- Então comeram os pêssegos?
- Eu comi, disse o mais velho. Que bom que era! Guardei o caroço, e hei de plantá-lo para nascer uma árvore.
- Fizeste bem, respondeu o pai, é bom ser econômico e pensar no futuro.
- Eu, disse o mais novo, o meu pêssego comi-o logo, e a mamã ainda me deu metade do que lhe tocou a ela. Era doce como mel.
- Ah! acudiu o pai, foste um pouco guloso, mas na tua idade não admira; espero que quando fores maior te hás de corrigir.
- Pois eu cá, disse um terceiro, apanhei o caroço que o meu irmão deitou fora, quebrei-o, e comi o que estava dentro, que era como uma noz. Vendi o meu pêssego, e com o dinheiro hei de comprar coisas quando for à cidade.
O pai meneou a cabeça:
- Foi uma ideia engenhosa, mas eu preferia menos cálculo.
- E tu, Eduardo, provaste o teu pêssego?
- Eu, meu pai, respondeu o pequeno, levei-o ao filho do nosso vizinho, ao Jorge, que está coitadinho com febre. Ele não o queria, mas deixei-lh'o em cima da cama, e vim-me embora.
- Ora bem, perguntou o pai, qual de vós é que empregou melhor o pêssego que eu lhe dei?
E os três pequenos disseram à uma:
- Foi o mano Eduardo.
Este no entanto não dizia palavra, e a mãe abraçou-o com os olhos arrasados de lágrimas.
A urna das lágrimas
Era uma vez uma viúva, que tinha uma filhinha muito linda, a quem adorava sobre todas as coisas. Não se separava dela um só momento; mas um dia a pobre pequerrucha começou a sofrer, adoeceu e morreu. A desditosa mãe, que tinha passado as noites e os dias, sem repousar um momento, à cabeceira da filha, julgou endoidecer de mágoa e de saudades. Não comia, não fazia senão chorar e lamentar-se. Uma noite em que estava acabrunhada, chorando no mesmo sítio em que a filha tinha morrido, abriu-se de repente a porta do quarto e viu-a aparecer a ela, a sua querida filha, sorrindo com uma expressão angélica e trazendo nas mãos uma urna, que vinha cheia até às bordas.
- Oh! minha querida mãe, disse-lhe ela, não chores mais. Olha, o anjo das lágrimas recolheu as tuas nesta urna. Se chorares mais, transbordará, e as tuas lágrimas correrão sobre mim, inquietando-me no tumulo e perturbando a minha felicidade no paraíso.
A pequenina desapareceu, e a mãe não tornou a chorar para a não afligir.
Guerra Junqueiro: "Contos para a Infância", Publicado originalmente em 1877.
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