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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

... OUTRAS VIDAS

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

A 4 de Julho de 1827 embarquei para o Rio de Janeiro a bordo do brigue Invencível, onde cheguei a 1 de Agosto de 1827 a bordo da galera Príncipe Real. Estranhamente o brigue Invencível foi tomado pelos corsários argentinos e eu e outros passageiros fomos misteriosamente despejados na galera. O mar estava revolto e ondulava mais que as searas da minha aldeia em finais de Maio e arrependi-me de me ter feito ao mar, eu que sempre sonhei com ladeiras, montes e vales. Cheirava sempre a estevas e urzes.

Em boa verdade nunca entendi bem porque fui para o Brasil em 1827. Tinha acabado de comprar outro macho novo, com uma estrela branca na testa. Valente. Com carga e meia até se ria das longas ladeiras de Izeda. E o negócio do azeite corria bem.... embora sempre fizesse boa medida às mulheres pobres, carregada de filhos e de fomes... tantas!
Até porque no Brasil senti-me emigrante... quase prisioneiro, formatado na bata de cotim azul de caixeiro numa loja de couros, esperando o fim do mês para receber os míseros cinco mil réis. Fazia calor e o cheiro nauseabundo dos couros infestava o soto e toda a rua. Na minha aldeia cheirava sempre a flores e a terra molhada.
Tinham me dito que no Brasil havia de enriquecer logo... abanar a árvore das patacas e regressar a Portugal... vestido de branco, com um dente de ouro e chapéu da mesma cor. Então Já podia casar contigo... e ver-te espadar o linho, tecer a colcha, criar os filhos... e o teu pai judeu já não havia de dizer, para toda a praça, que era um pelintra, um morto de fome... que só tinha um macho podre, o que até era mentira, pois nunca se viu macho mais valente nas cinquenta léguas ao redor.
... depois morri em 1830... de saudade...da falta dos montes... de febres bravas. E da tua ausência! 
Lá longe os sinos tocavam às Trindades e tu fiavas o linho sentada à tua porta e o teu sorriso era uma brisa fresca...e eu prometi que havia de voltar... um judeu regressa sempre a casa... não se sabe em que vida...ou em quantas vidas!
...aqui estou!...quantas vidas... quantas mortes...eternos emigrares...
... judeu errante... Portugal... de novo pelo mundo... quantas vidas... quantas mortes... eternos emigrares!...
... até quando?!

Fernando Calado
nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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