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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A CEIA ABENÇOADA

Foi num dos primeiros anos da segunda metade da década de setenta e, apesar das más estradas nacionais, todos os anos, na época natalícia, voltava à casa paterna.

A candeia a petróleo já tinha sido posta na pilheira, de adorno, a palha tinha deixado o piso das ruas, e embora a minha alma continuasse a aspirar o calor e o aconchego da casa paterna e o crepitar do lume na lareira me embebedasse a memória da meninice, as panelas (potes de ferro e de três pés) ao lume eram as mesmas e os bancos mochos quase paravam o tempo.

Depois de um dia de viagem e vencidas as curvas das montanhas do Alvão e da Padrela o que vinha mesmo a calhar era a ceia em família.

A minha mãe costumava dizer que se comia o que a casa dava. E a casa dava para as noites de Inverno um grande esqueiro de lenha para aquecer tudo e todos, o pão do forno, as batatas, com as couves tronchudas e o azeite cheiroso até à medula dos ossos. Esquecia-me do fumeiro, das alheiras enchidas no amuado da grande caldeira de cobre e bronzeadas na labareda da lareira.

Há sempre dias diferentes, que nos esquecemos do mundo, que paramos o relógio do tempo e vivemos o Céu neste mundo. Um dia desses vivi-o nessa ceia memorável em que me esqueci do tempo e do mundo e continuei a comer as batatas brancas (arrambanas ou arranconses), farinhentas a cheirarem aos odores da lareira e do lume, acompanhadas com as couves-tronchas de Mirandela e regadas com a generosa azeiteira, saída das mãos do Carlos Latoeiro com um bico de mais de meio centímetro de abertura. Depois, para completar uma refeição digna do Olimpo e dos deuses, as alheiras. E que alheiras?!... A minha mãe sempre teve berço farto e as alheiras ao cortar as tripas, tinham que ter palmo e meio a dois palmos. Mais pequenas pareciam uns reizinhos para os raparigos e davam uma sensação de pobreza ou pelo menos de cinto muito apertado, dos que estudavam em Coimbra para Delgado. As alheiras assadas na lareira, na grelha e a respingarem com as brasas assanhadas pelo Vulcano.

Certo é que, nessa ceia, a minha mulher se começou a sentir incomodada. Deixou a lareira e vem à mesa dizer-me: - pára de comer! A tua mãe ainda vai pensar que eu não te dou de comer!

A minha mãe apercebe-se e remata: - deixe comer o rapaz, que lhe está a saber bem!

E lá vai mais uma batata, mais uma colher de couves e um bocado de alheira, para acabar o copo de tinto.

A seguir deixo o banco corrido e a mesa e instalo-me no escano à lareira com a família. Não havia lugar no céu ou na terra que me pudesse dar mais felicidade, depois de uma ceia abençoada, as carícias dos olhares maternos, o aconchego da lareira e o reviver de memórias e tradições, com: - diziam os antigos. E as histórias e os contos e outros saberes culturais desfiavam-se pelo brilhante rosário da memória do «mou» Pai.

Jorge Lage
in:diario.netbila.net

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