Então de novo entramos no Soto da nossa aldeia, um mundo fabuloso onde se misturavam cheiros mágicos e cores deslumbrantes. Aqui tudo era possível e as fazendas, os riscados e as popelinas, estavam arrumadas nas prateleiras ao lado da massa, do pimento, do arroz, do açúcar, bem perto da “tarifa” do polvo e do “atado” do bacalhau vindo das terras longínquas da Noruega.
Mais além estavam as miudezas, uma infinidade de linhas, agulhas, elásticos, colchetes e outras pertenças, necessárias ao quotidiano de quem se fazia ao comércio na urgência de comprar, a fiado, tudo aquilo que assegurava o seu viver, nas pacatas sociedades agro-pastoris.
E por hoje falaremos somente nestas miudezas que perpassam pelo nosso dia-a-dia de citadinos, enquanto sonhamos com a horta, com a faceira e o linhar e enganamos o nosso devir, semeando feijões e abóboras nos vasos do parapeito das janelas do nosso apartamento, onde somos encaixotados, longe da liberdade da nossa casa da aldeia, construída à beira da magia dos campos infindos fazendo-se renovo no milagre da hortaliça temporã.
Hoje, neva lá fora…e em noite de neve desejo sempre regressar a casa …acender a lareira e encontrar de novo o nome que a velha mais velha do povoado sempre me chamou e que sabia a mel…a côdeas de centeio e a medronhos em tempo de Natal.
Enfim…as palavras já tardam… tu tambem tardas...e hoje fico por aqui à beira da janela olhando a catedral feita de neve que o céu cinzento está a construir…
…tempos ancestrais regressam na magia da neve e a avó, para sempre, fia na roca perpetuando os longos serões dos misteriosos Invernos do Nordeste transmontano…
(por: Fernando Calado)
A forma que o Fernando Calado encontra para nos contar estas vivências de uma juventude que rapidamente se findou, é extraordinária. Sem grandes deambulações e numa linguagem não rebuscada, simples e clara, mas com as palavras muito bem jogadas e onde o sentimento domina, leva-nos a reviver ao pormenor essa forma simples de viver e traz-nos os momentos em que a família, tinha ao redor da lareira o seu ponto de encontro, em serões de conversa, bem mais interessantes que a "pantalha" a que hoje estamos presos.
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