O marido acabou de contar as últimas economias, depois de ter pago o empréstimo da casa, do automóvel e duma enciclopédia desnecessária mas que enfeita primorosa a estante da televisão. Depois, verificou com algum pesar que o subsídio de férias tinha sido absorvido pela conta ordenado que foi utilizando ao longo do ano. Contudo, a mulher e a filha reclamam férias na Figueira da Foz, onde o areal se perde de vista e a vizinha do lado, que esteve por essas paragens no ano passado, teceu louvores às belezas da natureza e à magia dum mar lânguido e reconfortante.
- Pois é, se a vizinha pode nos também podemos!
Diz a mulher, exibindo magnificamente os seios no descuido da camisola de trazer por casa.
O homem sem querer adivinhou a sua mulher deitada na praia, longe da privacidade, sujeita à cobiça daqueles seios, para regalo dos mirones que estão em todo o lado, numa bebedeira de pensamentos perversos.
A filha não sabia bem se queria ir para a praia, imaginando a seca da permanência constante com os pais, silenciosamente entristecidos por estarem a gastar o dinheiro tão necessário para a sobrevivência doméstica. A filha preferia as longas noites Bragançanas, mesmo as festas das aldeias, com baile e namorados recém-chegados das Faculdades, mas entendia o desejo da sua mãe de ser igual às outras mulheres e ir com o seu homem e a sua filha para a praia, mesmo que depois regresse pesarosa, inventando as maravilhas de umas férias de sonho.
Desanimado, mas convencido, o marido muda o óleo ao carro, verifica os calços dos travões e obtém o parecer do mecânico que pode ir à confiança, embora não deva puxar muito nas subidas por causa do aquecimento.
Finalmente partem, a vizinha ficou a cuidar dos canários, do peixe do aquário e da gata que dorme sonos infindos no sofá da marquise. A vizinha fez um longo adeus, como se os vizinhos fossem para o fim do mundo, garantindo sempre que iam gostar, pois ela, estava farta de fazer essas férias, anos seguidos.
A viagem correu bem, o marido só se enganou uma vez numa passagem desnivelada, mas chegaram à Figueira da Foz sem problemas, mas também sem grande alegria. A vizinha já tinha telefonado para casa duma senhora viúva que aluga quartos aos veraneantes e por isso, depois, de muito procurarem lá encontraram o seu quartinho, minúsculo, quente, com rendinhas na janela e uma colcha com passarinhos sobre a cama. A filha dormiria no sofá da casa, uma oferta da proprietária do quarto, que diga-se de passagem, também não tinha mais quartos para alugar.
No primeiro dia o casal e a filha ainda foram jantar fora a uma tasquinha airosa que vendia sardinhas assadas com pimentos e todos concordaram que aquelas sardinhas eram uma delícia, que não tinham nada a ver com as que se vendiam em Bragança.
Depois, resolveram comer no quarto, também estavam à boa vida, e por isso, umas sandes e uma fruta eram o suficiente, pois, o que eles queriam era mesmo estar o dia todo a secar ao sol, embora o vermelhão dos primeiros dias os tivesse deixado à morte, no maior desconforto.
As férias terminaram, quase num alívio. O regresso a casa foi doloroso, os malditos pensamentos do mês que se aproxima, na escassez do dinheiro, roubava o encanto de todos os sonhos que se arquitectavam para contar à vizinha.
Mas foram de férias...a vizinha recebeu-o no preito dos seus serviços prestados.
A mulher, no reconhecimento à sua vizinha, escondendo a custo a tristeza do regresso, exclama na maior descompostura:
- Que férias tão bonitas...gostamos tanto.
Fernando Calado
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(Henrique Martins)
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