(Colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Recentemente apareceram uns cartazes com uma frase que causou grande polémica, não propriamente pelo que a mesma afirmava, pois tal é óbvio e indesmentível, “Portugal não é o Bangladesh” mas, no meu modesto entender pela ausência de uma palavra, como mais adiante explicarei. Entretanto, vamos lá ao Bangladesh.
Ouvi falar deste país asiático, pela primeira vez, no início dos anos setenta, a propósito de uma canção do ex-Beatle, George Harrison que haveria de promover o primeiro concerto solidário, precisamente o Concerto para o Bangladesh. Mesmo tendo, em termos financeiros, arrecadado substancialmente menos que o esperado, colocava aquele país nas primeiras páginas das notícias de então, despertando uma onda de solidariedade com o povo bengali vítima de um violento tufão que arrasou muitas povoações e matou meio milhão de pessoas e estava a ser massacrado pelas autoridades paquistanesas.
Porém, passado mais de meio século, não são visíveis grandes sinais de desenvolvimento. Segundo a Wikipédia continua a ser um território de grande pobreza.
A maioria dos habitantes é composta de agricultores pobres, que se esforçam para tentar sobreviver com o fraco rendimento de pequenas propriedades rurais. A maioria da população, com mais de 15 anos, não sabe ler nem escrever. Os maiores problemas nacionais são, a par com o analfabetismo, a corrupção, o autoritarismo e o claro desrespeito pelos direitos humanos. Muitos dos seus habitantes emigram para outras paragens com a esperança de, apesar dos sacrifícios e privações por que têm de passar, construir um futuro melhor para si e para os seus.
Curiosamente, há cinquenta anos, Portugal padecia de debilidades muito parecidas às que hoje assolam os bengalis: o analfabetismo juntava-se à pobreza endémica que assolava todo o país, com especial incidência no interior onde a maioria da população se dedicava à agricultura sobrevivendo com os parcos recursos extraídos de pequenas courelas. A corrupção grassava e, mais do que tolerada, era promovida escorando-se no autoritarismo ditatorial, na repressão de qualquer manifestação de liberdade e na total violação dos direitos humanos.
Perante tais condições de vida, milhares e milhares de portugueses, para fugirem à miséria, à opressão, à ausência de futuro e, igualmente, muitas centenas de jovens, para evitarem a incorporação forçada na injusta e injustificada guerra colonial de onde tantos vieram estropiados, alucinados e em caixões de pinho, decidiram passar a fronteira a salto, com grande sacrifício, muitas privações e grandes dificuldades em busca de um futuro melhor, na Europa, tão perto e tão distante.
Perante a semelhança do que um é hoje e do que o outro foi no passado, a frase verdadeiramente representativa dessa realidade deveria ser: Portugal JÁ não é o Bangladesh.
Quando os portugueses tinham condições por que hoje passam os bengalis, o principal autor e responsável da situação era António de Oliveira Salazar. Ora, sendo pública a ideologia de quem mandou colocar os outdoors e a intenção de replicar não um, mas três Salazares, estou certo que a frase que evidenciaria tal situação seria: Portugal AINDA não é o Bangladesh!
Não, não é. E esperamos que não venha a ser.
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

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