quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Associação Gaita-de-Foles - Estudar, ensinar e preservar os sons do mundo rural

Nasceu em 1999 e em 12 anos construiu obra. A Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação da Gaita-de-Foles abriu uma escola, formou o grupo Cornes e recolhe histórias de gaiteiros. Junta a estas actividades a edição de livros e a organização de encontros de gaiteiros. A Associação mantém viva uma tradição que terá tido origem no mundo rural, embora hoje com forte expressão urbana.
«Os gaiteiros espanhóis vinham cá tocar e toda a gente gostava muito deles. Eram recebidos na terra como gente muito importante. Eu também queria ser assim. Aproveitava todo o tempo para os ver a tocar. Assim aprendi. Tinha de ser assim porque por aqui não havia ninguém para ensinar a tocar gaita-de-foles», conta Eduardo Francisco Veiga, morador no concelho de Bragança.

A história deste gaiteiro é uma, entre muitas, que a Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação da Gaita-de-Foles recolheu. Com uma página na Internet, repleta de conteúdos para conhecer o instrumento musical, a associação, fundada em 1999, cumpre um dos seus objectivos: «divulgar o instrumento de todas as formas possíveis e cativar mais pessoas para a prática do mesmo», explica o presidente da Associação, Vasco Ribeiro Casais.
A associação foi criada por um grupo de amigos que aprendiam gaita-de-foles e pelo seu professor Paulo Marinho. Criaram raízes em Lisboa e foram crescendo. Hoje contam com 230 associados.

Juntos dedicam-se a investigar as origens, utilizações e diferentes formas deste instrumento que se encontra um pouco por todo o mundo. Objectivos que Vasco Ribeiro Casais diz já estarem de certo modo alcançados, sendo o grande desafio agora «a edição de um disco com o grupo de gaitas da associação, o Cornes». Um projecto que «está para breve», adianta.
Vários instrumentos num só:
«A gaita-de-foles não é um instrumento, mas vários instrumentos, que se encontram acoplados a um fole (depósito flexível de ar)», explica o site da Associação. Instrumento classificado dentro da família dos aerofones, ou seja de vento, existe um pouco por todo o país. «Em Portugal, a gaita-de-foles é característica desde a baía de Setúbal até ao Minho e Trás-os-Montes. Nos arredores de Lisboa, precisamente em Torres Vedras, o instrumento ainda se encontra bem vivo. Em 2009 editámos um livro com CD e DVD sobre o gaiteiro Joaquim Roque que ainda hoje toca nas festas locais», comenta Vasco.

A gaita-de-foles compõe-se de, pelo menos, um tubo melódico chamado de ponteiro e um insuflador com uma válvula, chamado «assoprador». Ambos ligam-se a um reservatório de ar, o fole. Na maioria dos casos, há pelo menos mais um tubo melódico, pelo qual se emite uma nota pedal (som prolongado sobre o qual se sucedem diferentes acordes) constante, que está em harmonia com o tubo melódico, chamado bordão, ronco ou roncão.
Para aprender a tocar este instrumento é preciso, explica Vasco Ribeiro Casais, «muita vontade e persistência, tal como na aprendizagem de outro qualquer instrumento musical». O som que a gaita-de-foles emite é feito pela vibração do fole, normalmente concebido em pele de cabra. De referir que, em Portugal, coexistem dois termos para o mesmo instrumento: «’Gaita-de-foles’ e ‘Gaita-de-fole’. Esta última é utilizada pelos gaiteiros mais velhos, em quase todo o país. ‘Gaita-de-foles’ é talvez uma expressão urbana recente, mais popularizada nos meios de comunicação».
Além fronteiras, a gaita-de-foles ganha ainda outros nomes. Em inglês designa-se como «Bagpipe», em francês é conhecida por «Cornemuse», em castelhano pode ser designado de «Gaita», «Gaita de fuelle» ou «Cornamusa». Na Suécia ganha o nome de «Säckpipa», na Alemanha «Düdelsack» ou «Sackpfeife», na Bulgária «Gaida». Este mundo de nomes para um mesmo instrumento revela a sua presença um pouco por todo o mundo.
Na vida rural era presença habitual. Fazia-se ouvir em festas religiosas, mas também populares. Vasco Ribeiro Casais refere que «hoje em dia algumas dessas festas ainda existem com a presença da gaita-de-foles», no entanto «o seu âmbito também se alargou à indústria da música em geral e a todos os contextos a ela associados. Em geral a gaita-de-foles sempre teve um carácter mais rural mas hoje em dia tem mais expressão em alguns centros urbanos».
As origens da gaita-de-foles não são bem definidas, quer no tempo, quer geograficamente. Uma incursão pela história do instrumento revela que existiam gaitas-de-foles feitas com pele de cabra, o que remete para o mundo rural e pastoril, mas também há registos de instrumentos em que o fole é feito de odres, ou seja, sacos flexíveis de pele, mais comuns no mundo urbano. De acordo com a Associação Gaita-de-Foles, «isto significa algo muito simples: o instrumento gaita-de-foles pode ter surgido em qualquer contexto, em qualquer parte do mundo e, provavelmente, até em vários sítios ao mesmo tempo».
Uma época provável de maior expansão deste instrumento é a Idade Média (século V ao XV). «É nesta altura que surgem com mais frequência as representações de pastores em cenas de Natividade, quer em pintura, iluminura ou escultura, onde se encontram figuras de gaiteiros, por exemplo, para além de outras referências», explica a Associação.
Aprender na escola da associação:
Transmitir os saberes de geração em geração é a base da sobrevivência e divulgação de qualquer tradição. Ensinar a tocar gaita-de-foles é, por isso, uma das missões da Associação. Vasco Ribeiro Casais explica que neste momento «temos a decorrer o curso de iniciação à gaita-de-foles com a duração de três anos e o curso de percussão tradicional, com a duração de um ano. Os nossos cursos estão muito bem estruturados, com um programa que começa no nível 0, em que o aluno é apresentado ao instrumento, até a um nível em que por si só o aluno já consegue tocar qualquer música».

Os conteúdos programáticos são diversificados, abordando a «técnica musical do instrumento, o aprender a ler e escrever música, assim como a contextualização histórica e etnográfica da gaita-de-foles». Actualmente há 25 alunos inscritos nas aulas de gaita-de-foles e dez em percussão.
Aprende-se a tocar um instrumento que é também uma peça de artesanato. Vasco Ribeiro Casais considera que «felizmente o ofício da construção está bem vivo e recomenda-se. Existem vários artesãos em Portugal mas os que neste momento se encontram a construir mais e com melhor qualidade são o Vítor Félix e Mário Estalisnau da oficina Sons da Música em Maceira, perto de Torres Vedras.
Nas histórias de vida partilhadas no site da Associação está Joaquim Torres, de Cantanhede, «um dos poucos gaiteiros que se pode gabar de ter feito a sua própria gaita-de-foles».
Construiu a sua gaita (foto) recorrendo apenas a uma simples navalha e outras ferramentas manuais, sem usar nenhum torno ou qualquer tipo de maquinaria. Ele próprio manufacturou todos os componentes da sua gaita: peças de madeira, fole, palhões, palhetas e a própria vestimenta.

Exemplos de pessoas que mantém vivas os costumes do país, um cuidado que, na opinião de Vasco Ribeiro Casais, «aos poucos tem vindo a crescer». O responsável pela associação defende que «há cada vez mais interesse por parte das gerações mais jovens. Na minha opinião ainda há bastante trabalho a fazer, a cultura tradicional está associada a falta de cultura, instrumentos desafinados e pessoas a cantar mal, mas felizmente isso está a mudar e tem vindo a aparecer um grande número de músicos e associações a fazer um trabalho notável nesse aspecto. Aos poucos estamos a ficar mais exigentes e todo o nosso nível cultural sobe mas preservando sempre aquilo que é nosso».
A Associação Gaita-de-Foles tem ainda uma banda, formada por alunos da escola, designada Cornes. «O projecto nasceu da necessidade de encontrar um veículo para a expressão da criatividade dos alunos e como forma de aplicarem aquilo que aprenderam». Iniciativas às quais juntam outras, como organização de exposições, encontros de tocadores, o encontro nacional de gaiteiros.
Um trabalho com 12 anos que conta sempre com «a vontade de fazer coisas independentemente do dinheiro. Todo o trabalho é voluntário e é isso que faz andar a nossa engrenagem», remata Vasco Ribeiro Casais.

Sara Pelicano; fotos

in:cafeportugal.net

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