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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 7 de junho de 2025

As estratégias das plantas: dormir é também resistir

 E se o mundo vegetal também dormisse — mas à sua maneira? Nem todas as estratégias de sobrevivência no mundo vegetal envolvem crescimento rápido, competição por luz, ou mecanismos de defesa ativos.

Malva sylvestris. Foto: Benoît Prieur/WikiCommons

Muitas plantas optam por poupar energia e adaptar-se a ciclos ambientais previsíveis, como a alternância entre o dia e a noite.

Dente-de-leão. Foto: Thomas Wolf/WikiCommons

Sem sistema nervoso nem órgãos sensoriais e sem sono como o conhecemos, estas plantas entram num estado de menor atividade fisiológica. É uma resposta evolutiva que aumenta a sua resiliência face às condições do ambiente.

Estratégias noturnas: adaptação e eficiência

Durante a noite, muitas espécies modificam subtilmente a sua morfologia. As folhas mudam de orientação, os caules inclinam-se ligeiramente e algumas flores fecham-se até ao amanhecer.

Estas mudanças não servem apenas para “dormir”, fazem parte de uma estratégia ativa de regulação. Ao ajustar a posição de alguns órgãos, as plantas reduzem a perda de água por transpiração, evitam a acumulação de humidade nas superfícies e protegem os tecidos mais sensíveis do frio.

São comportamentos que seguem ritmos precisos, coordenados por variações de luz e temperatura e regulados por um relógio biológico interno.

O que são movimentos nictinásticos?

Este tipo de resposta noturna, por vezes descrita como “sono vegetal”, tem uma base biológica bem estudada. Ao longo do ciclo diário, muitas plantas ajustam a posição de folhas ou de flores em resposta à alternância entre luz e escuridão. Estes movimentos previsíveis e reversíveis são conhecidos como movimentos nictinásticos.

Ao contrário dos animais, que necessitam de sistemas nervosos para coordenar o sono e o repouso, as plantas regulam a sua atividade através de um ritmo circadiano – um relógio interno que sincroniza os processos fisiológicos com os ciclos do dia e da noite. Este mecanismo permite-lhes antecipar as mudanças de luminosidade e adaptar-se de forma eficiente.

Em muitas espécies, esses movimentos resultam de alterações de pressão interna em zonas sensíveis na base das folhas, das flores ou dos ramos. Nessas regiões, a planta regula a quantidade de água no interior das células, alterando a pressão interna dos tecidos e provocando movimentos subtis – como o fecho noturno das flores ou a sua reabertura ao amanhecer.

Apesar de lentos, esses movimentos são energeticamente económicos e desempenham funções fundamentais: protegem os tecidos, reduzem perdas de água e ajudam a resistir ao frio e à humidade noturnos.

É importante distinguir os movimentos nictinásticos de outros tipos de movimentos relacionados com a luz, como o heliotropismo. Um exemplo conhecido é o do girassol (Helianthus annuus), cujas flores jovens acompanham o movimento do sol durante o dia, voltando à posição inicial durante a noite.

Girassol. Foto: Johann Jaritz/WikiCommons

Este comportamento é uma resposta direta à luz solar, e não ao relógio interno da planta. Nos movimentos nictinásticos, por outro lado, a planta move-se mesmo na ausência de luz, guiada por um ritmo interno que antecipa o amanhecer e o anoitecer.

Poupar água e energia: o movimento das folhas

Durante a noite, quando a temperatura baixa e a humidade aumenta, as plantas enfrentam o desafio de conservar água — um recurso essencial para o seu metabolismo e sobrevivência. Os movimentos nictinásticos, como o fecho das folhas e das flores, são uma estratégia inteligente para minimizar a perda de água através da transpiração.

O trevo-branco (Trifolium repens), por exemplo – para muitos uma erva indesejada, mas tão comum nos nossos campos e jardins -, recolhe as suas folhas ao anoitecer, num gesto controlado por zonas especializadas, protegendo-se da perda de humidade para o ar. O mesmo se verifica com a ervilhaca (Vicia sativa), que dobra as suas folhas para dentro, resguardando-se das condições noturnas.

Um exemplo curioso é o da mimosa (Mimosa pudica), uma planta tropical originária da América do Sul, muitas vezes cultivada como ornamental. As suas folhas reagem rapidamente ao toque ou à vibração, num movimento de defesa. Apesar desse movimento não estar diretamente ligado ao ciclo dia-noite, esta planta também exibe movimentos nictinásticos: ao anoitecer, as suas folhas recolhem-se lentamente, num gesto de “descanso” controlado internamente. 

Proteção das flores: fechar para proteger

Tal como as folhas, muitas flores também fecham ao anoitecer. Este movimento, que pode parecer apenas decorativo, tem na verdade uma função clara – proteger as estruturas reprodutivas do frio, da humidade e de potenciais predadores ou insetos noturnos indesejados.

Espécies como a malva (Malva sylvestris), a papoila (Papaver rhoeas) ou o dente-de-leão (Taraxacum officinale) exibem bem este tipo de comportamento. As pétalas fecham-se ao fim do dia e voltam a abrir-se com a luz da manhã, sincronizadas com os períodos de maior atividade dos polinizadores.

Este padrão pode ser observado também em várias plantas cultivadas: a calêndula (Calendula officinalis), a gazânia (Gazania rigens), o hibisco (Hibiscus rosa-sinensis), a flor de maracujá (Passiflora caerulea), a prímula (Primula vulgaris) ou a onze-horas (Portulaca grandiflora) — comuns em jardins e floreiras — fecham as flores ao entardecer ou em dias escuros, poupando energia e protegendo-se. 

Este comportamento, embora discreto, é uma adaptação engenhosa. As flores acompanham o ritmo da luz, abrindo-se quando o dia nasce para atrair polinizadores e cumprir o seu papel na reprodução.

Mas nem todas as plantas seguem esta regra. Algumas fazem exatamente o contrário – abrem as flores precisamente quando o sol desaparece, aproveitando a atividade de polinizadores noturnos. A dama-da-noite (Cestrum nocturnum) liberta um perfume intenso ao anoitecer, atraindo traças. O cacto-flor-da-noite (Epiphyllum oxypetalum) é outro exemplo interessante. A sua floração, rara e efémera, acontece apenas durante a noite. 

Outras funções do “descanso” noturno

Os movimentos noturnos das plantas vão além da simples antecipação do escurecer. Em certas espécies, recolher as folhas e fechar as flores reduz a exposição a herbívoros que atuam à noite, tornando-as menos acessíveis e menos apetecíveis.

Além disso, o recolhimento das estruturas expostas ajuda a evitar a acumulação de água da chuva ou do orvalho, prevenindo o desenvolvimento de fungos e bactérias que podem prejudicar a saúde da planta. Este ajuste na posição dos órgãos também ajuda a reter a perda de calor durante as noites frias, protegendo tecidos sensíveis e mantendo o equilíbrio fisiológico.

Estes mecanismos, embora discretos, são adaptações que aumentam a resiliência das plantas face a variações ambientais e a ameaças bióticas, revelando que o “descanso” vegetal é uma estratégia multifuncional e essencial para a sua sobrevivência.

Onze-horas. Foto: Salicyna/WikiCommons

No silêncio da noite, o mundo vegetal não está inativo – está em sintonia com o ritmo da vida. As folhas recolhem-se, as flores fecham-se ou despertam, conforme o seu plano ecológico. Estes comportamentos, muitas vezes invisíveis ao olhar apressado, são fruto de milhões de anos de evolução. 

Este “sono” sem olhos nem cérebro é regulado por relógios internos que sincronizam a atividade fisiológica com o ciclo dia-noite, permitindo às plantas antecipar as mudanças e agir de forma proativa. Dormir, para uma planta, é uma pausa estratégica: um modo de resistir, conservar energia e preparar-se para o próximo dia.

Da próxima vez que passear num jardim ao entardecer, observe com calma. As plantas, mesmo em silêncio, não param de viver – movem-se, protegem-se, sobrevivem. E, se se deixar envolver, não hesite: volte durante a noite – algumas poderão surpreendê-lo com aromas intensos ou movimentos inesperados. Descubra que, no mundo vegetal, o repouso não é parar, mas sim uma estratégia de equilíbrio — entre o silêncio e a adaptação, entre a pausa e a preparação para recomeçar.

Carine Azevedo

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