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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Uma militante “reforma” ortográfica em Bragança

Não havia, antes de 1910, um “Centro” republicano, mas havia, desde os primórdios de 1908, um jornal republicano, A Pátria Nova, que nos tem acompanhado... Pelo significado que assume, cabe-nos chamar a atenção, por se tratar, muito provavelmente, de um caso muito raro, para o que parece ter sido a originalidade ortográfica deste órgão bragançano. Nesta secção em que falamos de cultura e das suas manifestações, não podíamos deixar de referir a especificidade ortográfica que assumiu, tema que ganha particular acuidade num momento em que tanto se discute o mais recente acordo ortográfico.

António Quintela, político republicano e diretor de A Pátria Nova

Desde os primeiros números de 1908 que o "corpo redatorial" e, segundo parece, os colaboradores mais assíduos e mais próximos, não respeitam a norma usual e passam a escrever com uma ortografia mais simplificada e mais em consonância com a fonética. As alterações, precoces e de monta, anunciam as decisões que vão ser tomadas, e consagradas oficialmente pela grande reforma ortográfica de 1911, adotada para todas as escolas e publicações oficiais. Suprimiam-se as consoantes duplas: ella, funccionar, sabbado. Caem consoantes que não se liam: enthusiasmo, comprehender, exhibir, theatro, ahi, alumno, hum. Desaparecem as consoantes mudas: director, respectivo, caráter, baptismo, corrupção, adoptar, recepção, acção, caracterizar, acto, excepção, assumpto, presumpção, condemnam, districto. O y é substituído pelo i (thysico dá tísico…) e desaparece o ch: parocho e monarchia passam a grafar-se pároco e monarquia. O ph dá lugar ao f (v. g., farmácia por pharmácia). Há aqui muitas “normas” que vão ser consagradas pela reforma de 1911.
Todas estas (e outras) alterações – que nos primeiros números do jornal ainda não estão bem afinadas – parecem resultar da ânsia, manifesta e intencionalmente assumida, de simplificar a expressão escrita, facilitando assim a ortografia. Em textos que eram da responsabilidade de autores que não integravam o corpo redatorial, mantinha-se a ortografia habitual e normal.
Não existia, de certeza, um "livro de estilo" que impusesse estas regras. Eram, muito provavelmente, fruto de decisões que visavam consagrar uma escrita simplificada para mais facilmente chegar a um público mais alargado. Deviam ter sido invocadas razões de ordem científica e pragmática, no sentido de pôr de lado o que se designava por escrita etimológica.
Note-se ainda que, à época, surgem várias e sérias tentativas, provenientes de algumas forças políticas, de inspiração socialista e anarco-sindicalista, que, com intuitos de ordem social, apresentaram propostas de simplificação da escrita, que se traduziram numa aproximação da grafia à fonética para melhor servir a ingente causa da alfabetização.
Seja como for, estamos em presença de uma experiência militantemente praticada que, em nome de preocupações de ordem pedagógica e social – de matriz republicana e que têm a ver com o projeto cultural do republicanismo –, pretendia "democratizar" a leitura e a escrita. Com uma grafia menos complicada, seria mais fácil alfabetizar.
A assunção destas regras devia ter provocado alguma relutância em setores cultos, sobretudo nos mais tradicionais. Nas tipografias onde era impresso o jornal, os tipógrafos tinham que estar atentos às normas que a composição de A Pátria Nova exigia. Nas outras "folhas", ali ao lado, as regras eram diferentes.
Não sabemos se estas surpreendentes inovações foram aplicadas noutros órgãos de informação, de inspiração republicana, ou com uma marca mais socializante e radical. A não ter sido assim, o caso de A Pátria Nova brigantina ainda resulta mais surpreendente.
A experiência dura pouco. Houve, em 1910, uma interrupção na publicação desde o princípio do ano a outubro.
Após o 5 de Outubro, o diretor vai ser Júlio Rocha, que integra a Comissão Municipal. A “nova grafia” mantém-se. Vai acabar em 1911, antes da reforma ortográfica, com o novo diretor António Quintela, que entra em funções a 27 de janeiro. Porque os tempos já iam para experiências menos heterodoxas? Porque a reforma ia entrar em vigor dentro de algum tempo? Agora a propriedade é da Comissão Municipal Republicana – até aí havia sido de Rodrigues de Paula – e João José de Freitas é dado, a partir daqui, apenas como fundador. Em A Pátria Nova de 27 de janeiro de 1911, conclui-se que, na prática, Júlio Rocha sempre havia sido o diretor; ao despedir-se desta sua qualidade, escreve: “cargo que sempre, de facto, exerci durante os três anos de vida deste semanário”.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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