quarta-feira, 18 de abril de 2018

Olaria do Felgar é cultura e tradição

Felgar, no concelho de Torre de Moncorvo, terá sido dos centros oleiros mais importantes de Trás-os-Montes ao longo dos últimos 350 anos.

Forno de Telha
Remontam a meados do século XVII as primeiras referências documentais conhecidas e que indicam a presença de oleiros nas duas aldeias vizinhas de Felgar e Larinho.

Segundo os documentos existentes deixou de haver oleiros no Larinho no final do séc. XVIII, e consta-se que a produção cerâmica se tenha concentrado no Felgar.

Em 1796 existiam 20 oleiros, número que se mantém no final do século XIX e início do século XX. Nos anos 60 apenas subsistiam cinco oleiros, tendo desaparecido na década de 80 António Augusto Rebouta, o último oleiro do Felgar. No entanto, ainda hoje se fabrica esporadicamente cerâmica no concelho de Moncorvo, continuando a tradição deste centro oleiro.

A Raízes esteve à conversa com um apaixonado pela olaria do Felgar, António Carneiro de 48 anos, que apesar de viver em Lisboa, dinamiza diversas actividades ligadas a esta tradição. Natural da aldeia, António Carneiro, quer desenvolver alguns projectos entre eles criar a Casa dos Púcaros do Felgar.

“Eu desde miúdo que gostava de ver o senhor António Rebouta a trabalhar no barro mas quando eu tinha 14 ou 15 anos o meu pai, que estava emigrado na Alemanha, veio cá e encontrou uma bilha nas minas do ferro em 1963. Trouxe-a para casa e eu fiquei apaixonado por ela”, conta António Carneiro que a partir de 2005 começou a fazer um levantamento das peças existentes e hoje tem espólio suficiente para encher um museu temático. Ainda chegou a trabalhar na roda mas sempre como autodidacta. “Agora quero ver se consigo promover acções de formação para que haja gente a aprender este ofício”, refere.

A paixão pela sua aldeia leva-o a viajar pelo menos uma vez por mês de Lisboa e sempre que pode organiza actividades ligadas à olaria, pois, considera que não se deve perder este património cultural e que pode ser aproveitado a nível turístico, daí achar “necessário a criação da Casa dos Púcaros do Felgar para que as pessoas conheçam a história deste centro oleiro transmontano que já foi tão importante”.

A cerâmica produzida em Felgar distingue-se pela sua tonalidade característica de vermelho carregado, decorrente da cozedura oxidante, mas também da própria argila, com elevado teor de minerais de ferro e, por vezes, do acabamento polido dado à peça.

Fabricavam-se peças de muitos e variados feitios, tamanhos e usos: alguidares, tigelas, testos, panelas, asadas, bilhas, cantarinhas, púcaros, cântaros e talhas. Destinavam-se à confecção, transporte, serviço e armazenamento de alimentos.

Os oleiros do Felgar utilizavam na preparação do barro dois tipos de argila que recolhiam junto ao rio Sabor (Barrais) e no Cabeço da Mua. Recolhida a argila era então necessário preparar o barro para poder ser trabalhado na roda, tarefas muito pesadas e cansativas que eram frequentemente executadas pela mulher do oleiro. A argila era então seca, triturada e peneirada, após o que eram misturados os dois tipos de barro e amassados com água para preparação das pelas, porções tronco-cónicas prontas a serem trabalhadas pelo oleiro.

No fabrico das peças utilizava-se o torno ou roda alta, movimentado pelos pés do oleiro que com as mãos dava forma à peça. Uma vez terminada era posta a secar e posteriormente cozida.

A comercialização fazia-se de porta em porta pelas aldeias, transportando as peças no dorso de burros ou, mais recentemente, levando-as no comboio do caminho-de-ferro do Sabor.

As feiras mais frequentadas eram as de Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta, Carviçais e Mogadouro. Mas os oleiros do Felgar chegavam a uma área muito alargada que ia de Mirandela a V. N. de Foz Côa, de Carrazeda de Ansiães a Figueira de Castelo Rodrigo. A venda das peças podia ser feita a dinheiro ou por troca directa com produtos agrícolas.

O alguidar
Destinavam-se à preparação da carne para os enchidos – a surça – servindo também para armazenar os próprios enchidos e os queijos. Em alguns casos podiam ser utilizados como bacias para lavar a louça e o corpo.

O cântaro
Juntamente com a talha é a peça mais característica desta olaria, de forma muito elegante, com bojo ovóide, colo alto e asa larga; é por vezes decorado com motivos encrespados e linhas ondulantes. Destinava-se ao transporte e aprovisionamento de líquidos (água e vinho).

A talha
Por se tratar de peças de grandes dimensões, de algum valor económico e destinadas a permanecerem nos lagares, adegas e armazéns, trata-se do tipo de peças que melhor se conservaram até aos nossos dias sendo possível encontrar exemplares com muitas dezenas de anos. São normalmente decoradas por um número variável de cintas, sendo a primeira decorada por dedadas. Destinavam-se ao armazenamento de líquidos e sólidos (azeite, azeitonas, castanha, feijão, mel, enchidos, queijos)

Já não resta nenhum dos antigos fornos do Felgar, os últimos se localizavam um na rua das Amoreiras (antiga dos Louceiros), e outro na rua da Calçada. Eram construídos em alvenaria, de planta circular, dispondo de duas câmaras separadas por uma grelha também em pedra. A câmara inferior, de combustão, possuía uma pequena porta por onde era introduzida a lenha, destinada a arder e cozer as peças colocadas na câmara superior, de cozedura. O forno não tinha cobertura superior, sendo tapado com telhas e fragmentos de peças durante a cozedura.

Foto: de M. Prudêncio, publicada na página 30 do Livro O Último Oleiro.
Revista Raízes

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