é temido dos adversários, que não podem dominar-lhe os ímpetos como não podem sobrepujar-lhe a inteligência.
E a sua maior força consiste ainda em que não é possível encontrar-lhe uma só nódoa a manchar-lhe a sua já longa vida; e por isso ele vai subindo sempre ao cume da existência por um caminho ingreme, é verdade, mas aberto e limpo, que o não deixa resvalar; e, com bem poucos mais, ele pode ser considerado Bayard na política portuguesa, onde aparecem tantos Condestáveis de Bourbon.
E nem menos era de esperar do conselheiro Eduardo Coelho. De seus maiores com o sangue ele lhes herdou as virtudes; e a sua alma foi formada na educação de um lar exemplaríssimo, que no ânimo lhe incutiu como norma suprema da vida a religião da honra. Nas virtudes da família, nos exemplos do lar, se formou o caráter inquebrantável do homem de bem.
O afeiçoamento da sua inteligência aos princípios da liberdade foi-lhe ministrado pelo entusiasmo da escola na simpatia juvenil pela fraternidade humana. Novo ainda foi ele frequentar a Universidade no começo da segunda metade do século passado, quando dos imortais princípios, hoje escarnecidos por um oportunismo arbitrário, moderna firma do despotismo antigo, se constituía quase a atmosfera social coimbrã; e os seus pulmões de criança hauriam em largas aspirações esse ar, que lhe aquecia o sangue em ímpetos juvenis pelo bem e pelo Direito.
E o estudo inteligente confirmou na fé da liberdade o seu coração ardente.
E assim se formou o cérebro e o coração desse homem. E não podia degenerar o caráter formado com tais elementos, porque o estudo lho robusteceu; não podia abjurar de sua crença uma alma que desde o berço se norteou unicamente pela honra.
De estranhar seria, pois, que Eduardo Coelho não fosse grande, porque é talentoso, e é um crente, e é um caráter.
“Caturrice” – Artigo da Gazeta de Bragança a atacar Eduardo José Coelho (1893)
Chama-nos caturra o Nordeste, por não deixarmos esquecer a responsabilidade que ao Sr. Eduardo Coelho cabe de não haver sido votado em 1889 o prolongamento até Bragança do caminho-de-ferro do Tua.
Caturrice será a nossa insistência em recordar os factos a tal respeito; mas nós não dizemos senão a verdade. Ora, a asserção do Nordeste de que o Partido Regenerador não tem tenção de trazer a Bragança a viação acelerada é que é inteiramente gratuita.
A realização desse melhoramento constitui hoje o lema do Partido Regenerador do alto distrito; e apenas as finanças do Estado entrem em situação mais desafogada que a atual, encetar-se-á uma campanha na imprensa e no parlamento para o conseguir.
Com um chefe prestigioso e cheio de valor, como é o conselheiro Franco Castelo Branco, e com a boa vontade e dedicação de todos nós, correligionários de um partido de guerras e de ruínas, regenerou o País, enriquecendo-o com o grande desenvolvimento imprimido às obras públicas, temos fé que a aspiração capital dos concelhos do norte do distrito será dentro de poucos anos devidamente atendida, vindo ao fim um dia o silvo da locomotiva anunciar-nos de que também esta região, por tanto tempo esquecida dos Governos, é chamada à comunhão no progresso material do século.
Quanto às culpas do Sr. Eduardo Coelho no malogro que o projeto do caminho-de-ferro de Bragança teve na sessão legislativa de 1889, ninguém ficou com ilusões a este respeito. A responsabilidade desse grande desastre cai em cheio sobre os seus ombros.
Acerca dos motivos da conduta do Sr. Eduardo Coelho, então ministro das Obras Públicas, sobre essa questão é que houve divergências na opinião pública.
Quiseram uns ver no seu procedimento um propósito de beneficiar Mirandela, baluarte da influência da família Pessanha, cujo chefe ele é; pois que, com o prolongamento da via férrea, não ficaria naquela vila a estação terminus, que lhe está atraindo o movimento comercial de quase todo o distrito.
Outros filiam a sua conduta na fraqueza ou no seu apego à pasta que, com tanta felicidade, com tão extraordinária felicidade, lhe caíra nas mãos.
Mas, diz o Nordeste, as exigências políticas impuseram-lhe o caminho-de-ferro de Arganil.
Impuseram-lho porque ele foi fraco. O projeto desse caminho-de-ferro era tão escandaloso, que se entendeu que só a sombra do de Bragança podia ter alguma probabilidade de passar nas câmaras. Mas o falecido conselheiro Lopo Vaz, então líder da oposição regeneradora na Câmara dos Deputados, declarou terminantemente ao Governo, ao Sr. Eduardo Coelho, que o seu partido não votaria o projeto do caminho-de-ferro de Bragança, se não fosse apresentado em separado do de Arganil.
E o Sr. Eduardo Coelho, que viu claramente perdido o melhoramento de que dependia a prosperidade da terra que o exaltou na sua carreira política – porque o que é deve-o a Bragança – teimou em apresentar os dois projetos juntos, ligados como os irmãos siameses.
Foi propósito premeditado, foi fraqueza, foi receio de perder a pasta adorada?
Lá o sabe ele na sua consciência.
O que é infelizmente certo é que Bragança ficou então, que tão propício era o ensejo, sem a viação acelerada de que tanto precisa.
Fosse o Sr. Eduardo Coelho o homem que devia ser, dedicado sinceramente a Bragança, e não se importasse tanto com os sindicateiros de Arganil, o caminho direito que tinha a seguir, a conduta que devera adotar, era a devotação franca e aberta pelos interesses vitais das populações que o levantaram nos escudos e o ajudaram a elevar-se às culminâncias do poder, embora sacrificasse no momento a sua pasta de ministro.
Caísse nessa questão, que caía bem: o distrito de Bragança o levantaria.
Fosse ele um homem!...
Fonte. Gazeta de Bragança, II Ano, n.º 91, 18.10.1893, página 1.
Fontes e Bibliografia
Arquivo Distrital de Bragança, Autos de Posse (1845-1928).
Arquivo da Universidade de Coimbra, documentos vários.
Gazeta de Bragança, II Ano, n.º 91, 18.10.1893.
O Nordeste, ano XVI, n.º 842, 29.7.1905.
ALVES, Francisco Manuel. 2000. Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança, vol. VII. Bragança:
Câmara Municipal de Bragança / Instituto Português de Museus.
GRANDE Enciclopédia Portuguesa e Brasileira t. VII, Lisboa, 1935-1987.
FERREIRA, Diogo. 2016. “Eduardo José Coelho”. In Os presidentes do Parlamento português, vol. I, Monarquia Constitucional (1820-1910), tomo II. Lisboa: Assembleia da República. MÓNICA, Maria Filomena (coord.). 2004. Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910), vol. I. Lisboa:
Assembleia da República.
PESSANHA, José Benedito de Almeida. 1923. Os Almirantes Pessanhas e sua descendência. Porto: Imprensa Portuguesa.
Publicação da C.M. Bragança

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