Foi num dia de neve e muito frio que encontramos José Santana, um ex-emigrante reformado, a trabalhar nas figuras e peças que dão forma ao grandioso presépio instalado na rua do Norte, num terreno junto ao antigo Cine-Teatro Torralta, cedido ao artesão para esse mesmo efeito. Quem por ali passa não fica indiferente àquela que é uma das maiores referências cristãs da época de Natal, o grande símbolo do nascimento de Jesus Cristo, em Belém, na companhia de Maria e José. É que o seu construtor não deixa nada ao acaso na tentativa de construir a Belém do seu imaginário e, para isso, mete mãos à obra bem cedo, a tempo de ter a obra pronta cerca de duas semanas antes do Natal.
Mas o que leva alguém a construir minuciosamente tal obra com o intuito apenas de a expor na rua e celebrar a época natalícia e o nascimento de Jesus Cristo? José Santana não tem resposta para esta pergunta que não seja o prazer em dedicar-se a tais trabalhos, apelando a uma tradição cristã que corre o risco de começar a cair em desuso, pelo menos nas grandes cidades. Foi desde que se reformou que o ex-emigrante, com 70 anos, decidiu dar asas à imaginação e construir, pela altura do Natal, um grande presépio. Desde há três anos, essa é uma obra que é colocada na rua, num terreno privado que lhe é cedido especialmente para esse efeito, mesmo de frente à sua casa. “Inicialmente fazia o presépio no quintal de casa, ali no bairro de Além do rio. Mas depois decidi fazê-lo aqui, é onde passa mais gente e onde passamos mais tempo”, conta, recordando que ele próprio nasceu naquela rua, numa casa que hoje se encontra demolida. No tal quintal da outra casa, no bairro de Além do Rio, José Santana tem outras peças que despertam curiosidade: os monumentos da cidade de Bragança. São peças de um tamanho considerável, verdadeiras réplicas de alguns dos mais simbólicos e representativos monumentos da cidade: o castelo, a Domus Municipalis, a Igreja de São Vicente, a Sé de Bragança. Curioso, no entanto, é que foi apenas há cerca de sete anos atrás que José Santana se voltou para as artes e meteu mãos à obra. Um dom que lhe vem da imaginação e da vontade de ocupar o muito tempo livre que os dias lhe reservam. “É uma maneira de me entreter, nunca aprendi nada com ninguém”, conta, com simplicidade. Na verdade, tudo começou por um acaso.
Antigamente, na Praça da Sé fazia-se um grande presépio, (hoje substituído por um presépio de luzes já pré-feito), onde figuravam alguns monumentos da cidade. “Eu vi desfazer o presépio e reparei nos monumentos que lá tinham. Foi aí que pensei, porque não fazer o castelo de Bragança?”. Essa foi mesmo a primeira peça que se aventurou a fazer recorrendo a madeira, chapa e outros materiais. Bem sucedido na sua empreitada, quis fazer a Sé de Bragança, peça que, ainda hoje, considera como a “melhor e mais bonita de todas”, e nunca mais parou. Na garagem de sua casa, de portas abertas, cumprimentando quem passa, José vai dando largas à imaginação, ouvindo críticas e sugestões.
“No ano passado os Reis Magos ficaram mais pequenos do que os camelos, mas este ano já estão em condições”, mostrou. O seu empenho na perfeição é levado ao ponto de ter mandado fazer umas alforjas, “à moda antiga”, para colocar em cima dos camelos. “Ainda pensei em aproveitar aquelas meias de Natal que se colocam nas chaminés, mas as alforjas são mais típicas, têm mais a ver”, notou, dizendo, com a humildade de quem se faz a um trabalho por dedicação, que “com a experiência” vai melhorando de ano para ano. A apoiá-lo incondicionalmente está Isabel Santana, a sua esposa, que só recentemente descobriu que o marido levava jeito para estas coisas do artesanato.
“Não sabia que ele tinha este dom e este jeito para fazer estas coisas”, confessou, apontando para os pormenores das peças em execução e para o material ali dispendido. É que, depois de construídas as peças e montado o presépio, José Santana ainda coloca iluminação natalícia, recorrendo, para tal, ao gerador do vizinho do lado. “O vizinho dali do lado faz-me esse favor e eu, depois, pago-lhe a luz”. Um trabalho e uma despesa a que não olha, cumprindo um sonho que em criança nunca realizou. “Quando era criança não fazia presépio, mas ia sempre à Sé ver o que faziam lá”, recordou. Puxando pelas memórias, José lembra que, nos seus tempos de criança, há mais de 50 anos atrás, havia um senhor que fazia o presépio da Sé. “Chamavam-lhe o Alberto de Mirandela e eu, em garoto, ainda cheguei a trabalhar com ele e a vê-lo fazer o presépio. Talvez seja daí que me vieram algumas ideias”. Daí e da sua experiência de vida em França, onde viu, pela primeira vez, as igrejas de traço oriental que hoje recorda para dar forma no seu presépio.
Foi também da experiência laboral que teve em França, trabalho enaltecido e louvado pelos seus patrões, como pudemos ver nas inúmeras cartas de louvor que recebeu, que José adquiriu conhecimentos que, hoje, lhe permitem fazer as peças e os trabalhos manuais com tanta destreza e perfeição. “Eu lá trabalhava nas pontes e fazia um trabalho manual. Tinha de fazer as cofragens e depois colar o betão”, explicou, apontando que “isto é quase a mesma coisa”. Numa comparação curiosa, José Santana vai dizendo que gosta tanto de fazer o presépio e estes trabalhos, como gostava de jogar à bola e assim descobrimos, por acaso, estar perante aquele que foi dos melhores marcadores do Grupo Desportivo do Bragança (GDB). José Santana chegou a fazer duas épocas de juniores e esteve oito anos nos seniores, onde jogou como interior esquerdo. Enquanto esteve na tropa, ainda chegou a treinar no Lusitano de Évora, mas apenas por desporto.
Foi convidado a ficar, mas a sua vida já estava encaminhada noutro sentido. Casado, não quis deixar a terra natal, preferindo regressar. Entretanto, porque a vida é mesmo assim, encontrou-se com três filhas e resolveu emigrar para França para ganhar a vida. Instalado em Paris, José ainda chegou a treinar numa equipa francesa. “Tinha 30 anos e ainda me iam buscar a casa para jogar à bola”.
Depois, teve outra filha e o trabalho assumiu o primeiro plano. “Eu gostava tanto de jogar futebol, como gosto, hoje, de fazer presépios, mas a minha vida não dava para isso”, concluiu. Ainda assim, é sem arrependimentos que olha para trás. “Passei bons dias, não tenho pena do tempo que passei porque também gozei muito”. Hoje, o tempo ocupa-o como gosta, num trabalho que expõe a quem por ali passa. Depois de dias e dias a dar forma ao seu presépio, José revela que, este ano, vai surpreender quem aprecia o seu trabalho e, na noite de Consoada, vai colocar a figura de Maria a caminho de Belém, acompanhada de José. Vale a pena ver e apreciar este trabalho que José dedica a toda a cidade.
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