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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 13 de julho de 2021

O SEGREDO DA SENHORA DO NASO (I)

 • De quem eram os ossos do pavimento da capela nos finais do séc. XVII?

1. Introdução.
Seguindo o postulado científico da célebre imunologista, acima transcrito, o subtítulo deste texto é a interrogação certa para abrirmos o segredo da origem do Santuário da Senhora do Naso. Sublinha-se aqui a mesma metodologia da história, da arqueologia, da medicina e das outras áreas do conhecimento: só é possível responder cientificamente se formos capazes de fazer as perguntas certas, cujo ponto de mira abra o acesso à verdade. Mas, antes de começar a responder àquela pergunta, temos primeiro de fazer outra: qual a razão do nosso interesse pelo mistério do Naso? 
Não é a primeira vez que escrevemos sobre este santuário mariano. Já em 2009, quando buscávamos as origens do ágape divino da cozinha mirandesa, referíamos que (…) “havia uma proposta profana da festa da Senhora do Naso, com a qual todos estão de acordo… Crentes, agnósticos e ateus, irmanados pela liturgia da suculenta vitela do planalto, afinam as cordas palatais para entoarem as mais gloriosas hossanas à posta mirandesa, nascida e criada no Naso, nas ruidosas feiras de gado, e só muito mais tarde urbanizada pela cidade (…)” (Vaz, 2009, 168). Então, tivemos de ficar por aqui. Não saímos da sublime cozinha do planalto, que no Naso é uma jóia de alto quilate, lapidada pelos chefs mirandeses, petiscando o fogo de um saber fazer milenar. E, embora então já curioso de puxar também o fio das origens da Senhora do Naso, não dispúnhamos da escada epistemológica para subir ao ápice da sua etiologia. Ou seja, não tínhamos ainda conseguido reunir um conjunto de documentação histórica, firme, para abrir, com chave de segurança, o segredo do Naso, mostrando como tudo começou, há sete séculos. 
Doze anos volvidos, a história e a arqueologia forneceram-nos, entretanto, esse instrumento metodológico para lá chegar. Vejamos primeiro o que tem sido escrito sobre o Naso. Em 2010, o Dr. Mourinho publicou o seu trabalho O Santuário da Senhora do Naso – História e devoção. Mas, na introdução, teve o cuidado de escrever que só foi possível fazer a história do Santuário do Naso, a partir de 1666, porque só restam documentos escritos, a partir desta data. (Mourinho, 2010, 6). Precaução avisada porque a história é uma lebre muito esquiva para se deixar apanhar nas malhas das lendas e dos mitos, dos quais não se afastaram outros estudiosos, seduzidos pelo encanto natural do Santuário e pela devoção à Senhora do Naso. Em 2018, desatámos o nó górdio da história da Senhora da Serra, de cuja coroa enxergamos a Senhora do Naso, içada sobre a touca do serro do mesmo nome, a nascente, nos últimos cordões horizontais do planalto mirandês. E foi quando estávamos a trabalhar no texto da Serra que a heurística – uma das ciências auxiliares da História – nos antecipou que um dia teríamos de escrever também sobre o enigma do Naso. É que ambas as Senhoras, localizadas em cumes serranos, entre outras semelhanças, estavam a dizer-nos que a sua origem era a mesma.

2. A peste negra deixa Genísio sem ninguém: paróquia anexada a Angueira.
Continuemos a puxar o fio histórico para responder à pergunta do título do texto. Em 22 de Novembro de 1459, o Arcebispo de Braga, D. Fernando da Guerra, anexou a paróquia de Santa Eulália de Genísio à de S. Cibrão de Angueira (Marques, 1988, 279). Que razões foram invocadas pelo antístite bracarense para retirar a Genísio a sua autonomia paroquial? Transcrevamos o documento: aos 22 dias do dito mês de Novembro de 1459 [o referido Sr.] anexou para sempre a igreja de Santa Olaia de Genísio de Paradela, da terra de Miranda, à igreja de S. Cibrão de Angueira, a qual sempre foi despovorada e ora se povora e ambas são da apresentação [do referido Sr. Arcebispo] e da sua igreja de Braga. E porque assim era erma, há muito tempo que era vaga [a igreja]. (A.D.B. Conf., fl 208 e anexo I e sublinhados nossos). 
Comecemos a esmiuçar o documento pelo fim. A igreja de Genísio estava então vaga. Não tinha padre. A aldeia estivera muito tempo erma, sem ninguém. Ficamos também a saber que, entretanto, pouco tempo antes, tinha chegado à aldeia gente nova, vinda de fora. Mas esta injecção de repovoadores recentes não chegava para manter um padre autónomo. Não gerava recursos para somar a côngrua anual do pároco. Por isso, deviam ser muito reduzidos os recursos demográficos vindos do exterior. E não havia onde recrutar mais almas que pudessem fornecer a Genísio os casais suficientes para repor a população anterior à peste negra. No concelho de Miranda, como em todo lado, muitos dos antigos lugares, cheios de vida, transformaram-se em pardieiros, sepultando aldeias sem ninguém. Muitas ainda hoje continuam ermas. O caso de Abambres, no concelho de Mirandela, não podia ser mais explícito do que também aconteceu em Genísio. Depois de muitos anos herma, a freguesia só pôde recrutar 4 novos fregueses (Marques, ibidem, 278). 
Se Abambres só recebeu um número tão magro de moradores, a quantidade de recursos humanos, injectada em Genísio, não teria sido muito diferente. Por isso, o arcebispo de Braga confirmou a sua anexação a Angueira. E para sempre, com sublinha o documento. Isto prova que D. Fernando da Guerra tinha uma perspectiva pessimista sobre a evolução demográfica da paróquia de Santa Eulália. O futuro mostrava-se tão negro como a peste do mesmo nome, que continuava a matar. O Arcebispo não acreditava na possibilidade de Genísio reganhar a quantidade de vizinhos existentes antes do ataque letal da pandemia – a maior hecatombe, conhecida, da História. O documento diz-nos também que Genísio, em 1459, era erma há muito tempo. Quanto? Podemos calculá-lo? A temporalidade utilizada no texto é muito expressiva. A primeira vaga de peste, e a mais feroz, atacou no Outono de 1348, sucedendo- -se outros surtos pandémicos ao longo de mais de cem anos, desde a segunda metade do século XIV até depois de meados do século XV. 
Temos assim de recuar, também por razões de segurança cronológica, de 1459, data do documento, até 1348. Haveria, portanto, 111 anos que Genísio estava erma, quando o arcebispo de Braga anexou a paróquia a Angueira. A peste negra não parava de amontoar mortos nas valas comuns nos adros das igrejas. Com este cenário aterrador, que deixava as populações atordoadas e assombradas, perguntamos: o que tinha acontecido aos moradores de Genísio? Deixaram-se apanhar pela fouce afiada da peste? Ou fugiram, salvando- -se? 
É o que vamos ver já a seguir.

Ernesto Vaz (Arqueólogo)

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