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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

As verbenas em Bragança

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Aproxima-se Agosto, mês mítico do imaginário da gente de um tempo que não existe mais.
Sejamos realistas, não seria possível realizar eventos coordenados, comparáveis, no tempo presente. Assim sendo temos que dar razão ao poeta que inspirado, mas realista, escreveu; Mudam -se os tempos / E as vontades /.... , tão só pela simples constatação de que os gostos e os projetos para as nossas vidas no futuro, almejam graus de preparação técnica que não se adequariam aos do tempo da minha criação. Preparação que se adquire maioritariamente nas Escolas, que várias, se especializaram nas mil vertentes que uma licenciatura e conseguinte progressão em áreas das quais no tempo que mediou entre a década de 40 e 80, eram algo que só seria compreensível e imaginável a alguns nos Estados Unidos, Alemanha e países afins cujo nível de objetivos era tão alto para nós nos parecia, nesse tempo, pura Ficção Científica.
Mas desçamos à terra e falemos de Verbenas. O vocábulo por si só soa a algo "Exquisito" e numa consulta ao Dicionário encontrei a seguinte definição: Festa com arraial noturno, quermesse e também, planta de flores pequenas com estames inclusos na corola.
Tenho na memória uma passagem musical relativamente curta e quase remota que fala da Verbena de Buenos Aires. Melodiosa, é como uma coisa bela que só me é dado sentir a magia percetível nalgumas, poucas, notas musicais, depois, o vazio.
Sempre ao longo da vida compensei esta frustração, com a quase conseguida regularidade de todos os anos, pelos fins de julho me virem à memória as Verbenas do Jardim e o seu perfeito enquadramento nas Festas da Cidade. Talvez agora, que me sobra o tempo e as recordações,  como que brotam de um manancial, seja capaz de descrever mesmo que não fielmente o encanto, a magia e o deleite que se sentia e se interiorizava de forma perene. Permito-me incluir neste estado de espírito toda a juventude minha contemporânea e quase toda a gente que a elas assistia, naturais ou forasteiros.
Chegado Agosto a primeira notícia das Festas, como abreviadamente lhes chamávamos, era-nos dada pelo pessoal da Câmara que atarefados limpavam o Jardim sob a constante supervisão do tio Américo que com a sua postura um pouco irregular, de olhos cintilantes, tomava atenção ao pessoal menor e à garotada que só atrapalhava, mas que era feliz. Seguidamente vinha o pessoal do Snr. José Sabino Ribeiro, que sob a "batuta" do prestigiado dito Snr.  Ribeiro, instalavam umas caixas castanhas com uma rede finíssima na parte posterior que continham os chamados autofalantes que distribuiriam a música que através dos cabos eléctricos recebiam do gira-discos e amplificador que o Snr. Ribeiro com a ajuda do Abílio Carrabéu, que era garoto dos seus doze anos, montavam na Cabine de Som previamente construída em madeira e que quando iniciava a missão era assim como o quartel general da área central da cidade desde o Jardim até à Praça Cavaleiro de Ferreira.
Simultaneamente os homens vindos de “baixo “ com escadas , martelos, alicates e chaves de fendas punham de pé a decoração que alindaria a cidade e só ficava pronta quando após uma safra interminável de testes e colocação de cofrés com fusíveis e alavancas permitiam que a energia eléctrica acendesse os milhares de lâmpadas de uma quantidade apreciável de cores e transformasse a cidade num sonho lindo de reflexos sentidos que para o meu pequeno cérebro eram um mistério e uma felicidade.
A música que fluía e alegrava a gente era normalmente selecionada dos últimos sucessos do tempo em que etiquetas como a Philips e a RCA ou a Polydor produziam êxitos musicais semanalmente e o Festival de San Remo era o ponto alto do ano musical. Mas terá que se dizer que era a música a verdadeira essência das Verbenas. Assim, quando ao fim do dia o Jardim era regado, a música impercetivelmente ia tomando conta dos espíritos. Era a hora do ensaio e o filho do Machado, Costas Largas, que era assim como um Disc-jockey antigo começava com a lenga-lenga: -Alô, alô, um, dois, experiência de microfone. Quando a coisa estabilizava entravam no ar os acordes da música de Marino Marini, Renato Carosone, Charles Aznavour e outros grandes cantores, criadores de grandes êxitos e também muita música portuguesa que então também era riquíssima.
O género era essencialmente romântico e para mim era esse pormenor que criava o ambiente, a aura, o fascínio que nos fazia entrarmos naquela pequena multidão e andar ali duas, três horas à volta dos canteiros do jardim como que transpostos para o Jardim do Éden por entidade que nos quisesse premiar pelo facto banal de os rapazes estarem ali pelas raparigas e as raparigas pelos seus rapazes. Mas era lindo e também composto por outros predicados que se vão perdendo, a sinceridade e a fascinação pela convivência, o cheiro das tílias e os odores fragrantes dos cozinhados da Mina onde às onze da noite já se constatava que viver de música e voltas ao jardim eram coisa linda mas que davam fome.
Para muitos, ainda a noite era uma criança e eles aproveitavam para usufruírem doutros deleites mais concretos com um bom prato de Gambas à Lá Plancha, que era o luxo vindo da Espanha, a receita só, que as gambas vinham de Matosinhos e quem as trazia era o Pedro que morava no Calejo do Saco nos Batoques e era Chaufer do Marcolino Moreno, ou um caldo verde e uns pica-paus confecionados com a vitela que o tio Cachimbo, comprava mamona. E a vida que era dura transformava-se em deleite com coisas tão simples que se assemelhavam no meu pensamento infantil a um belo ramo de VERBENAS.


Quantos brigantinos, hoje ao lerem esta narrativa, não pensarão que falta aqui muita coisa para dizer e que a sua recordação não é condizente com a minha. Eu concordarei com eles não no pormenor que seja tangível, mas sim no abstrato que se constitui em conceito único intransmissível e eu pelo menos neste caso guardo avidamente como a minha imagem apreendida instintivamente e que se tornou em certeza como as certezas que todos criámos quando a rapariga de quem gostávamos de repente se tornou a mais bela de todas, só porque aceitou namorar connosco.
E que belo termos aqueles verdes anos e termos Verbenas e uma esperança, que não se consubstanciou, mas que deu lugar à outra que nos calhou.
E assim a vida foi andando sempre e tivemos filhos que hoje nos dão netos e desejaríamos tanto que eles também tivessem as suas Verbenas… e que também eles amassem Bragança e gostassem das Festas da Cidade que as incluíssem.





Paris, 26 /07 /2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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