«Um país pequeno, mas rico culturalmente. Uma cultura muitas vezes desconhecida» sublinha o realizador Tiago Pereira. Mudar esta visão restrita que (alguns) portugueses têm sobre a sua própria cultura, nomeadamente musical, é o motor que fez arrancar em Janeiro de 2011 o projecto «A Música Portuguesa a Gostar dela Própria» (MPAGDP).
«O que eu gostava de conseguir é criar nas pessoas a vontade de perceberem que aquilo que se produz de música em Portugal não é aquilo que se conhece e que passa nas rádios, televisão ou em concertos. Há muita coisa que é feita no país e é bom percebermos que acontece porque é uma forma de nos ligarmos a essa cultura. Isto não tem tanto a ver com uma busca pelas nossas raízes mas sim por uma sonoridade que é nossa e diversificada», explica Tiago Pereira, realizador e mentor do projecto.
A Internet é a plataforma de divulgação desta iniciativa voltada à música que reúne ainda outra arte: a da realização. A plataforma on-line foi imaginada por Tiago para ser opensourcing, ou seja um local onde os realizadores interessados possam partilhar os seus filmes. Como denominador comum, aquilo que se faz musicalmente no continente e ilhas.
Num ano, a «Música Portuguesa a Gostar dela Própria» já reuniu mais de 700 vídeos de 300 autores. A primeira constatação a fazer sobre a música nacional é que há de tudo. Navegando pela página da Internet MPAGDP, descobrimos um vídeo (projecto número 374) onde, em Bucos, Cabeceiras de Basto, uma senhora faz, tendo como cenário o campo, uma «mimetização do fiar com paisagem sonora de dobadoira». Do campo à cidade, na Rua Cor-de-Rosa, Cais do Sodré, «Óai d’Ir revelam um repertório inédito de canções acústicas com base nas percussões portuguesas e do mundo, e na melodia, recorrendo a instrumentos étnicos, entre os quais instrumentos de raiz tradicional portuguesa. Um projecto produzido por Miguel Simões e Andreia João, em co-autoria», lê-se na legenda que acompanha o vídeo (projecto número 378).
«A variedade é imensa. Temos uma senhora de 91 anos, açoriana, que ainda canta, bandas experimentais, mas também bandas já mais conhecidas como Pão, Paus, Os Azeitonas. Pessoas já com ligações à indústria discográfica e outras que não fazem a mínima ideia do que isso é, cantam só porque cantam porque a música é uma forma de estar», comenta Tiago Pereira.
No plano da realização, também há uma concepção desejada. Tiago gostaria que a maioria dos filmes gravados para MPAGDP colocam-se os artistas na rua, proporcionando uma simbiose entre a sonoridade do cantor e a paisagem envolvente, sinos a tocar, gente a passar na rua, carros, pássaros, máquinas agrícolas.
Tiago pormenoriza mais um pouco este conceito de realização do MPAGDP: «O conceito é ter o microfone à frente e gravar na rua, como plano fixo, como uma espécie de um teatro onde as pessoas vão, apresentam o que têm de apresentar e partem. Criar uma lógica de concerto intimista».
Um trabalho que continua a ser feito «por carolice» uma vez que as portas onde já bateram se fecharam. «Consideramos que de certo modo o que estamos a fazer é um serviço público no sentido em que dá a conhecer Portugal. É uma iniciativa que devia ser abraçada como causa. No entanto já recebemos mais de cem respostas negativas».
A MPAGDP já contactou televisões, rádios, empresas de diversos sectores e, embora, nalguns casos tenha sido manifestado interesse em apoiar o projecto no final nada acontece. «Há qualquer coisa que não funciona. A mim parece-me que continua a haver muito preconceito em relação ao rural, ao folclore, às artes populares e quando se deparam com estas artes no MPAGDP perdem o interesse. E isto acontece, em parte, porque nunca houve uma política muito forte para promoção desta nossa cultura».
Entraves que não deixam Tiago Pereira de braços cruzados. Para ele a divulgação da música nacional é «uma corrida contra o tempo» e «para mim é importante que haja um grupo de raparigas dos seus 20 anos que cantem polifonia como se cantava há 50 anos no Minho, e que haja pessoas que toquem música tradicional dos Açores aos 12 anos. Isto é que para mim é importante».
O realizador português reforça que o grande trabalho que urge fazer é «mudar mentalidades». «Não se pode ter vergonha da ruralidade e achar inferior quem canta modas antigas ou toca instrumentos tradicionais», comenta Tiago Pereira, e adianta: «Em 1930 os Pauliteiros de Miranda actuavam em Londres, hoje isto não acontece. A internacionalização passa sempre pelo mesmo, como pelo fado. Não acho mal, mas não percebo como é que o cante alentejano não está mais presente em festivais de polifonia, como é que grupos folclóricos não participam em mais festivais internacionais».
A MPAGDP vai continuar a realizar vídeos a partilhá-los na sua plataforma on-line para que esta cultura musical de origem nacional se enraíze nos costumes portugueses. Além deste processo, Tiago deixa ainda uma mensagem sobre a defesa exacerbada da tradição: «Portugal continua a ser muito fechado e o purismo quando se fala de música tradicional está muito presente. Há uma tendência portuguesa para considerar que a tradição é aquilo que se fazia antigamente, mas não, a tradição evoluiu muito. A tradição é um conceito mutável. Hoje tradição é tanto um grupo de Rap como a senhora que canta a música tradicional. Manter a tradição é aceitar que se toque música dos Xutos e Pontapés com instrumentos tradicionais, por exemplo».
Tiago Pereira, natural de Lisboa, auto-intitula-se como «caçador de ritmos, de canções, e de loops». A carreira deste realizador que vai «atrás das memórias» inclui «B Fachada - Tradição Oral Contemporânea» (2008), «Significado» (2010) ou a iniciativa «A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria». Em 2010, foi o vencedor na categoria «Missão» da primeira edição do Prémio Megafone João Aguardela.
Sara Pelicano; fotos - MPAGDP
in:cefeportugal.net
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