quinta-feira, 25 de julho de 2019

Restaurante Nazaré, mais um que fechou.

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas..."
Hoje de manhã, quando consultei o facebook, dei conta que uma Senhora de nome Maria de Sousa, fez um comentário a uma crónica que escrevi em 31 de Agosto de 2018 e que eu não recordo haver lido e consequentemente não lhe haver respondido.

Como vale mais tarde do que nunca, vou hoje, não fazê-lo diretamente, mas dizer algo sobre mais um pedaço da nossa lembrança que fisicamente desaparece na voragem de um tempo de mudança que determinadamente nos quer sonegar os pontos de referência que restam para mostrarmos aos netos quando em hora de diálogo fazemos questão de lhes ensinar os lugares onde se fez a nossa cidadania.
Há um processo de erosão imposto pelo tempo que é inexorável. É igual para todas as coisas excetuando a relatividade que não permite que uma rocha se desintegre no mesmo espaço de tempo, do que o homem mede, do que por exemplo uma construção que decadente se mantém por séculos e é passível de ser referenciada por gerações que se sucedem. (Eu sou nuvem passageira/Que como o vento se vai /Eu sou como um cristal bonito/Que se quebra quando cai/(Hermes Aquino).
Com tristeza, porque fechou as portas o Restaurante Nazaré, quero deixar aqui expressa a minha simpatia e admiração por quem ao longo de décadas, serviu a cidade com abnegação, simpatia e competência.
Começo por mencionar os fundadores e referi-los ei pela forma coloquial que todos usávamos para os nomear; O Senhor Nazaré, às vezes tio e a Senhora Piedade, às vezes tia. Quando eu dei conta da sua existência estavam ambos na plenitude das suas capacidades físicas e mentais.
Era o tempo em que eu vivia seduzido pelo Sabor e deslumbrado com os Bombeiros. Estes dois elementos faziam com que eu passasse ali frequentemente e cedo me tivesse apercebido da posição estratégica da "Tasca" do Nazaré que tinha à ilharga, os Bombeiros, a Câmara Municipal, a Misericórdia e uns quantos estabelecimentos comerciais de alguma importância naquele tempo, nomeadamente, o Lopes & Pires, o Senhor Carvalho da Marcenaria, Costa fotógrafo, ( Victor ), o Pais que ia sempre no cortejo do 1* de Dezembro, mais ao fundo o Malã obreiro das minhas botas de menino, logo a seguir ao Museu, a Farmácia Teixeira  e pouco ao lado estava o Elias Furão, sapateiro, arrumador no Cinema e cunhado do Mata-Lobos tendo ao seu lado direito, o Banco de Portugal e nomeio apenas mais o consultório do Dr Flores e o Armazém do Adriano Moreira & Cia Lda. 
Tinha concorrência q. b. que lhe faziam o Santinho, o Verbo e o seu cunhado Manuel João, bem assim como o Senhor Sebastião & D. Laurinda e o próprio Zé Machado. 
Apenas que o Restaurante Nazaré tinha um halo mítico que, concordando eu com o escrito de Maria de Sousa era do ponto de vista sociológico mais heterogéneo pois frequentavam-no a classe mais burguesa da cidade e toda a outra gente que socialmente, naquele tempo, era mais estratificada e perdoem-me a ousadia mas que eu via nesta escala que era minha e não pretendo impor a ninguém, mas que estou seguro, não andará longe da verdade. 
A saber: No topo estavam alguns comerciantes, funcionários públicos e viajantes, seguidamente estava a classe operária que incluía todas as artes e ofícios e seguidamente gente das aldeias e também alguns sem eira nem beira que os donos da casa sempre acolhiam bem e a quem davam gratuitamente, conforme as suas simpatias, de comer e de beber.
Era um ponto de referência e aqui repito que para além do caráter dos proprietários havia que considerar a sua posição estratégica no confronto com a concorrência. Não deixarei sem ressalvar que quando classifico na escala acima a gente das aldeias o faça por pensar que sociologicamente a classificação é correta, mas tão só porque naquele tempo essas pessoas tendiam a ser mais simples e até menos dialogantes do que os outros referenciados.
Claro que no Nazaré havia outras coisas que lhe davam fama e proveito, como o sabor da comida que era excelente e de alta qualidade, recordo-me de um coelho do monte guisado com acompanhamento de batata cozida que caçou o Fausto, que era um mito e morava nos Batoques que foi o começo da minha paixão por caça, mas só no prato e do vinho que era sempre de qualidade claramente bem selecionada. Não me poderei querer aqui fazer de "expert" pois nesse tempo eu nem sequer bebia vinho, exceto em ocasiões especiais mas sei que o Nazaré fabricava o seu próprio e vendia o fabricado da mítica Quinta da Candaira. Esta quando mencionada no tempo do vinho de pipa, era considerada como a que, por razão da orientação e dos solos, onde estavam plantadas as vinhas, a melhor da Região Bragançana.
Recordo que tinha o casal Nazaré & Piedade, quatro filhos sendo três meninas e o Lezinho que era o caçula e que todos sem exceção tratavam diferenciadamente.
Com o decorrer do tempo o Lé pelas suas características que são as que Deus lhe deu e que muito contribuem para que todos lhe queiramos bem, nós seus conterrâneos e a família, tornou -se um ícone para a cidade, que o ama, e uma missão para os pais e irmãs. Continua a ser algo que do ponto de vista dos afetos e da dignidade que se tem e se dá aos outros um exemplo a considerar e não tenhamos medo das palavras, que toda a cidade deve louvar.
Imagem do Livro
"Figuras Notáveis e Notórias Bragançanas"
Esta família, que já não tem os seus Maiores consigo merece todos os encómios pela forma como as irmãs têm cumprido a missão de cuidar do Lezinho com amor que só é comparável ao que os pais deles os quatro, dispensavam a todos e a cada um. Não é do meu carácter a hipocrisia nem o cinismo, por essa razão não será aqui o lugar para contar estórias mais ou menos facetas, poucas verdadeiras muitas inventadas, mas digo apenas que de duas vezes que sofri a morte de alguém querido e eu regressei a "casa" para o funeral, o meu amigo Lé veio ao pé de mim e no seu modo , muito contristado me disse: morreu o Bombadas, era meu amigo e tu também és. O mesmo se passou com o meu sogro, a mesma afirmação, morreu o Cacinho, era meu amigo e quando o encarei pôs a mão no meu ombro e perguntou: -Onde está a tua mulher? Quando lha indiquei repetiu -lhe o que me havia dito, morreu o Cacinho e a Isabel lhe disse: -Já é a terceira vez que tal me dizes, mas desta vez estás certo e ele repetiu: -era meu amigo, ora era? 
A razão estava no facto de quando o meu sogro não abria às 09:00 ele pensava que estava morto e andava rua acima, rua abaixo dizendo a toda a gente: -Morreu o Cacinho, tal a amizade que entre eles havia. 'É este o filho amado dos Senhor Nazaré e D. Piedade, que foram donos de mais uma joia perdida, mas cuja lembrança eu junto às mais queridas da minha cidade.
Da D. Madalena e seu marido, que também cumpriram a sua missão no Restaurante Nazaré falarei noutra ocasião





Paris, 24 /07 / 2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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