sábado, 20 de abril de 2024

Pássaros de S. Mateus

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Havia terminado Agosto mas o Verão continuava persistente como se a Natureza houvesse decidido alongar o seu tempo cálido por um pouco mais.
Naquela manhã que começava com a música da passarada afinada com toda a vontade de usufruir da frescura das árvores que por sua vez conferiam ao prado um misto de luz e sombra que só quem se havia alçado do leito, sem preguiça poderia ter a fortuna de desfrutar. Corremos a armar as pescoceiras que juntando todos os níqueis que aguardavam embrulhados na ponta de um lenço tabaqueiro, não fossem eles caírem sem darmos conta e o raide que estava combinado, se lograria nulo por falta de ratoeiras que o tio Molanchim estivera toda a Santa semana a preparar e que não passariam de três dúzias, contas redondas se juntadas às que havíamos conservado do Verão anterior. 
Na tarde do dia de véspera caíra aquela chuva miudinha que era uma bênção para que as formigas de asa saíssem das entranhas da terra ao cair da tarde e nós diligentemente as metêssemos numa pequena cabaça que continha um cango de uva literalmente limpo de bagos que ajudaria a manter as formigas vivas para após a sua colocação numas plataformas pequenas feitas com o sacho junto das árvores serviam de chamadoiro aos pássaros que àquela hora de puro encanto em que os primeiros raios cruzavam ao céus e o sinfonia atingia o auge e se ouviam no ar as notas musicais que vindas do céu e da terra saiam triunfantes em dós, em rés, colcheias e semicolcheias que nos faziam sentir como parte desta hoste de criaturas em horas de louvor ao Criador que os mais sensíveis não se cansavam de exaltar aos que se debruçavam a retirar a passarada que as formigas no seu constante intento de se soltarem atraiam e nós íamos engatando uns nos outros, metendo a pata de um no bico do outro fazendo um "carriolo" que  em manhã boa podia chegar aos 150 /200 pássaros de todas as milhentas espécies que  juntas umas atrás das outras eram de uma beleza que nos fazia pensar na obra da criação.
Era uma actividade de puro desporto e era guardado apenas por alguns domingos do mês de Setembro, pois o rifão dizia: - Em dia de S. Mateus deixa os pássaros que não são teus.
Ao alvorecer e com as pescoceiras recolhidas e os pássaros "encarrilhados”, colocados a tiracolo éramos uma turba de rapazes felizes que se juntariam à noite na mesa para jantar depois de as mulheres, irmãs, mães, ou vizinhas, os terem limpado, lavando-os com água os metiam um a um na panela que previamente se pusera ao lume com azeite q.b. bem assim como os demais condimentos faziam uma panela de arroz que era colocada no centro da mesa e todos comiam uma iguaria que volvidos  todos estes anos ainda as minhas pupilas gustativas sentem um aflorar insidioso que faz  jus a um evento que todos os anos se repetia para gáudio da garotada que assim cumpria escrupulosamente  com uma tradição que se perdeu.

Em Setembro, se Vénus me ajudar 
Virá alguém!
Eu sou de Virgem 
E só de imaginar 
Me dá vertigem! 
Minha pedra é ametista … minha cor o amarelo mas sou sincero, necessito ir urgente ao dentista

(Versos de Hermes de Aquino)



Bragança 19/03/2024
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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