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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 20 de abril de 2024

Sanduíches de Cogumelos

 A noite acabara com nós os quatro, já ao pé da porta, a folhearmos a preciosa bíblia ilustrada dos cogumelos, Nueva Cocina de las Setas, de Renate Zeltner, e a marcarmos, com dobras no canto das folhas, as receitas mais-mais-mais para experimentarmos um destes dias. Despedimo-nos da Ana Cristina e do Afonso Ruano no tom efusivo dum serão pelo qual não déramos por que as horas passassem, sempre à mesa, conversa e mais conversa, jantar daqueles de páginas de romance inglês, em que tudo decorre perfeito e as histórias se foram interligando sem pontos mortos desde horas antes, iniciadas com um Códega do Larinho que é um dos mais inesperados e bons espumantes entre os vinhos invisíveis de Portugal (sim, Portugal tem uns valentes milhares de hectolitros de vinhos invisíveis, mas isso será assunto para um outro artigo e noutro lugar!), saúdes feitas em copos largos para sentirmos o perfume especial do gás a libertar-se das bolhas. Deste vinho Sylhades, brilhantemente feito no Felgar com a enologia de ferro do Tiago Rachado, e que colocara alta a fasquia, passáramos a um reserva tinto de 2017 da Quinta da Silveira, decantado para se poder abrir em todo o esplendor – fechando  os olhos sabe a um vinho francês com a potência do Douro – e que acompanhou um inesquecível arroz de pantorras, preparado a partir duma fritadela dos cogumelos em azeite com rodelas grossas de três ou quatro dentes de alho, borrifo de molho de soja, cozidas depois com o arroz, a ficar bem solto, temperado com sal e pimenta e misturado com ovos mexidos bem passados e secos, desfeitos e picados com uma faca.
A conversa desse jantar começara precisamente sobre as pantorras tão extraordinárias do Planalto Mirandês e de certos sítios de Macedo e Bragança, as Morchella esculenta, um cogumelo de primavera que cresce em locais ciosamente secretos e são colhidos apenas por quem os conhece. O prodigioso mundo dos cogumelos é sempre uma interface entre épocas e fases da vida, da natureza e do mistério do passado e do futuro, entidades efémeras e, contudo, tão significativas em todos os processos de transformação, com os seus aromas fortes ou subtis, o seu valor vulgar ou precioso, a sua estética tão bela quão desconcertante. E o seu sabor, inimitável, autêntico veludo com que podemos cobrir perdizes, fatias de carne, açordas de deuses e, naquele caso, um arroz dos de repetir por si só.
E até dão para sanduíches! Dias depois desse jantar, nos 70 anos do João Ary, em que a família se congregou numa missa pelo meu sogro na capelinha insólita de Manique de Cima, concelebrada pelos Padres Gonçalo e António Ary, a Joca deu à Mariana uma cópia fac-simile dum livro muito interessante, o das receitas da Avó Malila, que a Tia Luizinha felizmente guardou e usava, todo manuscrito com a sua magnífica letra de caligrafia aprendida no início do século XX, em que a páginas tantas aparecem de seguida algumas fórmulas de sanduíches, decerto muito em voga in illo tempore nas idas para a Praia das Maçãs ou nas viagens em comboios a vapor para São Martinho, em que se levava toda a parafernália para o veraneio e, nuns cestos de verga, as munições de boca para o tempo de travessia do oeste português até à beira-mar. Ora, aqui vão umas dessas sanduíches, das de comer de garfo e faca se assim quiserem, que, só de transcrevê-las em teoria, provocam sentidos e vontades e, por isso, são de certeza mágicas, capazes de, na prática, suscitarem abrir várias garrafas de companhia: Leva-se ao lume cogumelos e pimentos tudo cortado. Tempera-se de sal e pimenta. Torra-se o pão, barre-se as fatias com “paté de foie gras”. Por cima põe-se os cogumelos e os pimentos. Tapa-se com outra fatia, deita-se por cima queijo parmesan e pão ralado. Vai ao forno a gratinar.
Com um espumante gelado, o mar ao fundo, ou aqui, a olhar as serras e a reconsiderar a vida.

Manuel Cardoso
Consultor e escritor

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