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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

BRAGANÇA : A NAÇÃO JUDAICA EM MOVIMENTO - 13 CELEBRARAM O KIPUR EM CASA DE ANA PIMENTEL

 Em 21 de Janeiro de 1691, foi metido nos cárceres secretos da inquisição de Lerena, Castela, um homem de 33 anos, “prateiro do ouro e da prata”, natural de Chacim, que disse chamar-se Ambrósio de Saldanha Sória (1) e “tendo-se feito inspecção, pareceu estar circuncidado”. Por mais de 4 anos se manteve negando todas as acusações de judaísmo que lhe eram feitas. Até que, em 13.3.1695, pediu audiência para “desencarregar a sua consciência”. 
E então, entre outras, fez a seguinte confissão: - Há 20 anos, ausentando-se de Bragança para Múrcia, para ver a sua mãe, que lhe parece se chamava Ana Gomes, presa pela inquisição daquela cidade, disse o seu mestre que o deixava encomendado a Álvaro Vaz, prateiro da cidade de Bragança; e este lhe disse que Ana Pimentel, mãe do dito Álvaro Vaz, tinha intimidade (parentesco) com Leonor de Sória, avó deste; e que se haviam declarado na lei de Moisés, pelo que lhe disse a sua avó; e que fizeram um jejum do dia grande em casa de Álvaro Vaz, a saber: Álvaro Vaz, Ana Pimentel sua mãe, Feliciano Albuquerque, tratante, sogro de Álvaro Vaz, juntamente com ele confessante; e vivia na Rua Direita e a casa era de António Pilas, estando os referidos e ele confessante em um quarto alto da dita casa, da parte de trás. (2) Temos assim que o mestre ourives Álvaro Vaz ficou sendo o responsável pela formação profissional de Ambrósio de Sória quando o mestre António Gomes abandonou a cidade de Bragança para ir ajudar a sua mãe, presa pela inquisição de Múrcia. E, como era costume, o aprendiz também frequentava a casa do mestre, e muitas vezes era nela que morava. 
Para além disso, havia “intimidade”, ou seja, parentesco, entre Ana Pimentel e Leonor de Sória, sua avó, as quais se terão declarado entre si como crentes da lei mosaica, segundo lhe disse a sua avó. Estamos, pois, em casa de Ana Pimentel e do filho, na Rua Direita de Bragança, participando na celebração do Kipur, por volta de 1675. Descrevendo o caso, Ambrósio acrescentou que durante o dia jejuaram e “se estiveram encomendando a Deus” rezando orações. E que, no decurso da celebração, Ambrósio falou de uma oração nomeando-a de “Bendito o cravo e a canela”. Ao que o seu mestre, Álvaro Vaz, desatou a rir, no que foi repreendido pelo sogro, Feliciano Albuquerque “que mostrava ser pessoa virtuosa na dita lei”. E então, o mesmo Feliciano Albuquerque recitou a oração referida e por ele apresentada como de “Alabanza (louvor) das criaturas a Deus”, na forma seguinte: Alabante (Louvem-te) Deus do Céu, os anjos, em coro, te bendigam Poderoso nosso Deus, de continuo o digam Alabante os anjos e os arcanjos Alabante os serafins e os querubins Alabante os profetas e patriarcas Alabante os monarcas, as esferas e as estrelas E as coisas mais belas e mais formosas Alabante a tua divina formosura Alabante o céu e a terra Alabante os ares e os mares Alabante os elementos e os tempos Alabante os ventos e as nuvens Alabante os sombrados e os airados Alabante as geladas e granizos Alabante os rozios e os trones Alabante raios e os trovões Alabante os rios furiosos Alabante as feras animais Alabante as águas caídas dos altos céus Alabante as aves que voam no ar com suas asas e cantares suaves Alabante o mar onde estão todos os peixes Te alabe, te bendiga poderoso nosso Deus de continuo te digo Alabante o cravo e açafrão, a pimenta e o gengibre e a canela Alabante o sal e o azeite Alabante os álamos verdes e os limoeiros e as laranjeiras Alabante os anis e os salgueiros Alabante os carvalhos e os montes Alabante as feras e as montanhas Alabante as oliveiras poríferas Alabante as daiarias Alabante las silvas nas silveiras E os frutos nas fruteiras As rosas nas roseiras Alabante as flores formosas olorosas Alabante os campos verdes e viçosos em que pastam os gados Alabante os campos que são criados para sustento das tuas criaturas Alabante todo o nascido e criado Alabante o homem circuncidado à tua semelhança Alabante tu divina Alabanza Alabante o pão e o vinho Alabante o povo de Israel escolhido Em este junto te alaben todas as gentes Os contrechos alabar a nosso Deus Pois é nosso Deus amado, bem merece ser alabado Servido com o coração Alabante a noite o dia Também te alabe esta alma minha sempre por ti amparada e socorrida pois és meu Deus que me alegra todo o tempo espero que me socorras. (3) 
Antes de prosseguirmos com a história de Ana Pimentel, um pequeno comentário sobre esta oração que não é original, antes se trata de uma adaptação do “cântico dos 3 jovens” judeus, amigos de Daniel, “ministros” do rei Nabucodonosor e que, depois, este mandou queimar num forno superaquecido. 
Esta sentença resultou do facto de eles se não ajoelharem perante uma estátua de ouro que o rei mandou fazer. Contudo, em vez de estarem feitos em torresmos quando abriram a porta do forno, os jovens estavam de pé, cantando e louvando o Deus dos céus. O facto de em Bragança se recitar este cântico, em finais do século XVII, é importante porque vem contrariar a tese muito divulgada, segundo a qual os cristãos-novos, à medida que os anos passavam e as gerações se sucediam, vendo- -se perseguidos, sem livros e sem rabis e sem a frequência das sinagogas, iam adulterando a doutrina e as cerimónias judaicas, esquecendo a lei fundamental expressa nos livros do Testamento Velho. Na verdade, apesar de todas as contrariedades, a nação de Bragança mantinha, com relativa pureza, o conhecimento da lei mosaica. Aliás, temos conhecimento de vários livros que clandestinamente circulavam entre eles e de “mestres” que vinham disfarçados de mercadores a dar instrução religiosa. 
E também eram frequentes as deslocações de homens de Bragança à França, Itália e Holanda onde iam instruir-se e circuncidar-se, sendo que a circuncisão era por eles considerada como essencial para a salvação. E não por acaso, no “cântico dos 3 jovens”, um dos versos diz: - Alabante o homem circuncidado, à tua semelhança. 
Curioso que este verso não pertence ao texto bíblico original e terá sido acrescentado em tempos de perseguição inquisitorial! A semelhança com Deus obtinha-se apenas com a circuncisão!

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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