Abade de Carviçais, concelho de Moncorvo, e anteriormente de Maçores, tendo também paroquiado, como encomendado, esta freguesia, a de Ligares e de Larinho; sócio da Associação dos Arqueólogos Portugueses e da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Nasceu na freguesia da Lousa, concelho de Moncorvo, a 4 de Abril de 1868; filho de Custódio Luís Tavares, natural de Santo Amaro, concelho de Foz Côa, e de D. Luísa da Conceição Teixeira, da Lousa. Fez os estudos preparatórios e teológicos no Seminário Diocesano de Bragança e recebeu a ordem de presbítero em 1894. Tem exercido várias comissões honrosas como pregador da bula e foi-lhe concedido o privilégio de usar de murça.
O abade Tavares é «um dos espíritos ilustrados e esclarecidos da actual geração transmontana, que tem dedicado a sua actividade intelectual ao estudo das antiguidades d’esta provincia, tanto da linguistica como de tudo o que pode concorrer para o conhecimento do seu passado. Sacerdote exemplarissimo, ao mesmo tempo que exerce a evangelica missão da direcção espiritual dos seus parochianos, vae, como espirito sagaz, observador, colhendo entre elles e nos seus habitos, usos e costumes, todas as joias archaicas perdidas, que hão-de um dia servir para formar um thesouro de subido valor para a historia d’esta região. Como homem culto, foi um dos primeiros que, lá de uma escondida aldeia, levantou a voz a saudar com a sua penna fluente a fundação do Museu Regional de Bragança, e para o qual tem offerecido, por diversas vezes, vários objectos».
O sábio mestre doutor José Leite de Vasconcelos, transcrevendo esta apreciação, acrescenta: «Faço com tanto maior prazer esta transcripção, quanto é certo que ao desvelado amor que o meu amigo Rev.do Padre Tavares vota á sciencia deve tambem o Museu Ethnologico Portuguez a posse de importantes donativos archeologicos».
O abade Tavares é um grande coleccionador de antiguidades arqueológicas, de que tem em sua casa um verdadeiro museu, sendo lamentável, porém, que não se resolva a depositá-las no Museu Regional de Bragança, que também o é da sua terra, visto respeitar a todo o distrito, e resultarem infrutíferas as suas tentativas para a fundação de um em Moncorvo.
Que o nosso amigo nos perdoe, mas os coleccionadores de antiguidades são tão beneméritos quando as recolhem, salvando-as do perecimento, quão censuráveis desde que se fecham com elas, privando os estudiosos desses elementos de instrução, contra todo o bom critério, e expondo-as a perderem-se após a sua morte, sendo até preferível que as tivessem deixado ficar in loco. Nem se diga que as facultam de boa vontade aos visitantes, porque a vida moderna carece de tempo para andar de casa em casa, por desvairadas terras, à cata delas. Os museus é que são os lugares próprios, onde só podem estar expostas condignamente, facultando de passo outros elementos de comparação evidentemente falhos nas colecções particulares.
E al não façades, como rezam os documentos antigos, porque é um crime ou, pelo menos, maluqueira injustificável. Compreendem-se os coleccionadores mercantis: é a traficância avara e abjecta que os orienta.
Compreendem-se os armazéns artísticos dos novos-ricos: querem dar-se tom de antigos aristocratas. Compreendem-se as colecções arcaicas dos burgueses endinheirados ou com facilidades de vida financeira; aspiram a impingir-se como estetas e amadores conscientes de arte. Compreendem-se as colecções dos sábios a fingir: querem impor-se como genuínos ao vulgo ignaro.
Compreendem-se os colecciono-maníacos que utilizam mobiliários, códices, manuscritos e livros raros para arrancar o ornato característico, a iluminura, a página interessante, o emblema político: é a vesânia do salteador a manifestar-se por essa forma em vez de aparecer nas estradas.
Compreende-se mesmo que o estudioso retenha por algum tempo os exemplares mais raros para os estudar convenientemente, depositando-os depois num museu para não privar egoisticamente outros dos ensinamentos adequados ao adiantamento científico.
Compreende-se que o povo ignaro feche a sete chaves preciosidades que de nada lhe servem, encontradas algumas nos escombros de civilizações desaparecidas, privando assim estupidamente o progresso mental de grandes elementos de estudo: não sabe o que faz e os governos não têm olhos nem mente para decretar uma lei eficaz que faça remover para lugares adequados tais tesouros.
Mas não se compreende que tu, meu velho e grande amigo Tavares, retenhas por mais tempo a tua colecção arcaica. A tua grande inteligência, desinteresse e amor à ciência brigam com tal resguardo.
Não sei se ouvi, se li, que a querias dar a um museu a fundar no Seminário Diocesano. Prezo-me de ser padre, de honrar a veste sacerdotal, de amar a classe o melhor que posso e como posso, de concorrer para a fundação do seminário, sem recear confrontos com os que mais se avantajam em igualdade de circunstâncias, entendendo-se, é claro, do seminário em Bragança e não em outra parte, como preconizam os amoucos da infeliz fariolatria bragançófoba. Mas o seminário, um seminário nunca pode servir para museu, a não ser que reuna condições tão excepcionais que nunca talvez se encontrem nos portugueses.
Pode e deve mesmo ter alguns exemplares de certas raridades – tecelagem, ferragem, bordados, mobiliário, etc. – para ensino na aula de arqueologia, quando a haja, mas só para isso; o mais é no museu ou nos monumentos que se estuda.
Um museu não é um armazém de velharias: é uma aula de estudo pela imagem, onde vai inspirar-se, aprender o pintor, o escultor, o arquitecto, o numismata, o epigrafista, o marceneiro, o serralheiro, a bordadeira, a tecedeira, enfim, quantos exercem a arte com intuitos de perfectibilidade. Precisa de pessoal conhecedor do assunto para classificar, dispor e auxiliar os visitantes; precisa de amplas salas, galerias e terraços; precisa de larga dotação e de várias outras coisas que, por brevidade, omitimos, coisas que o seminário não tem – tomara ele manter-se no objectivo da sua especialidade…
Quem não faz ideia do que seja um museu pode tentar a criação de um com a mesma consciência com que o tarimbeiro general Junot, ao invadir Portugal, prometia dotar cada uma das províncias do país com um Camões para cantar seus feitos em outros tantos Lusíadas!...
E tanto é assim, que homens da envergadura mental e moral do bispo-conde, D. Manuel Correia de Bastos Pina, em nossos dias, resistindo a veleidades injustificáveis, além de improfícuas, podendo fundar um museu no seu seminário, incontestavelmente em melhores condições em tudo que o de Bragança, preferiu iniciar o famoso Museu Machado de Castro. O mesmo fez no século passado o célebre bispo Cenáculo, tão memorado nas belas páginas da literatura portuguesa.
É que o hic homo cepit aedificare et non potuit consumare é uma verdade evangélica e um conselho a tentativas menos ponderadas.
Um museu no seminário?!... E um dia vinham por ali os alunos e as alunas da Escola Industrial copiar desenhos dos tapetes, dos bordados, das pinturas, das ferragens; copiar a tecitura dos panos; e um dia vinham por ali os alunos e alunas das escolas de belas-artes, do Curso Superior de Letras, das faculdades de letras, e lá se ia a paz espiritual que deve reinar nestas casas, levando, talvez, algumas vocações sacerdotais e... bem cego é o que não vê por um crivo – Sego non ego et inrabazabo cordumzil, segundo a versão macarrónica popular.
O padre José Augusto Tavares escreveu: Etnografia transmontana – Agricultura do concelho de Moncorvo. Porto, 1908. 4.º de 16 págs. (É uma separata do tomo II da Portugália.)
Tem em manuscrito: Crepúsculos (versos); Penumbras (idem); O noivado do sepulcro (poemeto à morte de seu irmão doutor Manuel Jacinto Tavares); e Devaneio poético popular – Colectânea (versos). E em prosa: Superstições populares trasmontanas. Folclore trasmontano; e as Monografias de Carviçais, de Ligares, de Nossa Senhora da Teixeira (Moncorvo) e de Santo Ildefonso (Souto e Felgar).
Tem colaborado nos seguintes periódicos: Gazeta de Bragança, O Nordeste, A Voz do Tua, Correio de Macedo, O Moncorvense, Correio de Lamego, O Brigantino, O Mirandelense, O Tua, Correio Nacional, A Palavra, A Vida Moderna, A Época, Novidades, Diário de Notícias, O Século, Torre de Moncorvo, Legionário Trasmontano, Boletim Diocesano, O Arqueólogo Português, Ilustração Trasmontana, Portugália, Revista Lusitana, Novo Almanaque de Lembranças, Agenda Brigantina e Boletim da Diocese de Bragança.
A fecunda escritora D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, nos seus Estudos sobre o Romanceiro Peninsular, 1907-1909, págs. 7, 104, 211 e 227, refere-se elogiosamente ao Romanceiro Trasmontano publicado pelo abade Tavares na Revista Lusitana, n.os VIII e IX, o qual consta de diversas romanças coligidas por este diligente investigador, algumas das quais ainda não tinham similares em português.
O doutor em direito Manuel Jacinto Tavares, irmão do nosso biografado, a quem este dedicou o poemeto atrás mencionado, nasceu na freguesia da Lousa a 18 de Março de 1888 e faleceu em Moncorvo, onde era professor da Escola Comercial Seixas, a 13 de Junho de 1916.
Colaborou no Imparcial de Coimbra, na Vida Nova e noutros jornais, tanto em prosa como em verso.
Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança
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