25.novembro.1873 – 10.janeiro.1877
MARCO DE CANAVESES, 3.8.1825 – MARCO DE CANAVESES, 9.10.1894
Proprietário. Alto funcionário da Administração Pública.
Administrador dos concelhos de Soalhães e de Marco de Canaveses (1852). Governador civil de Bragança (1873-1877). Deputado (1879).
Natural da antiga freguesia de Tuias, concelho de Marco de Canaveses.
Filho de José Vitorino de Carvalho e Melo e de Joana Delfina Nogueira Gustavo Soares.
Irmão do diplomata Duarte Gustavo Nogueira Soares, do engenheiro Afonso Joaquim Nogueira Soares e do deputado Rodrigo Nogueira Soares Vieira.
Comendador da Ordem de Cristo. Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (1852).
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Em 1843, foi nomeado subchefe da Alfândega de Vila Nova de Cerveira, passando depois a diretor da Alfândega do Norte e comissário das Contribuições no Porto. Mais tarde, ingressou na polícia, chegando a primeiro comissário-geral da Polícia Civil do Porto, em 1867. Na sua carreira policial, tinha-se já notabilizado pela perseguição que movera a Zé do Telhado, um dos criminosos mais populares do século XIX, quando este se preparava para fugir clandestinamente para o Brasil a bordo de um navio, em 1859.
Quanto ao seu percurso político, foi membro do Partido Regenerador, tendo exercido o cargo de administrador dos concelhos de Soalhães e de Marco de Canaveses, este criado a partir daquele em 1852, numa iniciativa de que o próprio Carvalho e Melo foi um dos principais mentores.
Nomeado governador civil de Bragança por decreto de 25 de novembro de 1873, cargo de que tomou posse a 13 do mês seguinte, seria exonerado do cargo a 10 de janeiro de 1877, por ter entretanto sido encarregado pelo Governo de outra comissão de serviço público. Vários Relatórios atestam a dedicação de Carvalho e Melo à administração pública a seu cargo e os benefícios que o distrito de Bragança lhe deve. Em outubro de 1874, foi louvado pelo Governo pelo zelo revelado na cobrança das receitas distintas e sua aplicação, nomeadamente ao serviço da viação. Graças às suas instâncias, pelos alvarás de 1 de maio e 26 de junho de 1876, em execução da deliberação tomada em sessão de 4 de março desse ano pela Junta Geral do Distrito de Bragança, criou-se nesta cidade um corpo de polícia civil, sendo seu primeiro comissário António José Ribeiro, primo de Adriano.
Ainda em Bragança, travou uma questão com alguns sócios de um dos mais relevantes clubes locais, a Assembleia Brigantina, que motivou a publicação dos opúsculos A Assemblêa Brigantina e o Snr. governador civil Adriano José de Carvalho e Melo e O governador civil de Bragança e os collegas do collega Diretor da Assemblêa Brigantina, ambos publicados em 1875. Este último opúsculo parece ter sido escrito pelo próprio Carvalho e Melo, em resposta ao primeiro, que o acusava de abusar da sua autoridade para oprimir a Assembleia Brigantina.
Foi depois eleito deputado, pelo círculo uninominal de Marco de Canaveses, nas eleições gerais de 1878, para a legislatura que decorreu em 1879 ( juramento a 23.1.1879), durante a qual pertenceu à Comissão de Administração Pública e à Comissão de Recrutamento.
Embora a sua atividade parlamentar tenha sido muito discreta, apresentou alguns requerimentos em defesa dos interesses locais do seu círculo por de eleição.
Finda a sua curta experiência como deputado, regressou a Marco de Canaveses para se dedicar à agricultura e ao estudo dos assuntos agrícolas, tendo publicado a este propósito, já no final da sua vida, as obras A propósito da Crise Agrícola. Cartas ao Exmo. Sr. Visconde de Moser (1889) e Resumo Pratico do tratamento simultâneo do Oídio e do Míldio (1894).
Notabilizou-se também como especialista em Direito Administrativo, tendo publicado neste âmbito, em 1887, A Ditadura e a Reforma Administrativa, e como jornalista, redigindo, com António Cabral, A Verdade, semanário de Marco de Canaveses, e colaborando largamente no Jornal do Porto.
Graças ao papel que desempenhou na elevação a concelho de Marco de Canaveses, o seu nome encontra-se inscrito na toponímia local, emprestando o seu nome a uma rua e um jardim no centro da cidade.
Relatório apresentado por Adriano José de Carvalho e Melo à Junta Geral do Distrito de Bragança (4.1.1875)
Senhores Procuradores à Junta Geral do Distrito!
Coube-me já uma vez a honra e cumpri o grato dever de abrir as vossas sessões. Foram elas extraordinárias e restritas a atos determinados pela lei – a eleição dos cidadãos que deviam ser apresentados a El-Rei, para que de entre eles se dignasse escolher os conselheiros de distrito, e a eleição da comissão de viação municipal.
Aos estreitos limites do fim único da convocação devia eu reduzir as palavras que então vos dirigi; e, se os transgredi, foi para resumidamente enunciar o meu propósito e intuitos na administração deste distrito, que pouco antes vinha de me ser confiada por Sua Majestade El Rei.
É hoje mais ampla a vossa missão nesta sessão ordinária; e, se não tão ampla como eu desejaria que o fosse em harmonia com as minhas aspirações e com os princípios de administração que professo, é todavia certo que, ainda assim, das vossas faculdades consultivas e deliberativas dependem importantes melhoramentos para o distrito, que se é vosso pelo batismo e pelo berço, é meu pelos deveres que a lei me impõe, pela consciência, que me impele a cumpri-los, e pela gratidão que devo à benevolência com que tenho sido honrado pelos habitantes deste distrito cavalheiresco, bem funda e indelevelmente gravada em meu coração.
E não são menos valiosos do que os vossos títulos, que me incitam ao cumprimento de deveres filiais; porque, se para vós há o amor e o respeito devido à paternidade do lugar e da natureza, para mim há tudo o que se deve à paternidade por adoção, não sei se mais respeitável e obrigante, por isso que é inspirada pelos impulsos da consciência e alumiada pelo sentimento mais nobre e simpático do coração humano – a gratidão.
Filho adotivo do distrito de Bragança, e por tão nobres títulos de adoção, é mais que imperioso o dever que tenho de consagrar à sua prosperidade todas as minhas faculdades e de gastar por ele e para ele quantos esforços se contêm nos limites circunscritos e acanhados do pouco que valho.
Diz-me a consciência, com a qual em todo o decurso da minha vida tenho procurado estar em paz, que não traí ainda o meu empenho nem o mandato que me foi confiado. Se é limitado o produto dos meus esforços e cuidados, é porque são limitadas as minhas faculdades e recursos pessoais, e nisto não há culpa minha.
Não creio, por isso, ter faltado às promessas que vos fiz, ao apresentar-me pela primeira vez em vossa presença. Mas se assim não é, se outro é o vosso juízo, e diverso o vosso modo de pensar e de apreciar os meus atos, relevai as minhas faltas, que não há crime onde não há vontade nem intenção de o cometer; que não deve ser punido quem gastou todos os seus recursos, pobres e modestos que eles eram, para alcançar o bem que não atingiu. Mais que dolorosa, porque é crudelíssima, é a pena do insucesso infligida aos que trabalham devotadamente: e eu trabalhei com devoção e com puras intenções.
No decurso deste humilde trabalho, a que a estreiteza do tempo e as atribulações do espírito não permitiram que eu desse mais largas proporções, não só tereis ocasião de examinar como têm sido cumpridas as vossas deliberações anteriores, mas apreciareis diversas propostas que sobre vários assuntos de administração distrital tenho a honra de submeter à vossa deliberação.
Não tenho a fátua pretensão de vos impor as minhas opiniões e alvitres, nem me julgarei desconsiderado e ofendido se eles forem alterados ou rejeitados. Propondo, obedeci à voz da minha consciência: e vós, alterando ou rejeitando, obedeceis aos ditames da vossa, exerceis um direito e cumpris um dever. Sou daqueles que têm por dogma que a verdade, a luz e o acerto brotam da discussão e do conflito desencontrado de opiniões, que depois se apura no crisol da votação pelas maiorias.
Digo aí o que penso, o que sinto, o que me parece não só conveniente, mas necessário para melhorar moral e materialmente as condições atuais da administração do distrito. Aceitarei tranquilamente o vosso veredito, qualquer que ele seja, porque não será nunca contra a expressa disposição das leis, mas conformemente com o vosso direito, que eu acato e reverentemente respeito.
Instrução Pública
Sou estrénuo propugnador da instrução pública. Desejaria que ela atingisse em subido grau todas as camadas sociais, desde o tugúrio do ignoto e honrado trabalhador dos campos até ao paço dos reis. Promoveria, se a tanto pudesse abalançar-me, que mais à mulher do que ainda ao homem se tornasse extensivo o benefício desta luz vivificadora e brilhante, que ilumina as mais tortuosas e difíceis veredas da vida, e é norte e guia segura no mar tempestuoso deste mundo.
É que a mulher, na família, exerce o papel mais importante. É que ela domina ambos os sexos na época em que as impressões são indeléveis e se inoculam inabalavelmente no espírito.
Lembram-me ainda hoje com extrema saudade as máximas de sã moral que minha boa e sempre chorada mãe repetia incessantemente nos colóquios noturnos do lar doméstico, espécie de santuário cheio de perfume e encantos, apenas conhecido e somente apreciado pelos que foram educados nos campos; e não me recordo do que me ensinaram homens e livros, que li não só há poucos anos, mas há poucos meses!
É por isso que desejo a educação moral e a instrução da mulher. É por isso que, tocando de leve neste assunto grave, fiz expressa menção do sexo frágil segundo a natureza, mas forte pela ação enérgica que exerce sobre a família, unidade elementar e fundamental da sociedade.
Na época vertiginosa que estamos atravessando e que domina quase o mundo inteiro mais ou menos fatalmente, se a verdadeira instrução e a educação profundamente moral não forem dique aos desvarios proclamados pelos retóricos do tempo, é lícito prever um cataclismo social num futuro não muito remoto.
Relaxados fundamental e essencialmente os laços da família; abatida, se não totalmente destruída, a autoridade paterna; aniquilado e extinto o sentimento do dever; perdidos os sentimentos e as crenças religiosas; proscrito o amor da pátria; exaltado teórica e praticamente o individualismo, parente próximo, senão irmão gémeo, do egoísmo; entronizado o materialismo puro; proclamada a soberania absoluta da razão; concedidos foros de verdade axiomática a uma igualdade e liberdade que importam direitos mas não reconhecem obrigações; que mais absurdos será mister aglomerar, lançar na circulação e inocular na seiva e na vida do maquinismo social para o levar à dissolução?
São as doutrinas e as tendências da época presente. É o legítimo produto dos maus mestres e dos maus livros. É o grito de alarme, que adverte a sociedade dos perigos que a ameaçam na sua conservação e nos seus direitos mais sagrados: ouça-o ela, e previna-se e acautele-se a tempo!...
Empunhe as suas armas, que não são as que fratricidamente derramam sangue e fazem cadáveres, mas as que iluminam e desentenebrecem os espíritos dos erros profundos, que a dominam no momento.
Diga-se e ensine-se que a personalidade humana é um facto e um direito, que compendia e encerra direitos inalienáveis e sagrados, a que também correspondem obrigações imperiosas e indeclináveis. Exaltem-se e façam-se bem conhecer os direitos do homem, que tudo isto tende a honrar e a enobrecer a criatura predileta de Deus já honrada e enobrecida com a sua imagem e semelhança: mas demonstre-se que a sua maior honra e maior nobreza está em reconhecer que os seus direitos são limitados pelos direitos dos seus semelhantes e terminam onde estes começam.
Tudo isto é obra da instrução e deve ser-lhe confiado. É na escola do ensino primário – ao desabrochar da vida e da inteligência, quando o espírito recebe impressões que não se apagam –, que, não os falsos, mas os verdadeiros princípios de doutrina moral e social devem ser altamente proclamados, e constituir uma obrigação indeclinável do professorado.
A instrução e a liberdade são ideias associadas. Se uma aflora ao espírito, a outra expande -se logo a seu lado, radiante de beleza, e como se fora sua irmã gémea e por isso mais querida.
A instrução revela o direito e o direito é a liberdade; não a liberdade absoluta que não reconhece direitos e obrigações; que derruba monumentos de glória nacional; que devasta cidades e estabelecimentos de indústria com o ferro e com o fogo; que derroca os templos e tripudia sobre a imagem dos santos; que alastra as cidades de sangue, cadáveres e ruínas; que insensatamente tenta nivelar o céu com a terra e Deus com os homens; que proclama o materialismo puro e simples; que não admite nem Deus nem religião, nem cultos, nem templos, nem sacerdotes, nem altares, nem tronos, nem reis; que, enfim, proclama a soberania e o império absoluto da razão humana, como se esta falsa deusa pudesse sair fora do homem sem encontrar barreiras insuperáveis ao seu poder efémero: mas a verdadeira liberdade, limitada e restrita pelos direitos fundamentais e conservadores da sociedade e pelos preceitos da moral e de Deus.
Há, senhores, quem insensatamente sustente que o caminho mais curto para alargar os domínios da instrução é o que se conquista pelo alargamento prévio das liberdades públicas.
Por mim, declaro que, como liberal, detesto profundamente esta escola, que me parece ser instrumento cego e inconsciente dos inimigos jurados da verdadeira liberdade.
Penso hoje, e pensei sempre, que o alargamento das liberdades públicas deve seguir passo a passo o alargamento da instrução popular. É para mim verdade axiomática que o caminho mais curto para o despotismo tem sido e será sempre traçado por sobre o alargamento imoderado, inconsiderado e prematuro das franquias e imunidades populares.
Assim o revela a história antiga e moderna das nações; e não sei de um só exemplo em que a liberdade desacompanhada da instrução não tenha caído vítima do abuso de direitos, que por sua conta forma conferidos a quem os converteu inscientemente em armas matricidas e a destruiu, levantando o despotismo em nome das necessidades e conveniências da ordem e da segurança pública.
A liberdade, senhores, é um direito sagrado e inalienável. Porque foi atribuído por Deus à personalidade humana e por ele insuflado no espírito com que dotou a sua criatura predileta, e lhe fez antever que depois da morte do corpo ficava a imortalidade da alma e a eternidade das penas ou das glórias correspondentes às boas ou más ações neste mundo.
Ninguém receie pela sorte da liberdade, se lhe dermos por norte e guia a instrução fundada nos preceitos da moral e da justiça, no sentimento do dever e no amor recíproco dos homens, tão iguais perante Deus e suas leis eternas, imutáveis e indefetíveis, como perante as leis deste mundo.
Proclamemos sincera e convencidamente a liberdade, a igualdade e a fraternidade dos homens, mas consagraremos com igual convencimento e sinceridade o lema que sempre fez, e hoje faz mais que nunca, a honra, a força, o respeito, a glória e a admiração de Portugal: Deus, Pátria, Rei e Carta.
Fonte: Relatorio apresentado á Junta Geral do Districto de Bragança na sessão ordinaria de 4 de janeiro de 1875, Porto, Tipografia do Jornal do Porto, 1875.
Fontes e Bibliografia
Arquivo Distrital de Bragança, documentos vários.
Relatorio apresentado á Junta Geral do Districto de Bragança na sessão ordinaria de 4 de janeiro de 1875, Porto, Tipografia do Jornal do Porto, 1875.
ALVES, Francisco Manuel. 2000. Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança, vol. VII. Bragança: Câmara Municipal de Bragança / Instituto Português de Museus.
MÓNICA, Maria Filomena (coord.). 2004. Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910), vol. II. Lisboa: Assembleia da República.
MONTEIRO, António Pereira. 1952. O Primeiro Centenário da Fundação do Concelho de Marco de Canaveses.
Marco de Canaveses: Câmara Municipal do Marco de Canaveses.
NORONHA, Eduardo de. 1923. José do Telhado. Porto: Empresa d’O Primeiro de Janeiro.
Publicação da C.M. Bragança
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